Ordem de nomeação em concurso público e remoção de servidores

A ordem de nomeação no concurso público é uma das primeiras garantias ao concursado. Contudo, o concurso regionalizado e o instituto da remoção de servidores públicos podem afetar a nomeação.

user Instituto de Estudos Avançados em Direito calendar--v1 19 de fevereiro de 2019 connection-sync 14 de outubro de 2024

O tema “concurso público” é campo fértil para os mais diversos debates jurídicos. As discussões vão desde a definição dos direitos, deveres e garantias dos candidatos até as diversas ilegalidades praticadas pelo ente promovente do certame, no decorrer de suas fases.

Talvez uma das primeiras garantias consagradas aos candidatos seja o respeito à ordem de classificação. Assim, o primeiro colocado tem o direito à nomeação precedente à do segundo colocado. E assim vai em diante, salvo no caso de nomeação concomitante.

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Súmula 15 do STF e garantias no concurso público

A ordem de nomeação no concurso público é uma das primeiras garantias ao concursado. Isto porque, em 13 de dezembro de 1963 – mais de 50 anos atrás -, foi editado o enunciado nº 15 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. O texto, então, afirma o seguinte: “dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”.

Assim, seguindo o entendimento sumulado pelo STF, sempre que determinado candidato é nomeado sem a observância da ordem de classificação, imediatamente nasce, para os candidatos em classificação melhor o direito à nomeação. Basta imaginar uma fila: se determinado candidato que está na fila é chamado antes daqueles que estão na sua frente, estes têm direito legítimo a pleitear a nomeação.

Violação ao direito à ordem de nomeação

A questão da nomeação em concurso público aparente simplicidade. Contudo, em tempos recentes, o Poder Público tem conseguido, com frequência, cometer esse tipo de ilegalidade. E isto ocorre de uma maneira tal que o Poder Judiciário não a reconheça. Mesmo quando reconhece, vê-se uma clara falta de coragem por parte dos julgadores. Isto porque não conseguem corrigir tal ilegalidade do modo adequado.

São dois os instrumentos utilizados, então, para violar, de maneira disfarçada, a ordem de classificação do certame:

  1. em primeiro lugar, o concurso regionalizado; e
  2. em segundo lugar, o instituto da remoção de servidores públicos.

Concurso regionalizado

O concurso público regionalizado funciona da seguinte maneira. O Estado (em sentido amplo) promove um concurso regionalizado. Oferece, assim, vagas para um determinado cargo em localidades diversas, em razão da necessidade de distribuir esses servidores públicos por toda a extensão territorial da entidade. Consequentemente, exige-se dos candidatos que, no ato de inscrição, optem pelo local de lotação, caso aprovados e nomeados.

Criam-se, na prática, inúmeros concursos: cada localidade terá o seu número de vagas e seu número de inscritos. E isto altera, substancialmente, a concorrência de algumas localidades. Desse modo, há reflexo direto na nota de corte para aprovação. Os únicos pontos em comum, portanto, são a prova (que é a mesma para todos) e o cargo disputado.

Aliás, o ponto nodal deste artigo relaciona-se justamente com a média das notas de cada localidade. Quanto menor for a concorrência de determinada localidade, menor será a média das notas dos aprovados. Consequentemente, onde é menos concorrido, é mais fácil ser aprovado.

É possível, portanto, que um determinado candidato que opte por disputar as vagas em uma localidade mais concorrida consiga uma nota que seria suficiente para ser aprovado em outras localidades, mas não naquela escolhida. Da mesma forma, pelo raciocínio inverso, situação plausível é a daquele candidato que é aprovado e nomeado na localidade escolhida. E apesar disso, possui nota insuficiente para aprovação em localidades mais concorridas.

Remoção de servidores públicos

A princípio não há qualquer irregularidade na remoção de servidores públicos . A Administração promove o concurso público regionalizado justamente para oportunizar ao candidato a escolha pela localidade. Atende, então, a um só tempo, o interesse da Administração e do próprio candidato. É questão de estratégia: o candidato sabe que se optar por uma localidade concorrida deverá ter um desempenho extraordinário para ter sucesso. Contudo sabe que, em localidades menos concorridas, o esforço é um pouco menor.

O problema começa quando a Administração, dentro do prazo de validade do concurso, promove a remoção de servidores – aprovados e nomeados no concurso vigente – de localidades menos concorridas para as localidades mais concorridas, ao invés de nomear o próximo da lista de classificação desta localidade.

Tal prática não apenas evidencia o claro propósito de beneficiar o servidor removido. E desse modo, também configura afronta ao princípio constitucional da impessoalidade. Ela, além disso, viola, de maneira cabal, a ordem de classificação. Ao projetar a nota do servidor público removido na lista de classificação dos candidatos aprovados na localidade para onde ele foi removido, é possível que dezenas – ou até mesmo centenas – de outros candidatos tenham sido preteridos.

Exemplos concretos

Façamos mais claras tais afirmações, através de exemplo concreto: em concurso regionalizado, uma localidade menos concorrida teve nota de corte de aprovação de 50 pontos. No entanto, outra localidade mais concorrida teve nota de corte de 60 pontos.

Assim, ciente de que na localidade menos concorrida seria mais fácil – ou menos difícil – conseguir a aprovação, determinado candidato opta por se inscrever naquela localidade, cujo sucesso era mais provável. Uma vez aprovado e nomeado com a nota de corte da localidade escolhida – ou seja, 50 pontos -, o nosso candidato, aproveitando-se de apadrinhamentos de autoridades públicas, é removido ainda dentro do prazo de validade do concurso para a localidade mais concorrida, onde o ponto de corte era 60 pontos.

Pela situação hipotética acima narrada resta claro que houve uma patente violação na ordem de classificação. Afinal se havia a necessidade de contratação de mais um servidor naquela localidade, o certo é que o próximo na lista de classificação daquela localidade fosse nomeado. Ou seja, que fosse removido servidor de outra localidade aprovado no mesmo concurso, ainda que esse servidor removido tivesse uma nota superior à nota de corte da localidade para onde foi (60 pontos, no nosso caso).

E pior, não foi apenas o próximo na lista de chamada que foi lesado. Foram todos aqueles que obtiveram nota superior ao do servidor removido e não foram nomeados. Basta projetar a nota do nosso candidato na lista de classificação da localidade para onde foi removido. Assim, a visualização da ilegalidade se torna fácil. Se o ponto de corte daquela localidade era 60 pontos, mas o servidor removido fez 50 pontos, parece óbvio afirmar que todos aqueles que pontuaram acima de 50 e não foram nomeados foram preteridos. E portanto, possuem direito à nomeação, de acordo com a Súmula 15 do STF.

Cadastro de reserva e ordem de nomeação

No entanto, o raciocínio acima empreendido não parece ser muito aceito pelos tribunais pátrios. Com efeito, diversos são os casos em que se reconhece a ilegalidade da remoção. No entanto nega-se ao postulante o direito à nomeação pelo fato de que, supostamente, o número de remoções ilegais comprovadas não atingem sua posição na ordem de classificação.

Exemplo: eram 10 vagas, e o postulante foi aprovado na 20ª posição (cadastro de reserva, portanto). Contudo, consegue comprovar que houve uma remoção ilegal. Assim, o órgão julgador entende que uma remoção ilegal dá direito apenas ao 11º colocado da lista à postular a nomeação.

Esse raciocínio é fruto de uma concepção jurisprudencial já assentada quando o aprovado fora do número de vagas (cadastro de reserva) postula em juízo sua nomeação e posse. O êxito de sua demanda depende, basicamente, da comprovação de um número mínimo de vagas não ocupadas ou ocupadas ilegalmente que atinja a sua própria posição.

Voltando ao exemplo do parágrafo acima, o postulante (20º colocado) somente obteria o provimento jurisdicional pretendido ao comprovar a existência de 10 vagas ou a ocupação ilegal de 10 vagas (como, no caso, a remoção ilegal). Como comprovou apenas uma remoção ilegal, não se pode lhe conceder o quanto pretende.

Esse posicionamento chancela, infelizmente, o ato flagrante e reconhecidamente ilegal. Estimula, portanto, que o Poder Público continue praticando tais atos. Isto porque sabem que as consequências serão mínimas ou até mesmo inexistentes. A linha de pensamento criticada somente poderia ser aceita caso a consequência da nomeação do candidato preterido fosse a recondução do candidato removido ilegalmente. No entanto, isto nunca acontece. Mantem-se, assim, os atos já praticados (no caso, a remoção ilegal). E concede-se, aos candidatos lesados, o direito que lhes socorre.

Preterição em concurso público

Como já está claro, essas hipóteses de preterição em concurso público merecem atenção especial em razão da relevância que possui a nota do candidato removido. Resalta-se que aqui se considera que esse candidato foi aprovado no concurso que se encontra vigente. Assim, com a remoção transfere-se a nota desse candidato para a lista de classificação da localidade para onde ele foi removido. Esse é o método correto de aferir a preterição daqueles candidatos que obtiveram nota melhor em relação ao do candidato removido.

O correto tratamento ao tema, de acordo com a opinião neste texto exposta, pode parecer extremamente danosa à entidade pública. A violação à ordem de classificação mediante a remoção ilegal pode acarretar o dever de nomear inúmeros candidatos. No entanto, é preciso ter coragem para coibir tais comportamentos. Afinal, no fim, quem será responsabilizado e punido pelos prejuízos será a autoridade pública que tentou driblar a lei. Consequentemente, isto desestimulará futuras ilegalidades equivalentes.

Autor: Eurípedes José de Souza Junior, advogado, pós graduado em Direito Processual Civil (UNIDERP-LFG), pós graduado em Direito Constitucional (IDP), coordenador do Núcleo de Direito Constitucional do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).

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