A escada ponteana é uma teoria da advocacia que faz valer um negócio jurídico. O nome “escada” é dado justamente porque, cada plano de formação do negócio jurídico é um degrau, sendo eles o da existência, da validade e da eficácia. Ao final, então, o negócio jurídico pode ser realizado.
Até chegarmos ao negócio jurídico, disposto no art. 104 do Código Civil, é preciso percorrer um longo caminho. Primeiro, o negócio jurídico decorre de uma relação jurídica. É, desse modo, um ato lícito lato sensu. Isto porque decorre de fato humano caracterizado pela vontade. O fato humano, por sua vez, é fato jurídico lato sensu.
Mas não vamos nos ater a isso, pelo menos neste texto.
O mais marcante do negócio jurídico é a manifestação da vontade das partes. Flávio Tartuce¹ o caracteriza assim:
Ato jurídico em que há uma composição de interesses das partes com uma finalidade específica.
É, pois, o negócio jurídico, o ato pelo qual as partes, deliberadamente, manifestam sua vontade acerca de determinado negócio. Esse pode, portanto, observar a seguinte classificação:
É dele que surgem os contratos. Ou seja, o mundo gira em torno de modelos de negócios jurídicos. E esse instituto é, assim, o ponto principal da Parte Geral do Código Civil. Já pensou como seria o mundo sem o contrato de compra e venda, por exemplo?
Mas não é tão simples assim. Além da manifestação da vontade, há outros requisitos para que um negócio jurídico exista e seja válido.
É necessário, então, que ele passe por alguns degraus, até que seja reputado como negócio jurídico perfeito. E que, assim, não seja inexistente, nulo ou anulável. Esses degraus fazem parte de uma escada criada pelo jurista, filósofo, matemático, advogado, sociólogo, magistrado e diplomata brasileiro Pontes de Miranda. É a chamada Escada Ponteana.
Pontes de Miranda ensina, em sua obra Tratado de Direito Privado (composta por 60 tomos e escrita em 15 anos!), que:
Existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz. As próprias normas jurídicas podem ser, valer e não ter eficácia. O que se não pode dar é valer e ser eficaz, ou valer, ou ser eficaz, sem ser; porque não há validade, ou eficácia do que não é [2].
A partir dessa construção, então, o negócio jurídico tem três planos ou degraus:
Vamos, então, ver cada um deles.
No plano da existência encontram-se os requisitos mínimos do negócio. Sem eles, portanto, torna-se inexistente o negócio jurídico. Esses requisitos formam os pressupostos de existência. Como pode um negócio existir sem que hajam agentes (quem contrata, contrata com alguém), sem um objeto, sem uma forma definida ou sem a clara manifestação da vontade das partes?
Assim, o plano da existência engloba agentes, objeto, forma e vontade do negócio jurídico.
Quando os requisitos do primeiro degrau forem satisfeitos, podemos passar para o plano da validade. Aqui, então, vale o auxílio do já citado art. 104 do Código Civil, que determina o que é necessário para a validade do negócio:
Uma vez que for ferido algum desses requisitos, o negócio se tornará nulo ou anulável. E, para saber se a aplicação é de anulabilidade ou de nulidade, é necessário fazer a leitura dos arts. 166 e 171 do CC.
Anulado o negócio jurídico, então, as partes deverão retornar ao seu status anterior. Contudo, nos casos em que a reversão for impossível, deve-se proceder à indenização do equivalente.
Acerca da capacidade para a validade do negócio jurídico, contudo, é importante observar o texto do art. 105 do CC, que assim dispõe:
Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos co-interessados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum.
É o que ocorre, por exemplo, nos casos de menor relativamente incapaz que realiza negócio jurídico, mas invoca a idade para sua anulação, quando ocultou-a de má-fé no momento da obrigação.
No tocante ao objeto, por sua vez, o art. 106, CC, estabelece, assim:
Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.
Quanto à forma, o art. 107 dispensa forma especial, exceto quanto previsto em lei. Desse modo, são exemplos de negócio jurídico solene: o pacto antenupcial e o testamento público. Dessa forma:
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
Além disso, a escritura pública é essencial a algumas espécies de negócio jurídico, conforme se observa da redação do art. 108, CC, e do art. 109, CC:
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.
Por fim, acerca da liberalidade das partes no negócio jurídico e da manifestação de vontade, é disposto no art. 110 ao art. 114, CC:
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.
Por fim, no plano da eficácia, os principais elementos, chamados de acidentais, são:
Esses elementos estão relacionados com a suspensão e resolução de direitos e deveres das partes envolvidas. De acordo com Flávio Tartuce:
Os elementos acidentais do negócio jurídico não estão no plano da sua existência ou validade, mas no plano de sua eficácia, sendo a sua presença até dispensável. Entretanto, em alguns casos, sua presença pode gerar a nulidade do negócio, situando-se no plano da validade. [3]
A condição, que deriva da vontade das partes, faz com que o negócio jurídico dependa de um evento futuro e incerto, de acordo com o art. 121 do CC.
Essa condição pode ser invalidada, de acordo com o art. 122 do CC, nos casos de condições :
Além disso, a condição se divide em suspensiva e resolutiva. A primeira não gera efeitos jurídicos até sua implementação. Por exemplo: um pai que promete dar um carro a seu filho caso ele passe no vestibular. Enquanto o filho não passar no vestibular, a condição não se implementará, ou seja, não existirão efeitos jurídicos.
Já a condição resolutiva é aquela em que os efeitos existirão até que o evento a interrompa. Aqui, a aquisição dos direitos se opera desde logo. Por exemplo: Maria promete emprestar seu carro a Marta até que esta passe no exame de Ordem. Após a implementação da condição, o direito se extingue, de acordo com o art. 128 do Código Civil.
O termo condiciona o negócio jurídico a um evento futuro e certo, conforme demonstra o art. 131 do Código Civil. Ele se subdivide em termo inicial e termo final.
No termo inicial se tem o início dos efeitos negociais; suspendendo o exercício do direito, mas não sua aquisição. Por exemplo: Caio aluga sua casa de praia a José a partir do início do verão.
No termo final, se predefine o momento em que o direito se extinguirá. Por exemplo: Fábio empresta seu carro a Manoel até o fim do mês de abril.
Por fim, o encargo, previsto no art. 136 do CC, traz um ônus que pode ser posto ao beneficiado por um ato gratuito. Aqui, contudo, não se suspende nem a aquisição nem o exercício do direito. O art. 555 do CC trata da possibilidade de o estipulador exigir o cumprimento do encargo.
É o caso, por exemplo, do donatário que doa um terreno a alguém com a condição que seja construído, em parte do terreno, um asilo.
Além disso, merece especial atenção o art. 137 do Código Civil, que trata do encargo ilícito ou impossível. Esse artigo diz que os encargos ilícitos ou impossíveis serão considerados como não escritos, exceto se o encargo constituir o motivo determinante da liberalidade, gerando a invalidade do negócio jurídico.
Para ilustrar: João doa a José uma fazenda para que ali se cultive maconha. Por se tratar de motivo determinante, o negócio é inválido. Já se João doar uma fazenda a José com o encargo de que ele plante maconha, o encargo será tido como não escrito, ficando assim: João doa a José uma fazenda com o encargo de que ele plante maconha.
A escada ponteana do negócio jurídico também é utilizada na jurisprudência, como se observa em acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Assim:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. TRADIÇÃO DO VEÍCULO. CONTRATO DE NATUREZA REAL. REQUISITO DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. ESCADA PONTEANA. ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CONTRATO. NEGLIGÊNCIA DA PARTE AUTORA. MÁ-FÉ DA EMPRESA ALIENANTE. […]
Em negócio de alienação fiduciária em garantia, por se tratar de contrato de natureza real, a tradição constitui requisito de validade do negócio jurídico. […] A exigência de registro do contrato de alienação fiduciária em garantia no cartório de título e documentos e a respectiva anotação do gravame no órgão de trânsito não constitui requisitos de validade do negócio, tendo apenas o condão de torna-lo eficaz perante terceiros. […]
(STJ, 4ª Turma, REsp 1190372/DF, Rel. Min.Luis Felipe Salomão, julgado em 15/10/2015, publicado em 27/10/2015)
Portanto, saber diferenciar com precisão cada um desses conceitos pode ser crucial em determinado caso prático. Isso porque, dessa forma fica mais fácil saber qual a melhor decisão a se tomar quando estiver mediando esses acordos.
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A escada ponteana é importante para os negócios jurídicos porque ela faz com que seja possível exigir o cumprimento de um negócio jurídico que seja válido e eficaz. Ele atua como a espinha dorsal das relações de negócios jurídicos.
O negócio jurídico é um ato lícito que resulta da manifestação de vontade das partes, criando, modificando ou extinguindo direitos. Está definido no artigo 104 do Código Civil e é caracterizado pela composição de interesses com uma finalidade específica. É fundamental para a formação de contratos e outras relações jurídicas.
O termo no negócio jurídico é uma condição que vincula o início ou o fim dos efeitos de um ato jurídico a um evento futuro e certo. Ele se subdivide em termo inicial, que marca o começo dos efeitos, e termo final, que define quando os efeitos cessarão. É regulado pelos artigos 131 e seguintes do Código Civil.
Os três elementos do negócio jurídico são a existência, a validade e a eficácia. A existência depende de agentes, objeto, forma e vontade; a validade exige capacidade do agente, objeto lícito, forma prescrita em lei e vontade livre; e a eficácia está relacionada a elementos como condição, termo e encargo, determinando quando e como os efeitos jurídicos se produzem.
A diferença entre ato jurídico e negócio jurídico é que o ato jurídico é qualquer fato humano que produz efeitos jurídicos, independentemente da intenção das partes. Já o negócio jurídico é um tipo específico de ato jurídico, caracterizado pela manifestação deliberada de vontade das partes com a finalidade de criar, modificar ou extinguir direitos.