Nos últimos textos aqui no blog, nós temos falado bastante sobre o rentável modelo de negócio chamado incorporação imobiliária. Abordamos temas como a importância do registro do conjunto de documentos denominado memorial de incorporação, por exemplo, e também o prazo de validade deste. Contudo, ainda há algo que precisa se melhor explorado: a teoria da afetação do patrimônio.
Acredito ter ficado claro, até aqui, que o ordenamento jurídico se encontra arquitetado para prestar a maior segurança jurídica possível para que o adquirente alcance o seu objetivo. E este se traduz em receber a unidade autônoma que comprou na planta.
Em meus estudos no mercado jurídico imobiliário, me deparei repetidas vezes com afirmações no sentido de que a Lei busca dar respaldo à criatividade dos “players” do mercado imobiliário e também regulamentar a atividade da incorporação imobiliária.
É neste cenário que aparece a teoria da afetação, a qual nada mais é do que a previsão de mecanismos de proteção patrimonial da incorporação afetada.
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O patrimônio de afetação, portanto, é a separação do terreno e acessões objeto de incorporação imobiliária, assim como os bens e direitos vinculados, para a aquisição da incorporação correspondente e a entrega das unidades aos respectivos adquirentes.
Via de regra, o acervo de cada empreendimento do incorporador integra seu patrimônio geral. Desse modo, este conjunto de bens e direitos forma a garantia geral dos seus credores. Isso significa, então, que ele responde por variadas dívidas e, no caso de falência, estas devem compor a massa falida.
Neste sentido, destaca-se que o art. 43 da Lei nº 4.591/64 classifica como privilegiado o crédito dos adquirentes de unidades em construção na falência. Todavia, este privilégio não chega a produzir efeito prático quando consideradas as preferências dos créditos trabalhistas e créditos fiscais, por exemplo.
Além dos compradores das unidades imobiliárias, correm igual risco os financiadores da construção. Isto porque eles veem os seus créditos submetidos ao concurso de credores. E sofrem, inclusive, desprestígio em relação a outros que não contribuíram diretamente para a execução da obra.
Por esta razão, o chamado patrimônio de afetação apresenta-se como uma solução viável para a mitigação dos pontos de tensão mencionados acima.
Isso porque, conforme extrai-se da obra “Da Incorporação Imobiliári”a, do professor Melhim Namem Chalub (2005), um dos idealizadores da referida teoria:
O acervo patrimonial que compõe uma incorporação imobiliária – terreno, acessões, receitas provenientes das vendas, obrigações vinculadas ao negócio, bem como os respectivos encargos fiscais, trabalhistas e previdenciários etc. – é suscetível de afetação, pela qual esse conjunto de direitos e obrigações fique segregado, tendo a exclusiva finalidade de conclusão da obra e entrega das unidades aos adquirentes.
Convém esclarecer que a afetação não tem por objetivo promover a interferência no direito do incorporador de desenvolver a incorporação. Na verdade, ela busca condicionar o exercício dos direitos deste, ao passo que o vincula ao cumprimento da função econômica e social do empreendimento afetado.
Por assim dizer, o patrimônio de afetação é capaz de blindar a incorporação constituída nestes moldes, dos possíveis insucessos de outros negócios empreendidos pela incorporadora.
Neste sentido, tem-se como resultado a vinculação dos recebíveis quitados pelos adquirentes à realização daquele empreendimento. Entretanto, é proibido, nos limites previstos na Lei, eventuais desvios desses recursos.
Em relação à quantia vinculada, ela compreende:
Na legislação que trata da incorporação imobiliária (Lei nº 4.591/64), o patrimônio de afetação está disposto entre os artigos 31-A e 31-F.
Além disso, a incomunicabilidade dos bens está prevista logo no parágrafo primeiro do mencionado artigo 31-A veja-se:
Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
§ 1o O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)” (grifou-se)
A par disso, segundo Melhim, “vale dizer: o patrimônio de afetação não é um patrimônio dissociado do patrimônio geral do sujeito, mas permanece a ele articulado, nele operando destacadamente, e esse destaque é feito para que tal acervo possa cumprir determinada função, daí porque se fala que sua autonomia é funcional, não plena”.
Neste aspecto, externa-se que o empreendimento submetido ao regime de afetação possui uma contabilidade e conta bancária próprias. Dessa forma, o seu controle é realizado periodicamente através de demonstrações do andamento da obra comparadas ao respectivo planejamento financeiro.
A respeito da constituição do patrimônio de afetação, convém esclarecer que este, a despeito de toda a segurança que oferece ao atenuar boa parte dos riscos patrimoniais, configura-se tão somente como uma faculdade do incorporador que pode optar pelo gravame a qualquer tempo durante a consecução do empreendimento, nos termos constantes no artigo 31-B da Lei nº 4.591/64, abaixo:
Art. 31-B. Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
Parágrafo único. A averbação não será obstada pela existência de ônus reais que tenham sido constituídos sobre o imóvel objeto da incorporação para garantia do pagamento do preço de sua aquisição ou do cumprimento de obrigação de construir o empreendimento. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
Por outro lado, “uma vez extinto o patrimônio de afetação, o montante do resultado desse negócio é absorvido pelo patrimônio geral do incorporador; assim, caso o produto da venda das unidades de determinada incorporação não seja suficiente para levá-la a cabo, o incorporador terá que extrair recursos do seu patrimônio geral e destiná-los à conclusão da incorporação e, de outra parte, caso haja resultado positivo na incorporação, este será levado para o patrimônio geral, passando a compor o lucro que há de se refletir no lucro tributável da empresa incorporadora.” (Melhim, 2005)
Sobre as formas de extinção do regime de afetação, dispõe o artigo 31-E da Lei nº 4.591/64:
Art. 31-E. O patrimônio de afetação extinguir-se-á pela: (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
I – averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
II – revogação em razão de denúncia da incorporação, depois de restituídas aos adquirentes as quantias por eles pagas (art. 36), ou de outras hipóteses previstas em lei; e (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
III – liquidação deliberada pela assembleia geral nos termos do art. 31-F, § 1o. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
Ainda, retomando a questão da falência da empresa incorporadora, caso ela ocorra, não atingirá a incorporação afetada, para fins de concurso de credores, uma vez que os créditos a ela vinculados, não serão habilitados no juízo da falência, devendo ser cumpridos com as receitas da incorporação, a qual passará a ser administrada pela comissão de representantes dos adquirentes, com autonomia em relação ao procedimento falimentar, cabendo a ela decidir pela conclusão da obra ou liquidação do patrimônio de afetação.
É assim que determina o artigo 31-F da Lei de Incorporação Imobiliária e Condomínio Edilício:
Art. 31-F. Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
O assunto é complexo de modo que sua compreensão demanda um estudo da série de desdobramentos ocasionados pelo exercício desta faculdade do incorporador. Entretanto, o intuito desta abordagem inicial foi apresentar um panorama geral da matéria e sobretudo a vantagem, representada pela organização e segurança, que ela traz aos envolvidos.
Espero ter alcançado o objetivo. Até a próxima.
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Boa tarde.
Estou precisando saber mais sobre patrimonio de afetação e consequente regime tributário especial RET - uma empresa cliente minha (incorporadora) pretende iniciar uma nova obra através deste regime.
Gostaria de informações e orçamento para tais consultorias.
Olá, Antonio! Tudo bem?
Não prestamos serviços de consultoria, mas você pode encontrar profissionais qualificados no nosso Diretório de Advogados: https://app.projuris.com.br/app/diretorio
Abraço!
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