Em 2018, o montante de recursos movimentados pelo mercado de fusões e aquisições chegou a R$ 177,2 bilhões – 28% a mais que no ano anterior, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). São esses números que tornam esse ramo do Direitoo – e, em consequência do papel do advogado empresarial – tão promissor em meio a crises econômicas.
O ramo de fusões e aquisições é alvo de operações bilionárias que vêm apresentando crescimento contínuo há quase uma década. E junto com ele cresce também a necessidade de equipes jurídicas capazes de cuidar das minúcias dos contratos firmados e analisar problemas com eventuais regulamentações defasadas que podem impactar em ofertas públicas, questões de tributação e indústrias de fundos de investimento, por exemplo.
Este post mostra sobre o que se trata o mercado de fusões e aquisições e qual o papel do advogado nessa área do Direito. Além disso, também apresenta 10 dicas valiosas dadas por um dos principais nomes da área no país: o advogado Paulo Cezar Aragão.
Como parte do guarda-chuva do direito societário, a área de fusões e aquisições também é reconhecida pela sua sigla em inglês: M&A, que vem de Mergers & Acquisitions. Embora o nome seja um só, tratam-se, no entanto, de duas operações societárias distintas e autônomas entre si.
A fusão, por exemplo, ocorre quando dois ou mais negócios se unem em um só. A aquisição, por sua vez, é a compra de uma empresa por outra. Ambas, no entanto, são muito frequentes no Brasil.
Um dos maiores nomes do ramo, o advogado Paulo Cezar Aragão, diz que o sucesso do ramo das fusões e aquisições mora especialmente nos detalhes, naquilo que parece mais óbvio. E esse é justamente o ponto onde os profissionais se perdem, já que não costumam compreender exatamente o papel do advogado durante as transações, por exemplo.
Diz ele:
O otimismo deve ficar para quem é empreendedor. Os advogados devem se concentrar em todas as hipóteses que podem surgir pelo caminho e vir a causar algum problema, inclusive as mais pequenas e improváveis. Mas não é ele quem decide, nem nunca será. A opção por correr eventuais riscos, no entanto, é de quem entende de mercado corporativo.
Ao longo de seus mais de 30 anos de profissão, Aragão esteve à frente de algumas das mais complexas operações de fusão e aquisição da América Latina. Atuou, transacionou, na união da Brahma e da Antarctica, na compra da Sadia pela Perdigão, na fusão entre Itaú e Unibanco e na privatização da Telebrás.
Esse extenso currículo consagra Aragão como um dos mais importantes especialistas em Direito Societário do Brasil. Além disso, também foi indicado pelo Chambers Global como um dos 20 maiores advogados de fusões e aquisições do mundo.
Em maio, ele esteve em Florianópolis (SC) para participar do XIV Congresso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde falou sobre o papel do advogado nesse mercado. A um auditório lotado, deixou 10 dicas valiosas – e bem práticas – de como se dar bem na carreira e se destacar perante a concorrência.
Para Aragão, boa parte do segredo que envolve esse ramo do Direito diz respeito a pequenos detalhes muitas vezes desconsiderados pelos advogados do meio. Veja, então, o que ele tem a dizer sobre isso.
É preciso ir muito além das questões jurídicas e saber muito mais que apenas o Direito. O mercado de fusões e aquisições exige conhecimentos técnicos que não se limitam ao jurídico.
Cada operação costuma representar um setor diferente da economia: o elétrico, o de telecomunicações, o de mobilidade, por exemplo. Isso exige do advogado maleabilidade para conhecer um pouco de cada um, suas características e limitações e, especialmente, sua regulação. Só assim, ele poderá ser competitivo e mais assertivo na operação perante os órgãos de controle.
O segredo do direito societário e das fusões e aquisições não está no agora. Não basta apenas se adequar às regras e regulações atuais e em vigência neste momento. Isso também é importante, mas, mais importante do que isso, é também focar no que vai acontecer daqui para a frente.
O advogado não tem que se preocupar com a forma como a Receita Federal pensa hoje. Mas, sim, com a forma como ela vai pensar daqui a alguns anos. A perspectiva e o entendimento dos órgãos reguladores com certas leis vai mudando ao longo do tempo. Então, o que pode ser legal hoje, não vai mais daqui daqui a pouco. E a lei não vai mudar; apenas os órgãos vão entender diferente.
Esse quesito é muito mal compreendido pelos profissionais o Direito. O papel do advogado não é decidir nada do que vai ser feito. Às vezes, as regras e regulações são tantas que as empresas não conseguem cumprir todas para poder continuar funcionando. Então, elas optam por regularizar aquelas que julgam dar menos prejuízos financeiros e judiciais, por exemplo.
Mas quem decide o que é ou não aceitável é o empresário. É ele quem tem visão e conhecimento de mercado. O advogado não sabe nada disso. Está apenas focado nas questões jurídicas, dentre tantas outras que a empresa precisa se preocupar. O papel do advogado, neste caso, então, é expor a situação, os riscos e as consequências. O resto fica nas mãos do empreendedor.
Vá fundo na pesquisa da empresa que deve ser fundida ou adquirida pelo seu cliente. Todas as informações da empresa-alvo devem ser expostas e analisadas. Esse tipo de auditoria se chama due diligence e aumenta as chances de uma escolha acertada.
Para tanto, é preciso se concentrar na atividade exercida, nos aspectos trabalhistas, fiscais e patrimoniais, nas possibilidades e perspectivas para o futuro, no estado dos ativos e dos passos e em questões de registro, licenças e propriedades intelectuais, por exemplo.
Ao fim, todas essas informações ajudam na análise de risco do negócio e na decisão final sobre o fechamento do negócio ou não.
Em geral, o papel do advogado em um caso de fusões e aquisições começa bem antes da operação ser concluída. Ainda na fase de planejamento para tal negócio, a empresa já sente a necessidade de receber orientações jurídicas a respeito de como proceder e também sobre as decisões mais efetivas a serem tomadas.
Por isso, o quanto antes começar, o advogado deve manter tudo em perspectiva. É importante que ele apresente toda a sua cultura jurídica em um único dia. Faça isso ao longo do trabalho Mostre ao cliente um material ou uma orientação por vez, em vez de mostrar repentinamente tudo o que pode dar errado.
Aproveite as reuniões e assembleias para expor, aos poucos, o conhecimento sobre o negócio-alvo, sobre a possibilidade de transação, sobre os problemas que podem existir e quais são as restrições operacionais, por exemplo.
Concentre-se em elaborar contratos preliminares e não apenas o definitivo, de fechamento do negócio. Eles são tão importantes quanto o contrato final. Um exemplo disso é a carta de intenções, que firma o compromisso entre as partes, e o acordo de confidencialidade, que oferece mais segurança aos empresários durante a troca de documentos e informações sigilosas.
Em uma transação de fusões e aquisições, faça questão de não ganhar todas. E eduque o seu cliente para entender isso também: às vezes, abrir mão de certas coisas pode ser mais inteligente do que tentar mostrar que está no domínio da operação.
Lembre-se que, em uma negociação, todo mundo precisa abrir mão de algo. Então, cuidado com as escolhas que fizer. Não se preocupe com as coisas pequenas, com aquilo que não é relevante. Não desvie o olhar do que realmente importa: o objeto do contrato.
Prefira, por exemplo, estar à frente das discussões a respeito do teto da indenização do que, em vez disso, da escolha do Foro a ser eleito para eventuais desacordos jurídicos – que costuma ser feita lá no início dos debates. Tenha em mente que, quanto mais questões pequenas forem feitas de acordo com a sua vontade, mais o advogado se sentirá pressionado para abrir mão de pontos importantes do contrato.
É o mesmo que acontece no Direito de Família, por exemplo. O advogado não deve se concentrar no horário das visitas, mas, sim, no valor da pensão. Não se pode ganhar tudo. Não se pode chegar ao ponto da outra parte dizer que “você foi tão bom com os horários das visitas, então a pensão fica por minha conta”, por exemplo.
Uma boa consultoria de fusões e aquisições também passa pela prática de atendimento que, não necessariamente, está ligada às questões jurídicas.
Por exemplo: não sirva bebida em copos de plástico para um cliente que atua pela preservação do meio ambiente. Ou, então, não sirva Coca Cola para um cliente como a Ambev.
Tratam-se de detalhes que, à primeira vista, parecem irrelevantes. Mas que, ao mesmo tempo, ajudam a construir a imagem do profissional.
Independente se você já está atuando o ramo de fusões e aquisições, ou se está recém começando, a regra é mesma: nunca pare de estudar. Esse é um mercado muito presente no dia a dia social e sempre há alguma nova transação ou um novo precedente sendo divulgados pela imprensa. Ou seja: cada vez que isso acontece, cada vez que uma nova operação é firmada, o direito societário dá um passo para um novo paradigma, um novo entendimento.
Então, procure se informar de todas as formas possíveis:
Em geral, os advogados conhecem os conceitos, mas não sabem o que fazer com eles. Ou, então, enganam-se achando que os dados do contrato, que nem sempre são divulgados, são a única coisa que importa.
Na verdade, a arquitetura da operação é mais relevante que o contrato em si. E isso é mais fácil de ser acessado.
Um contrato de fusões e aquisições não vem com um manual, nem com um DVD explicando o que quer dizer cada cláusula. Então, elas precisam estar claras por si próprias e sem qualquer risco de gerar entendimentos dúbios ou dar brecha para outro tipo de compreensão.
Muitas vezes, por querer transparecer conhecimento, os advogados elaboram contratos difíceis de serem compreendidos e, até mesmo, com cláusulas sem sentido. Não adianta falar difícil nessas horas. O bom contrato é aquele que não dá margem alguma para qualquer outra compreensão senão aquela que quer transparecer. E que também não enseja qualquer medida judicial que transfira eventual decisão ao juiz.
Além disso, não esqueça de revisá-lo ao fim. Esse também é papel do advogado, e dos mais importantes. Tenha em mente que o contrato sempre está errado. Afinal, ele passa por tantas mãos que, na maior parte das vezes, todo mundo acha que alguém olhou, mas, na verdade, ninguém olhou, de fato. Ou, então, acontece o contrário: tanta gente olhou e se sentiu obrigada a fazer alguma interferência que o contrato perdeu o sentido e o seu objeto principal.
Portanto, o contrato sempre precisa de revisão. Ele nunca está ok.
Em fusões e aquisições é assim: a cada problema resolvido, aparecem mais dois. O advogado precisa saber disso. E não pode esquecer disso, portanto.
Então, é importante que tenha sempre por perto uma lista do tipo “coisas a fazer”. Cada transação, de cada negócio, funciona quase como uma agenda de compromissos e tarefas a serem cumpridas. E o advogado não pode esquecer de nenhuma delas, sob pena de colocar o negócio em risco.