No começo de 2021, entrou em vigor a nova Lei de Falências (Lei 14.112/20). Resultado de alguns anos de discussão – e da pressão causada por um cenário econômico pouco favorável, na pandemia da Covid-19 – o novo texto legal tem um impacto direto no dia a dia dos advogados que atuam no meio empresarial e corporativo. Na prática, a nova lei de recuperação e falência substitui a antiga Lei 11.101/05.
Confira, então, quais as modificações trazidas pela Nova Lei de Falência (ou Lei Falimentar). E conheça todo o processo histórico de discussão, que resultou na aprovação desse texto legal.
A nova Lei de Falências (Lei 14.112/20) é um dispositivo legal, aprovado no final de 2020, cujo intuito é alterar e modernizar a lei de falências e recuperação judicial e extrajudicial vigente até então (Lei 11.101/05).
Dentre as muitas alterações promovidas pela nova Lei de Falências no texto legal vigente até então, destaque para:
Veremos todas essas novidades, e outras mais, ao longo deste artigo. Antes de avançar, no entanto, é importante entender o que motivou a criação de uma nova lei de falências. Vamos lá?
A primeira regulação brasileira, afora as legislações portuguesas anteriores, acerca do tema data de período posterior à independência do país. Diante da necessidade, então, de normatização adequada às particularidades da mercantilização brasileira, criou-se a “Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação”. Assim, ela era incumbida da tarefa de viabilizar a criação de um direito comercial brasileiro. Dessa maneira, em 1850, foi editado o primeiro Código Comercial brasileiro [1].
A edição de leis esparsas durante as décadas seguintes alterou consideravelmente a regulamentação do tema. Afinal, muito se modificou na sociedade desde então, sobretudo ao final do século XX. Neste período, ganhou força o fenômeno da globalização, afetando profundamente a economia e a área do Direito empresarial.
Por essa razão, em 1993, o Poder Executivo apresentou uma proposta de lei com o objetivo de regulamentar o sistema falimentar em contextualização à sociedade brasileira contemporânea. Durante mais de 10 anos em trâmite, o projeto, enfim, deu origem à Lei 11.101/2005. Este texto legal vigorou durante 15 anos, quando então foi substítuido pela Nova Lei de Falências, como ficou conhecida a Lei 14. 112/20.
Em maio de 2018, o Poder Executivo propôs o Projeto de Lei 10.220/2018, visando a alteração da Lei 11.101/2005. Afinal, àquela altura, 13 anos se passaram desde a promulgação da primeira legislação.
Já durante sua proposição, restou claro que a nova lei de falências buscaria firmar disposições acerca da recuperação judicial e extrajudicial. E consequentemente, modernizar o sistema recuperacional e falimentar brasileiro.
Na introdução do PL 10.220/2018, lia-se:
A antiga legislação que regulava os procedimentos de falência e concordata das firmas comerciais no Brasil era muito fragmentada e seu núcleo (Decreto-Lei nº 7.661) data de 21 de junho de 1945. Apesar de ter o objetivo de evitar a liquidação das firmas, […] mostrava-se ineficaz, tanto no que dizia respeito ao seu objetivo de maximizar o valor dos ativos da empresa em crise, quanto na proteção dos direitos dos credores em caso de liquidação. […]
A LRJEF trouxe impactos positivos consideráveis […]. Todavia, passados quase doze anos de sua vigência, já se observa a necessidade de aperfeiçoamento de diversos dispositivos.
Em agosto de 2020, após discussões e proposições de emenda, o projeto foi aprovado na Câmara de Deputados. E, finalmente, em novembro daquele mesmo ano, foi aprovado também no Senado. Um dos impulsionadores da aprovação foi o cenário econômico produzido pela pandemia da Covid-19, que deixou muitas empresas em situação crítica.
Em 24 de dezembro, o presidente á época, Jair Bolsonaro, sancionou o novo texto legal, com vetos parciais no texto de pelo menos 6 artigos da lei. Assim, a nova Lei de Falências (Lei 14.112/20) entrou em vigor no final de janeiro de 2023, 30 dias após sua aprovação,
A Lei de Falência, então, reforça a ideia de uma responsabilidade patrimonial do devedor, enquanto pessoa jurídica. Todavia, é importante ressaltar que o Direito brasileiro comporta exceções também.
Destarte, a Lei de Falências aplica-se ao empresário e às sociedades empresariais em crise. A crise no Direito Empresarial configura-se através de 4 importantes aspectos, quais sejam:
Uma vez que se configure a crise e não haja solução de mercado – ou seja, a continuidade das atividades da empresa não seja suficiente à superação da crise -, há duas possibilidades para uma empresa. Quando a crise for sanável, é possível requerer a chamada recuperação judicial ou extrajudicial. Quando a crise for insanável, contudo, a empresa deve entrar com pedido de falência.
Acerca do tema, o Poder Executivo explanou ainda durante a tramitação do Projeto de Lei que daria origem à nova legislação:
uma análise em um intervalo de tempo maior aponta que, no período entre junho de 2005 e dezembro de 2014: de um total de 3.522 empresas que tiveram a RJ deferida, somente 946 tiveram o processo encerrado no período. Destas, apenas 218 (ou 23%) voltaram à ativa e as demais 728 tiveram a falência decretada. Embora a falência não represente necessariamente uma falha do sistema, visto que algumas empresas se mostram inviáveis ao longo do processo de recuperação judicial, o fato é que o sistema ainda é moroso e gera baixo índice de recuperação de empresas, o que reforça a necessidade de mudança no quadro legal.
Leia também:
Conforme especificado no art. 1º da Lei 11.101/05 – trecho que permaneceu inalterado, e segue em vigor – podem acionar a Lei de Falência e Recuperação Judicial e Extrajudicial os devedores que se enquadrarem como empresários ou parte de uma sociedade empresária.
Apesar do consubstanciado, a própria Lei de Falência traz exceções à sua aplicabilidade. Desse modo, dispõe o art. 2º da Lei 11.101/2005:
Art. 2º Esta Lei não se aplica a:
- empresa pública e sociedade de economia mista;
- instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
No entanto, é preciso observar que o art. 2º mantém-se com a Nova Lei de Falência. O que se modifica no artigo é a inclusão do art. 2º-A, dispondo acerca dos objetivos da legislação.
Embora trechos consideráveis da antiga lei (Lei 11.101/05) não tenham sofrido alterações, há outros segmentos do texto legal que passaram por modificação. Além de alterar regras já existentes, a nova Lei de Falências também trouxe para a discussão novos aspectos e figuras do processo de recuperação judicial.
Vejamos, então alguns dos principais pontos alterados pela nova legislação de Falências.
A legislação aprovada em 2005 listava apenas pessoas jurídicas como passíveis de solicitar recuperação judicial. Isso muda a partir da nova redação, que passa a incluir os produtores rurais como agentes que podem usar dos instrumentos.
De acordo com o parágrafo terceiro, do inciso IV do Art. 48, pessoas físicas que exerçam atividades rurais também estão habilitadas ao processo de recuperação judicial. A legislação prevê, inclusive, os documentos a serem utilizados para comprovação dessa condição.
Ademais, no que tange à construção de um plano de recuperação judicial, o texto da nova Lei de Falências também tratou de firmar limites. Vejamos:
Art. 70-A. O produtor rural de que trata o § 3º do art. 48 desta Lei poderá apresentar plano especial de recuperação judicial, nos termos desta Seção, desde que o valor da causa não exceda a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais)
Leia mais sobre a gestão jurídica do agronegócio.
O Art. 6º, que trata das implicações da decretação de falência ou do processamento da recuperação judicial, foi substancialmente alterado pela Lei 14.112/20.
Segundo a nova redação desse artigo, passam a ser consequências do processamento da recuperação:
I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;
II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;
III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.
O inciso III é especialmente relevante, na medida em que pode facilitar a obtenção de empréstimos pelas empresas devedoras. Com a proibição de retenção e penhora dos bens, estes poderão ser utilizados como garantia na obtenção de crédito.
A Lei 14.112/20 incluiu toda uma seção (Seção II-A) destinada às disposições para conciliação e mediação de processos de recuperação judicial. Ali, estabelece-se um incentivo claro e inequívoco a esse tipo de método de resolução consensual do conflito. In verbis:
Art. 20-A. A conciliação e a mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos Tribunais Superiores, e não implicarão a suspensão dos prazos previstos nesta Lei, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial.
Além da previsão de que conciliação seja incentivada a qualquer momento do processo e em qualquer grau de jurisdição, há ainda outras determinações importantes. É o caso, por exemplo, dos limites à competência da conciliação, dispostos no art. 20-B:
§ 2º São vedadas a conciliação e a mediação sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação em assembleia-geral de credores.
A adesão a métodos alternativos de solução de conflitos pode acarretar também na suspensão dos prazos processuais previstos em lei, a qualquer tempo. E, independentemente de qual tenha sido o acordo firmado entre as partes, ele precisará passar por homologação. A nova Lei de Falências é explícita, nesse sentido:
Art. 20-C. O acordo obtido por meio de conciliação ou de mediação com fundamento nesta Seção deverá ser homologado pelo juiz competente conforme o disposto no art. 3º desta Lei.
Saiba mais sobre os processos de mediação e acordo no jurídico corporativo.
A possibilidade de que os credores apresentem um plano próprio de recuperação é uma disposição nova, instituída pela Lei 14.112/20.
Antes desse ordenamento, quando houvesse rejeição do plano apresentado pela empresa durante a Assembleia Geral de Credores, procederia-se à decretação de falência.
Agora, é possível que o administrador judicial abra uma votação para que os credores presentes na assembleia deliberem pela criação de um plano próprio. O prazo para construção e apresentação desse plano é de 30 dias.
De modo geral, portanto, o instituto do plano de recuperação sai fortalecido, com a nova Lei de Falências. Resta claro que esta é uma medida valorizada, e que precisa ser seguida. Exemplo disso é o artigo 6º-A, que limita a distribuição de lucros durante o processo do plano de recuperação:
Art. 6º-A. É vedado ao devedor, até a aprovação do plano de recuperação judicial, distribuir lucros ou dividendos a sócios e acionistas, sujeitando-se o infrator ao disposto no art. 168 desta Lei.
A Lei 14.112/20 altera também a Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002. Pela redação dada em 2020, o Art. 10-A da referida legislação passa a incluir a seguinte hipótese de parcelamento para as dívidas tributárias:
VI – em relação aos débitos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, liquidação de até 30% (trinta por cento) da dívida consolidada no parcelamento com a utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou com outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, hipótese em que o restante poderá ser parcelado em até 84 (oitenta e quatro) parcelas, calculadas de modo a observar os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o saldo da dívida consolidada:
a) da primeira à décima segunda prestação: 0,5% (cinco décimos por cento);
b) da décima terceira à vigésima quarta prestação: 0,6% (seis décimos por cento);
c) da vigésima quinta prestação em diante: percentual correspondente ao saldo remanescente, em até 60 (sessenta) prestações mensais e sucessivas.
A nova redação, portanto, flexibiliza o pagamento desse tipo de dívida, facilitando o processo de recuperação do devedor.
Um dos artigos incluídos pela Lei 14.112/20 estabelece a criminalização da distribuição de lucros e dividendos aos sócios, como vimos anteriormente, por meio do Art. 6º-A. Tal ação não pode ser tomada antes que se aprofe efetivamente o plano de recuperação judicial.
Assim sendo, o ato de distribuir lucros e dividendos passa a configurar crime de fraude contra credores. O artigo 168, por sua vez, traz previsão de pena, conforme segue:
Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Desse modo, é papel do advogado que atende a empresa devedora orientá-la de modo a evitar que ela incorra nesse tipo de crime.
A nova Lei de Falências está materializada no texto da Lei 14.112/20. Ela veio para modificar alguns dispositivos da legislação vigente até então (Lei 11.101/05), ampliando alguns escopos e modernizando o processo de recuperação judicial, com o intuito de torná-lo mais célere.
Na prática, a Lei 14.112/20 traz novas regras no âmbito dos procedimentos e requisitos para pedir e conduzir uma recuperação judicial e extrajudicial de empresários e sociedades empresárias. Ela altera e complementa pelo menos três legislações: as leis 11.101/05, 10.522/02 e 8.929/84.
O texto mais conhecido como “Lei de Falências” é o da Lei 11.101/05. Ali estão dispostas as condições gerais para o pedido de falência e recuperação. Contudo, é preciso lembrar que desde 2021 vigora a Lei 14.112/20, conhecida como nova lei de falências, que atualiza as regras tanto da recuperação judicial quanto da extrajudicial.
A Lei 14.112/20, ou nova Lei de Falências, trouxe algumas novidades e alterou o peso de certos procedimentos. Destaque para a inclusão dos produtores rurais, o incentivo à conciliação e mediação, a possibilidade de apresentação de um plano por parte dos credores, entre outros pontos.
Quer ficar por dentro de tudo sobre Direito Empresarial? Faça seu cadastro e receba as novidades em seu e-mail.
Preencha seus dados abaixo e receba um resumo de meus artigos jurídicos 1 vez por mês em seu email
View Comments
Gostaria de receber informações sobre Direito Empresarial.
Oi, Valéria, tudo bem?
Seu email está cadastrado para receber as novidades do SAJ ADV.
Abraços
Sim desejo receber informações sobre direito comercial. desejo retificar as informações cadastrais e não estou conseguindo.Como fazer
Oi, Nelson, tudo bem?
Pode me informar quais as informações que você deseja alterar? Eu trabalho no SAJ ADV e posso auxiliá-lo.
Abraços
esta erado no blog quando fala das alterações na nova lei de falência esta trocado nova lei por lei antiga!!
Obrigada pelo apontamento, Dr. Roberto!
Realizarei a alteração em breve.
Abraços
Boa noite, gostaria de fazer um cadastro no SAJ ADV e receber materiais de Direito Empresarial. Obg!
Oi, Cristiano, tudo bem?
Seu e-mail já está cadastrado em nossa base para receber os materiais do SAJ ADV. Espero que goste dos conteúdos!
Abraços,
Athena - SAJ ADV
Os efeitos da recuperação judicial sobre contratos em andamento e a nova legislação?