Embora seja uma palavra muito complexa, o litisconsórcio apresenta uma situação simples e comum no cotidiano dos operadores do direito processual: ocorre quando há uma pluralidade de pessoas em um dos polos de um processo.
Portanto, essa prática comum deve ser bem conhecida por advogados e magistrados, que lidam diariamente com essas situações.
Entender como ele funciona é importante para a boa representação do cliente, por parte do advogado, e para garantir segurança jurídica às decisões do juízo.
Este artigo tem como objetivo explicar o que é o litisconsórcio, abordar questões sobre o mesmo no novo Código de Processo Civil (CPC) e resumir seus tipos, divisões e classificações com exemplos. Boa leitura!
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O litisconsórcio é o nome que se dá para a situação onde mais de uma pessoa compartilha um dos polos de um processo, seja esse compartilhamento causado pela igualdade de direitos, de fatos, de obrigações ou de conexão com o pedido da lide.
Trata-se, portanto, de uma situação onde existem mais de três figuras (o juízo, o autor e o réu) dentro de um processo, podendo ter diversas pessoas no polo ativo ou passivo da lide.
A palavra litisconsórcio é uma união do termo em latim litis consortium, onde litis significa lide ou processo e consortium significa associação. Portanto, a palavra, embora seja incomum e estranha ao leigo, representa bem o que a mesma significa na área processual.
O litisconsórcio é consolidado dentro do direito processual com base no princípio da celeridade processual, uma vez que aglutina diferentes pessoas numa mesma lide, tendo essas pessoas relação direta com o pedido e semelhanças de direitos ou de fatos constituintes do litígio.
Dentro de um processo, as pessoas que formam o grupo dentro de um polo específico da demanda são chamadas de litisconsortes.
Os regramentos para a sua formação estão previstas dentro do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), precisamente no Livro III, Título II, dos artigos 113 a 118.
Embora sejam poucos os artigos que abordem a questão, há muito que explorar no assunto, pois possui regramentos diferentes importantes para os operadores do direito, sobretudo os magistrados, que podem emitir sentenças de forma única ou diferenciada para os litisconsortes.
Todo o advogado, por sua vez, trabalha constantemente com situações onde existe agrupamentos dentro da disputa judicial, pois é uma prática relativamente comum dentro do direito processual, uma vez que economiza tempo, desinchando a fila de processos que existem dentro do Judiciário.
O Novo CPC aborda, nesses seis artigos, questões sobre as hipóteses de sua formação, regras gerais sobre seu funcionamento e independência dentro do processo e disposições de como o magistrado pode agir com o litisconsórcio.
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O artigo 113 do Novo CPC define em quais situações o litisconsórcio facultativo pode ser formado dentro de um processo da seguinte forma:
Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II – entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir;
III – ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.”
Com veremos mais adiante no artigo, existem duas principais situações onde existe a formação do litisconsórcio: quando ela é opcional e quando ela é obrigatória.
Uma vez que o litisconsórcio obrigatório é formado a partir da lei ou da relação jurídica dentro da demanda (como visto no primeiro ponto do artigo 113), os demais pontos do artigo 113 possibilitam a formação de litisconsórcio facultativo.
O primeiro ponto levantado pelo artigo 113 do Novo CPC é a comunhão de direitos ou obrigações relativas à lide. Um exemplo de comunhão de obrigações seria a responsabilidade subsidiária de uma empresa que contrata serviços terceirizados de outra.
O segundo ponto levantado pelo artigo 113 é a conexão do pedido ou da causa de pedir entre os litisconsortes.
Um exemplo desse tipo de conexão seria uma situação onde várias pessoas processam uma mesma loja por vender o mesmo produto com defeitos e não aceitar devoluções.
Outro ponto importante da formação de litisconsórcio é que a parte formada pelos litisconsortes pode aproveitar de prazos dobrados para diversas ações apresentadas no Novo CPC.
Entretanto, os prazos processuais apenas serão dobrados quando os litisconsortes forem representados por advogados diferentes, cada um defendendo sua própria causa dentro da lide.
Para ilustrar o litisconsórcio e como ele pode funcionar dentro de um processo que inicialmente não precisaria ter mais participantes (portanto, um caso de litisconsórcio opcional), usaremos um dos casos mais emblemáticos do país: o caso da pílula de farinha.
Em 1998, o Ministério da Saúde determinou a retirada do anticoncepcional Microvlar do mercado nacional. As pílulas anticoncepcionais que estavam circulando e sendo consumidas por milhares de brasileiras eram placebos, feitas com farinha.
O laboratório responsável pela produção, o Schering do Brasil, afirmou na época que 600 cartelas de placebo haviam sido produzidas para que máquinas novas fossem testadas, e que as cartelas haviam sido colocadas à venda por engano.
O resultado desse suposto equívoco foi a gravidez indesejada de milhares de mulheres brasileiras. Muitas delas processaram o laboratório, com motivações diferentes, mas todas baseadas no mesmo fato: as pílulas não tinham o efeito prometido, pois eram feitas de farinha.
Numa situação como essa, onde existem uma diversidade de autores processando a mesma pessoa por motivos iguais (a não eficiência da pílula, que era placebo), é possível a constituição de litisconsórcio.
Assim, o Poder Judiciário não precisaria processar milhares de processos diversos, que possuem a mesma natureza constitutiva dos fatos, embora tenham motivações diferentes (uma gravidez indesejada, a necessidade de controle hormonal, tratamento hormonais…).
Puxando para o artigo 113, esse tipo de litisconsórcio é possível pelo inciso III do mesmo artigo, por se tratar de uma situação onde as litisconsortes compartilham da afinidade das mesmas questões do fato constituinte da demanda.
Como falamos anteriormente, o litisconsórcio pode ser abordado diretamente apenas em seis artigos do Novo CPC, mas é um assunto extenso, com várias aplicações e tipos diferentes.
Além disso, é um assunto de extrema importância para advogados e magistrados, pois ocorre comumente em processos de todos os tipos.
Existem diferentes características e tipos de litisconsórcio. Eles podem ser divididos em relação ao polo do litígio, em relação à sua própria formação durante a marcha processual e em relação à sua obrigatoriedade ou não. Além disso, podem-se ter decisões judiciais diferentes dentro do litisconsórcio.
Todas essas diferenças serão abordadas abaixo, com exemplos para cada uma de suas definições.
O agrupamento de pessoas dentro de uma lide pode ocorrer tanto no lado ativo da demanda (representado pelo autor do processo, na maioria dos casos) ou passivo (representado pelo réu).
Dessa forma, pode-se ter litisconsórcio passivo, onde existem vários réus dentro do processo; ativo, quando vários autores se juntam a partir das disposições II e III do artigo 113; ou até situações de litisconsórcio misto, onde existe pluralidade de partes nos polos passivo e ativo.
O litisconsórcio ativo ocorre quando a concentração de pessoas está no polo ativo da demanda, ou seja, quando existem diversos autores para uma mesma causa.
O exemplo que demos acima de formação de litisconsórcio, utilizando como base o acontecimento de 1998, das pílulas de farinha, pode ser dado também como um exemplo de litisconsórcio no polo ativo, onde as milhares de mulheres que processaram o laboratório (portanto, as autoras dos processos) formam o litisconsórcio.
O litisconsórcio passivo, por sua vez, ocorre quando existe mais de um réu em uma mesma demanda, fazendo com que as pessoas se tornem litisconsortes no polo passivo da lide.
Nesse caso, pode-se dar como exemplo de litisconsórcio no polo passivo a responsabilidade subsidiária de uma empresa sobre os funcionários por ela contratados de forma terceirizada.
Caso um funcionário de uma empresa terceirizada entre com um processo contra a mesma, a empresa contratante do serviço participa do processo com responsabilidade subsidiária.
Ou seja: forma-se um litisconsórcio, dentro do polo passivo do processo, entre a empresa contratante do serviço e a empresa que oferece o serviço terceirizado.
Um processo judicial também pode ocorrer entre grupos de pessoas, com mais de uma pessoa em cada polo da ação. Essa situação de agrupamento é chamada de litisconsórcio misto, onde existe uma pluralidade de partes em ambos os polos.
Podemos usar como exemplo de litisconsórcio misto uma ação conjunta de pessoas que entrem com pedido de usucapião em um edifício abandonado. Por um lado, há os interessados em usufruir o interesse, portanto com a mesma causa. No outro, há os proprietários originais do imóvel.
O litisconsórcio pode ser formado tanto no início do processo quanto no seu decorrer, a partir da necessidade específica de cada demanda.
O litisconsórcio geralmente é formado já no início do processo, com o autor apontando na petição inicial os réus da demanda, que formam litisconsórcio no polo passivo.
Podemos dar como exemplo uma execução judicial de um credor que cobra o pagamento de um bem adquirido em conjunto por um casal, que assinou o contrato em conjunto. Formam, portanto, um litisconsórcio de devedores solidários.
Embora a formação de litisconsórcio seja mais comum desde o início do processo, existem situações onde um dos polos recebe mais pessoas com o decorrer do processo, sendo formado então o agrupamento no recorrer da lide.
Como exemplo de agrupamento ulterior, podemos trazer uma situação onde um credor de uma ação falece e a mesma é continuada por seus herdeiros. Dessa forma, temos o aparecimentos de mais pessoas em um dos polos da ação, tornando-se litisconsortes durante o andamento da disputa judicial.
Como vimos no artigo 113 do Novo CPC, o litisconsórcio pode ser obrigatório dentro da lide, como aponta o inciso I do artigo, ou pode ser opcional das partes e da demanda, conforme apontam os incisos II e III.
Como vimos anteriormente no artigo 113, o inciso I do artigo em questão aponta que haverá litisconsórcio quando houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide entre as pessoas que farão parte do grupo.
Dessa forma, o litisconsórcio é necessário para o andamento do processo, como aponta o artigo 114 do Novo CPC:
Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”.
Como exemplo de litisconsórcio necessário, disposto em lei, está sobre o cônjuge que procura entrar com ação sobre direito imobiliário, conforme aponta o parágrafo 1º do artigo 73 do Novo CPC:
Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I – que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;
II – resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;
III – fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV – que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
O facultativo, por sua vez, não precisa obrigatoriamente ser formado (como o nome já diz). Pode ser formado por partes que, em comum acordo, decidam entrar com a ação juntas, obedecendo os critérios II e III do artigo 113 do Novo CPC.
Voltando ao exemplo das pílulas de farinha, a formação de litisconsórcio era possível para as mulheres lesadas pela ineficiência da pílula, economizando dinheiro e tempo, mas não era obrigatória para a existência do processo.
Quando se trata de decisões judiciais voltadas para a parte que mais de uma pessoa, a decisão do juiz pode ser única para todos os envolvidos, ou separada, tendo diferentes pesos para cada um dos litisconsortes.
O litisconsórcio unitário é aquele onde a decisão do juiz é única para todo o grupo formado. Dessa forma, o mérito é julgado de forma única a todos os envolvidos.
O regramento do litisconsórcio unitário se dá pelo artigo 116 do Novo CPC:
Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes”.
O simples, por outro lado, implica que o juiz apresentará pesos e sentenças diferentes para as pessoas que compõem o grupo, não uniformizando os efeitos da sentença entre os participantes do coletivo, conforme aponta o artigo 117 do Novo CPC:
Art. 117. Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em que os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar.
O parágrafo 1º do art. 113 do Novo CPC também traz a definição do litisconsórcio multitudinário. Segundo o dispositivo, portanto, o juiz poderá limitar o número de litigantes quando for facultativo. Ele está limitado à espécie facultativa, pois, do contrário, estaria se opondo ao próprio preceito da obrigatoriedade da formação quando por determinação legal. A limitação, ainda, poderá se dar na fase de conhecimento, na liquidação da sentença ou mesmo na execução.
É uma medida que visa, desse modo, contribuir para a celeridade processual. Afinal, a excessiva quantidade de integrantes em uma demanda, considerando prazos de citação, intimação e peticionamento, pode comprometer a rápida solução do litígio. Isto, no entanto, não retira a salvaguarda dos direitos das partes. Visa, pelo oposto, assegurar a efetividade da demanda.
Didier [1] fala da espécie, por exemplo, ao dissertar sobre a dificuldade de qualificação da parte ré em demanda possessória relacionada a uma ocupação de terra. Segundo o jurista:
Dada a existência de um número indeterminado, mas determinável, de pessoas no polo passivo, caracterizado está o chamado “litisconsórcio passivo multitudinário”. Justamente porque existe este número indeterminado de pessoas no polo passivo, é tarefa difícil, senão impossível, exigir do demandante a perfeita identificação e qualificação de cada um dos réus, bem assim o conhecimento dos locais onde têm residência ou domicílio.
Ainda, segundo o parágrafo 2º do art. 113, Novo CPC, o prazo será interrompido conforme o procedimento abaixo:
§ 2o O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar.
Para evitar o tumulto dentro de um processo, dificultando a sua resolução, o juízo encarregado pela lide poderá limitar a quantidade de litisconsortes nas fases de conhecimento, liquidação de sentença e execução, caso argumente que a quantidade de pessoas está comprometendo a rápida finalização do processo.
Essa possibilidade é importante para evitar que várias pessoas entrem com demandas e recursos próprios em um processo com pluralidade de partes, assim fazendo com que a marcha processual comum não funcione, podendo fazer com que um processo comum leve uma quantidade de tempo gigante para acabar.
Os parágrafos 1º e 2º do artigo 113 do Novo CPC versam sobre o assunto.
§ 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença.
§ 2º O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar.
É importante a compreensão de que a inclusão ou exclusão de um litisconsorte possui grandes impactos na relação jurídica e na resolução da lide. Afinal, os efeitos decisórios podem ser aplicados de forma uniforme, como vislumbrado. Mas também os interesses e as manifestações das partes devem ser considerados.
E será através de decisão interlocutória que o juízo decidirá acerca da ocorrência, pois, embora possa colocar fim a uma relação jurídica, não encerra o processo. Portanto, a decisão que exclui um litisconsorte ou rejeita o pedido de limitação, na hipótese de litisconsórcio multitudinário, será recorrível através de agravo de instrumento, nos moldes do art. 1.015 do Novo CPC.
O litisconsórcio é o nome que se dá para a situação onde mais de uma pessoa compartilha um dos polos de um processo, seja esse compartilhamento causado pela igualdade de direitos, de fatos, de obrigações ou de conexão com o pedido da lide.
O litisconsórcio ocorre nas hipóteses do artigo 113 do CPC, quando duas ou mais pessoas litiguem, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente:
– e houver, entre elas, comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; ou
– e houver entre as causas conexão pelo pedido ou pela causa de pedir; ou
– e ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.
Os tipos de litisconsórcios podem ser divididos da seguinte forma:
– Em relação ao polo do litígio: litisconsórcio ativo, passivo ou misto.
– Em relação à formação do litisconsórcio: formação inicial ou ulterior.
– Em relação à obrigatoriedade: litisconsórcio necessário ou facultativo.
– Em relação ao caráter da decisão judicial: litisconsórcio unitário ou simples.
Com seis artigos específicos para o seu regramento dentro do Código de Processo Civil, o litisconsórcio é um assunto muito complexo e que precisa da dedicação de advogados e magistrados para a sua total compreensão.
Ao ser aplicado diariamente em diversos tipos de processos, é importante que todos os operadores do direito entendam suas diferenças e como as mesmas podem acarretar em mudanças não só na marcha processual, como em sua própria resolução.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 550.
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Amei, muita boa a explicação. Se é complexo, o autor do artigo tornou simples pois entendi perfeitamente.
EXCELENTE ARTIGO!
Sintético, muito bom para o conhecimento inicial da matéria.
CAR. BEL. DR. THIAGO FACHINI. sou bel.mas não ADVOGO. TAMBÉM PROFº EM TIC na rede PÚBLICA ESTADUAL Á MAIS DE 50 ANOS COM 73 DE IDADE EM ATIVIDADE, E MINHA DUVIDA FOI TIRADA. MEU AGRADECIMENTO. PARABÉNS.