No artigo anterior discorremos sobre a possibilidade da COVID-19 ser considerada doença do trabalho. E você poderá saber mais sobre isso lendo, então, o artigo. Agora, contudo, vamos falar sobre enquadramento do acidente do trabalho e a impugnação administrativa (e judicial) do nexo técnico por presunção legal.
O assunto é de suma importância, na medida em que a configuração de acidente do trabalho enseja a obrigação da empresa pagar o FGTS do empregado no período de recebimento do auxílio-doença. Do mesmo modo, gera também estabilidade para o empregado pelo período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença acidentário.
Passamos, desse modo, à análise conforme o previsto em legislação.
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O primeiro passo para o reconhecimento de qualquer direito ao empregado que sofreu acidente do trabalho ou situação legalmente equiparada é a comunicação da ocorrência à Previdência Social. Afinal, no Brasil, foi a legislação que incorporou a infortunística do trabalho.
O art. 22 da Lei 8.213/1991, com redação dada pela LC 150/2015, dispõe, desse modo, que:
Art. 22. A empresa ou o empregador doméstico deverão comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.
Vale realçar que, conquanto o dispositivo seja impositivo, o empresário, na maioria das vezes, sonega tal informação temendo as possíveis consequências jurídicas decorrentes da caracterização do acidente do trabalho.
Daí porque “na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública”, nos termos do § 2º do mesmo dispositivo.
A propósito e diante desse cenário, há certa dificuldade em se estabelecer o termo inicial da doença ocupacional (doença profissional ou do trabalho). Por isso, a Lei 8.213/1991, em seu art. 23, estabeleceu que se considera como dia do acidente a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro.
Cabe ressaltar, por fim, que a ausência de emissão do CAT “pelo empregador não impede o direito à estabilidade do art. 118 da Lei 8.213/1991, desde que comprovado que o trabalhador deveria ter se afastado em razão do acidente por período superior a quinze dias”, a teor do disposto no Enunciado 43 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho.
Como já dito alhures, a fim de combater a ausência de emissão da CAT pelo empresariado, a Lei 11.340/2006 criou o nexo técnico epidemiológico (atualmente com redação dada pela LC 150/2015). Ou seja, institui o nexo de causalidade por presunção legal.
Senão, vejamos a redação do art. 21-A da legislação:
Art. 21-A. A perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa ou do empregado doméstico e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID), em conformidade com o que dispuser o regulamento.
Ademais, segue, no mesmo sentido, o art. 337 do Decreto 3.048/1999. Segundo ele, o acidente de trabalho poderá ser caracterizado, tecnicamente, pela perícia médica do INSS, por meio da identificação do nexo entre o trabalho e o agravo, conforme as relações de causa e consequência dispostas nos incisos:
O artigo, ainda, prevê que será o setor de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o responsável pelo reconhecimento do direito do segurado à habilitação ao auxílio acidente. E caso o segurado acidentado esteja sob responsabilidade da reabilitação profissional, será considerado, então, agravamento do acidente.
É essencial destacar que o parágrafo 4º estabelece o que se considera o agravo para fins de análise do artigo. Segundo ele, portanto:
§ 4º Para os fins deste artigo, considera-se agravo a lesão, doença, transtorno de saúde, distúrbio, disfunção ou síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, inclusive morte, independentemente do tempo de latência.
O nexo entre o trabalho e o agravo, enfim, verifica-se quando “a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na Classificação Internacional de Doenças -CID em conformidade com o disposto na Lista C do Anexo II deste Regulamento”.
E reitera, por fim, que reconhecido o nexo epidemiológico entre o trabalho e o agravo, serão devidas as prestações acidentárias a que o beneficiário tenha direito.
É pertinente ressaltar que “presume-se a ocorrência de acidente do trabalho, mesmo sem a emissão da CAT –Comunicação de Acidente de Trabalho, quando houver nexo técnico epidemiológico conforme art. 21-A da Lei 8.213/1991”, nos termos do Enunciado 42 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho.
Noutro giro, de bom alvitre registrar que a perícia médica do INSS deixará de aplicar o nexo técnico epidemiológico quando demonstrada a inexistência do nexo (art. 21-A, § 1º, da Lei 8.213/1991; art. 337, § 6º, do Decreto 3.048/1999).
De fato, nos termos do art. 21-A, § 2º, da Lei 8.213/1991, com redação dada pela LC 150/2015 [1]:
[…] a empresa ou o empregador doméstico poderão requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso, com efeito suspensivo, da empresa, do empregador doméstico ou do segurado ao Conselho de Recursos da Previdência Social.
A interposição de impugnação e/ou recurso administrativo contra o enquadramento não impede o ajuizamento de ação judicial posterior, caso a decisão do INSS seja contrária ao interesse do empresário (oudo trabalhador, se for o caso), mormente pelo fato de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, consoante preceitua o art. 5º, XXXV, da CF.
Atualmente, a matéria está pacificada no STJ tal como disposto na Súmula 89: “a ação acidentária prescinde do exaurimento da via administrativa”.
E é certo, assim, que o STF já deixou de aplicar a Súmula 552, cuja redação se segue:
Com a regulamentação do art. 15 da Lei nº 5.316/67, pelo Decreto 71.037/72, tornou-se exeqüível a exigência da exaustão da via administrativa antes do início da ação de acidente do trabalho.
Seja como for, se durante a tramitação do processo administrativo houver ajuizamento de ação com o mesmo objeto, considera-se que houve renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto.
Neste sentido, segue o art. 126, § 3º,da Lei 8.213/1991:
Art. 126 […]
§ 3ºA propositura, pelo beneficiário ou contribuinte, de ação que tenha por objeto idêntico pedido sobre o qual versa o processo administrativo importa renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto.
No próximo artigo serão analisadas as espécies de responsabilidade civil, especificamente, no que diz respeito à ação de reparação de dano ajuizada pelo trabalhador acidentado (ou terceiro prejudicado) em face do empresário.
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