A raiz do termo “pejotização” já indica do que estamos falando: a contratação de trabalhadores não mais como pessoas físicas, mas sim como pessoas jurídicas – os chamados “PJs”. O neologismo é a síntese de um movimento que se intensificou nos últimos anos, e que ainda gera dúvidas em muitos profissionais do Direito.
Pejotizar é seguro? É vantajoso? Se sim, vantajoso para quem? Traz que tipos de riscos? Enfim, a pejotização vale a pena?
Este artigo traz um guia completo sobre o tema, compilando informações para que você entenda como a legislação brasileira e os tribunais tem tratado essa modalidade de contratação. Explora, ainda, como advogados trabalhistas, advogados corporativos e trabalhadores podem navegar por este terreno complexo.
Além da síntese de vantagens e riscos dessa prática, ao final deste conteúdo você também enconta exemplos de jurisprudência e o entendimento atual do STF sobre a pejotização. Pronto(a) para começar? Então, antes de mais nada, vamos entender de uma vez por todos o que caracteriza pejotização.
A pejotização é o fenômeno da contratação de trabalhadores que atuam de modo similar a pessoas físicas, apesar de serem contratados como pessoa jurídica (PJ). Para tal, esses trabalhadores precisam abrir uma empresa, registrada no Cadastrado Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Quando contratados como PJ, eles deixam de ter os direitos e deveres previstos na CLT, e o amparo legal dessa legislação. Por outro lado, aproveitam também uma relativa redução da carga tributária.
No documento “O fenômeno da Pejotização e a movimentação tributária”, da Receita Federal, encontramos o seguinte conceito de pejotização, que pode ser útil:
[…] o empregador exige do empregado, fornecedor da mão-de-obra, a constituição de uma empresa. Essa forma artificial de adquirir os serviços, especialmente os de profissões regulamentadas, resulta na descaracterização da relação de emprego e na contratação da pessoa jurídica em substituição ao contrato de trabalho.
Tal conceituação data de 2016, mas o movimento de pejotização tornou-se especialmente comum nos anos seguintes, a partir da aprovação da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17). Importante lembrar que relação de trabalho e relação de emprego não são sinônimos. A pejotização busca criar uma relação de trabalho, sem o vínculo empregatício.
Embora não existam números exatos, em 2021 havia 13,2 milhões de MEIs ativos no Brasil, o que representaria 70% dos CNPJs do país. Quatro anos antes, em 2017, segundo dados do SEBRAE, o número de pessoas que já tinha sido MEI era de 9,5 milhões. Evidentemente, nem todo Microempreendedor Individual (MEI) vai manter uma relação de trabalho pejotizada. Mas, parte deles “abre um MEI” – isto é, realiza cadastro como microempredendor – com a finalidade de prestar serviços na onda de pejotizações.
A pejotização enquanto burla à legislação trabalhista é caracterizada por envolver um contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas, que acaba por maquiar uma relação de emprego. Por isso, entende-se que há pejotização quando se materializam, simultaneamente, as seguintes características de vínculo empregatício:
Para descaracterizar a pejotização, o primeiro ponto é: não incidir nos 4 elementos do vínculo empregatício. Isto é, a relação entre contratante e contratado não pode conter, simultaneamente, aspectos de pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação.
Quando há essas 4 características simultaneamente na relação de prestação de serviço entre duas pessoas jurídicas, é possível que os tribunais entendam que houve uma tentativa de fraude para fugir à so vínculo empregatício celetista. Por isso, garanta que seu contrato não pareça uma simulação, feita apenas para burlar as regras.
Outro aspecto que precisa ser considerado é o tempo do contrato de prestação de serviços com a pessoa jurídica. Via de regra, a recomendação dos especialistas é evitar contratos longos, ou por tempo indeterminado. Melhor é fazer contratos por períodos menores, com previsão de renovação por igual período, por exemplo.
Por fim, para descaracterizar a pejotização, sua empresa também pode ir por um caminho alternativo. Qual? Garantir que esteja caracterizada a terceirização ou o trabalho autônomo. Essas formas são regulamentadas de forma distinta, e podem dar mais segurança jurídica à operação.
Por fim, é importante lembrar que a recontratação de um trabalhador CLT como PJ, por si só, pode dar aspectos de fraude ou simulação ao contrato entre pessoas jurídicas. Por isso, fique atento aos prazos para fazer essa recontratação. Separamos um tópico específico neste artigo, para falar disso. Siga com a leitura!
Contratos mais flexíveis, às margens da legislação trabalhista, não são uma novidade no Brasil. Desde a década de 1990, pelo menos, se popularizaram formas de contratação “novas” ou alternativas ao regramento vigente na CLT. São contratos de prestação de serviço, mas também de empreitada, de cooperativa, de terceirização, e assim por diante.
Para o pesquisador em Economia, José Dari Krein, a pejotização se insere nesse contexto:
O avanço da contratação por PJ reflete as mudanças mais substantivas ocorridas na sociedade e o estreitamento do leque de opções presente no mercado de trabalho nos anos 90 […].Alguns segmentos de trabalhadores viram nela uma possibilidade de obter um maior rendimento no curto prazo, ao assegurar um certo repasse da redução de custos proporcionada por essa modalidade de contratação.
Modelos de trabalho que previam a contratação de pessoa jurídica já existiam antes da Reforma Trabalhista de 2017. Inclusive, com previsão expressa no ordenamento jurídico, pela Lei 11.196/2005 (art. 129), que permitiu a contratação de profissionais liberais em regime de pessoa jurídica, para a prestação de serviços intelectuais.
O termo “pejotização”, inclusive, aparece nas decisões dos tribunais antes de 2017. Por exemplo, em 2011, no julgamento do Recurso Ordinário n. 0001706-18.2010.5.03.0112, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, temos:
EMPRESA CONSTITUÍDA PARA FRAUDAR A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA – RELAÇÃO DE EMPREGO CONFIGURADA – FENÔMENO DA PEJOTIZAÇÃO. A pejotização é o fenômeno pelo qual a
criação de pessoas jurídicas é fomentada pelo tomador de serviços com o propósito de se esquivar das obrigações e encargos trabalhistas. Contudo, vigora no Direito do Trabalho o princípio da irrenunciabilidade, mediante o qual não é permitido às partes, ainda que por vontade própria, renunciar aos direitos trabalhistas inerentes à relação de emprego existente.
Afinal, o que foi alterado com a entrada em vigor da Lei 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista? Esse dispositivo legal alterou uma série de arigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), permitindo flexibilizações até então não regulamentadas. A mais significativa, em se tratando de pejotização, é a permissão para flexibilizar atividades-fim: passou a ser lícito contratar fora do regime CLT, até mesmo para o que é o objeto social, ou core, da empresa.
Significa dizer que, antes da Reforma Trabalhista, o contrato de prestação de serviços com um PJ para realizar as atividades-fim de uma empresa seria facilmente reconhecido como pejotização. Logo, era pouco prudente contratar pessoas jurídicas para executar o core do negócio.
Depois da Reforma, a contratação de PJ para realizar atividade-fim não será um problema a priori. Se esse profissional PJ mantiver com a empresa contratante uma relação com onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, então, sim, os riscos de reconhecimento de vínculo empregatício estarão presentes.
Tanto no trabalho terceirizado quanto no trabalho como PJ, a empresa contratante firma relação com uma pessoa jurídica. A diferença é que o trabalho terceirizado é regido pela CLT e a empresa contratada, neste caso, é uma agência terceirizadora habilitada. Diferente, portanto, da pejotização, em que qualquer CNPJ é contratado.
Para relembrar: o trabalho terceirizado consiste na contratação de uma empresa ou agência terceirizadora, que fornecerá trabalhadores para a empresa contratante. Esses trabalhadores terão seu vínculo, portanto, com a terceirizadora. Além disso, a relação de trabalhadora entre empregadora e terceirizadora será regida pela CLT.
Desde a aprovação da Lei 13.429/2017, conhecida também como Lei da Terceirização, é possível contratar funcionários terceirizados até mesmo para a execução das atividades-fim da empresa. Assim, embora seja comum encontrar regimes de terceirização em atividades secundárias, como limpeza e manutençaõ predial, ou segurança do patrimônio, não há restrição legal a esse tipo de contratação também para o core do negócio.
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Antes de mais nada, é importante lembrar que pejotização e terceirização do trabalho são fenômenos distintos, e por isso podem ser entendidos de diferente pelos tribunais.
Em se tratando de pejotização – isto é, da firma de um contrato de prestação de serviço com um trabalhador individual, que abre um CNPJ para prestar tal serviço, em substituição a um contrato laboral – há jurisprudência nas instâncias primárias admitindo o reconhecimento das características de vínculo empregatício. À título de exemplo:
RECURSO ORDINÁRIO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. “PEJOTIZAÇÃO”. Para caracterização do vínculo empregatício mister a presença, em conjunto, dos cinco elementos fáticojurídicos, nos termos dos artigos 2º e 3º, ambos da CLT. Uma vez admitida a prestação de serviços, ainda que sob rotulação jurídica diversa, cabe à reclamada o ônus de demonstrar os fatos modificativos e/ou impeditivos da relação empregatícia. Não comprovadas as alegações por esta, é patente ilicitude da contratação da demandante por meio de pessoa jurídica, tratandose, pois, de caso de ‘pejotização’. Incólume, pois, o reconhecimento do vínculo empregatício com a ré, como deferido na decisão recorrida” (TRT-26710007950320205020003 SP, Relator: MOISES DOS SANTOS HEITOR, 1.ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 23/06/2021)
Porém, tal reconhecimento de vínculo e, especialmente, o entendimento da pejotização como fraude, não é pacificada nos tribunais superiores. Vejamos o que tem decidido o STF, sobre o tema.
Para começar, é importante entender que o Superior Tribunal Federal reconhece a licitude da terceirização do trabalho. É o que vemos no Tema 725 de Repercussão Geral, ainda em discussão, para o contexto de contratação de mão-de-obra terceirizada para prestação de serviços relacionados com a atividade-fim da empresa tomadora de serviços:
Tema 725/STF – Tese:
É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
No mesmo sentido, já havia a ADPF 324, em que o STF decidiu:
Decisão: O Tribunal, no mérito, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente o pedido e firmou a seguinte tese: 1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Nesta assentada, o Relator esclareceu que a presente decisão não afeta automaticamente os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 30.8.2018. ADPF 324-DF. Ministro Relator Luís Roberto Barroso. NÚMERO ÚNICO: 9997591-98.2014.1.00.0000
Mais amplamente, portanto, é possível dizer que o STF reconhece outras modalidades de contratação, que não a celetista. Nesse sentido, um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) lançado no final de 2023 mostrou que esse entendimento do Superior Tribunal Federal já influencia decisões em primeira instância. No geral, os pesquisadores pontuam:
“Em relação à terceirização ou pejotização, destacamos que 26% das decisões permitiram a terceirização de atividade-fim, 21% permitiram a pejotização e 1% autorizou a terceirização de atividade-meio. As demais decisões negaram seguimento por motivos formais. Novamente, dentre os motivos formais, destacou-se a ausência de aderência do que está sendo discutido com o parâmetro invocado.” Terceirização e pejotização no STF: análise das reclamações constitucionais. São Paulo: Fundação Getulio Vargas, 2023. Página 14.
Não há consenso se a ADPF 324-DF se aplica também ao contexto da pejotização. Vale relembrar, a decisão dessa ADPF entende como lícita a terceirização de qualquer atividade meio ou fim, quando não houver configuração de relação de emprego entre as partes. Ainda segundo pesquisa da FGV, há decisões heterogêneas nesse sentido.
Vide, primeiramente, o Agravo Regimental na Reclamação(Rcl) 57917- SP, cujo relator foi o Ministro Edson Fachin. Ali, tem-se o afastamento do paradigma de vinculação entre a decisão proferida na ADPF 324 e o fenômeno da pejorização.
“[….] É certo que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADPF 324, sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, DJe 9.9.2019, declarou a licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim. […] As provas dos autos – depoimentos das testemunhas ouvidas, tanto do reclamante, como da reclamada (prova emprestada de Id. 39f7f0e -Pág. 2 e audiência de Id. 56a6623) – demonstram que na prática a reclamada contratou o reclamante sob uma simulada relação contratual civil, o que deve ser afastada diante da previsão contida no artigo 9º, da CLT. […] Sendo esses os fundamentos do acórdão reclamado, constata-se a ausência de similitude entre a matéria nele debatida e aquela objeto do paradigma invocado. Na espécie, a decisão pelo reconhecimento do vínculo da obreira diretamente com a contratante, ao contrário do que sustentado pela parte reclamante, não se deu com fundamento na ilegalidade da terceirização da atividade meio ou fim da contratante, mas diante da comprovação da constituição de pessoa jurídica como o escopo de fraudar a legislação trabalhista, bem como da presença dos requisitos reveladores da existência da relação de emprego, nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT. Tal situação não foi objeto de debate quando do julgamento da ADPF 324. Ademais, nos julgamentos dos paradigmas, rechaçou-se a presunção da fraude pela terceirização, mas se anotou que o seu “exercício abusivo” pode violar a dignidade do trabalhador, de modo que cabe, assim, à Justiça Trabalhista, diante da primazia da realidade, reconhecer os elementos fáticos que denotam a relação de emprego. E não cabe a alteração desses pressupostos fáticos pela via da Reclamação. In casu, não há falar em garantia da decisão proferida na ADPF 324, na medida em que a argumentação do ato reclamado não guarda com ela a necessária pertinência temática. AG .REG. NA RECLAMAÇÃO 57.917 SÃO PAULO. Ministro Edison Fachin. Segunda Turma. 05/06/2023
Por outro lado, temos na Reclamação 61.115, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, uma decisão que invoca a aplicabilidade da ADPF 324 – e de outras decisões em mesmo sentido – ao fenômeno da pejotização. Como segue:
“De acordo com a tese fixada por esta Corte no julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252, a essencialidade da atividade prestada em favor da empresa não tem o condão de descaracterizar a natureza da relação jurídica que foi estabelecida, fruto de livre manifestação de vontade das partes, especialmente dotadas de inegável HIPERSSUFICIÊNCIA, como no caso do processo principal (RT). Deste modo, a médica – profissional liberal – e o Hospital aqui Reclamante podiam contratar, a despeito da essencialidade das atividades que aquela desenvolva, por qualquer meio lícito, sem que disso resulte fraude, pois as relações de trabalho não estão assentadas, necessariamente, sobre um único modelo rígido, podendo as partes decidirem a melhor forma de se auto-organizar. […] A despeito desta clara diretriz, os Tribunais Trabalhistas insistem em impingir a pecha de ilícita qualquer relação de trabalho que não seja estruturada sob o manto da relação empregatício, ainda mais quando as atividades desenvolvidas pelo prestador se inserem no objetivo final do tomador, o que resulta, em última análise, em afronta à autoridade do que foi decidido na ADPF 324, ADC 48, ADI´S 3991 e 5625 e no RE 958.252 a respeito da licitude da terceirização de atividade-fim, sendo a chamada ‘pejotização’ (contratação de profissionais por meio de pessoas jurídicas por eles constituídas), uma das formas de terceirizar a prestação de determinada atividade do tomador. […] Por oportuno, vale salientar que em caso análogo, também envolvendo discussão sobre ilicitude na terceirização por pejotização, a 1ª Turma já decidiu na mesma direção, de maneira que não há falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante […]. RECLAMAÇÃO 61.115 BAHIA. Relator Ministro Alexandre de Moraes. Primeira Turma. 12/09/2023
O que o STF decide não é divergente porque ele posiciona a evolução da jurisprudência, dao que antes da reforma trabalhista as atividades-fim das empresas não poderiam ser subcontratadas. E, agora, a partir da Reforma, o STF tende a manter o posicionamento de que podem ser subcontratadas, desde que não presentes os requisitos de vínculo empregatício previstos na CLT.
A pejotização é crime quando fica comprovado que, apesar do contrato envolvendo pessoa-jurídica (PJ), a relação entre contratante e contratado segue guiada pelos princípios da pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação. Nesse sentido, ela pode ser enquadrada no artigo 203 do Código Penal, como crime de fraude à legislação trabalhista:
Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
- Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)
Há diversos exemplos da pejotização sendo entendida como uma fraude à legislação trabalhista, na jurisprudência, principalmente na primeira instância. Por exemplo:
VÍNCULO DE EMPREGO. PEJOTIZAÇÃO. FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. O fenômeno da “pejotização” consiste na constituição de pessoa jurídica com o escopo de mascarar verdadeira relação de emprego, em nítida fraude à legislação trabalhista (art. 9º da CLT), com a supressão de direitos constitucionalmente assegurados (art. 7º, CRFB), e violação dos princípios da dignidade humana (art. 1º, III, CRFB) e da valorização do trabalho (art. 170 e 193, CRFB). Sendo assim, comprovado nos autos que o autor foi empregado do réu, impõe-se o reconhecimento da fraude perpetrada pelo demandado e a formação do vínculo de emprego. Recurso Ordinário n. 00109485820155010022-RJ, Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região
Muitas empresas, nos anos recentes, tem optado por demitir trabalhadores celetistas, e recontráta-los como Pessoa Jurídica (PJ) na sequência, visando reduzir os encargos associados ao vínculo pela CLT. No entanto, a partir da Reforma Trabalhista, se a recontratação como PJ acontecer menos de 18 meses após a demissão, a empresa pode ser responsabilizada.
Na prática, a Reforma Trabalhista alterou a Lei 6019/74 (que dispõe sobre o trabalho temporário), incluindo os seguintes trechos:
“Art. 5º -C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4º -A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.
“Art. 5º -D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.”
Embora o Art. 5º D da Lei 6019/1974 venha a tratar especificamente da recontratação por meio terceirização, em muitos tribunais esse entendimento tem sido estendido também para a pejotização.
Mas, quais as sanções para a empresa que demite o trabalhador CLT e recontratá-o como PJ? É sobre isso que falaremos na próxima seção. Por ora, basta saber que esse trabalhador pode requerer, por via judicial, o reconhecimento do vínculo empregatício.
Embora a pejotização seja um movimento adotado com a finalidade de obter vantagens fiscais e tributárias, ela também pode acabar trazendo riscos e insegurança jurídica nesses dois âmbitos. Além, claro, de potencializar penalizações na esfera criminal ás empresas que contratam trabalhadores em regime PJ.
Abaixo, sintetizamos os 3 riscos mais comuns associados a pejotização.
O risco mais comum e conhecido pelas empresas que praticam a pejotização é o aumento do contencioso trabalhista. A depender de como os contratos de prestação de serviços são firmados com os trabalhadores PJ, é comum que haja pedido de reconhecimento de vínculo pela via judicial.
Esse tipo de ação traz uma série de ônus para a empresa contratante, principalmente no aspecto econcômico:
Embora, num primeiro momento, a substituição da mão de obra celetista por prestadores de serviço pejotizados possa representar uma economia significativa para as empresas, há longo prazo o movimento pode não se justificar. Isso porque as organizações podem vir a ser condenadas por fraude trabalhista, o que acarretará em multas.
O Código Penal não traz um valor ou alíquota pré-determinada para a definição da multa, mas é comum que ela seja multiplicada pelo número de trabalhadores que a empresa contratante mantinha em condição de pejotização.
Empresas que mantém parte de sua força de trabalho por meio de contratos com pessoa jurídica – ao invés de contratos de trabalho com pessoas naturais – acabam por se colocar em uma situação de relativa insegurança jurídica. Isso porque, embora a Reforma Trabalhista tenha permitido a terceirização até mesmo das atividades-fim da empresa, a pejotização não é matéria pacíficada – e ainda pode configurar um tipo de fraude.
A prática também pode prejudicar as políticas de compliance trabalhista da organização. Afinal, o objetivo último dessa área do compliance é mitigar riscos associados a legislação trabalhista, preservando a imagem da empresa, a cultura de trabalho e, claro, reduzindo eventuais sanções e penalizações.
As pessoas físicas que constituem uma sociedade simples para atuarem como empregatos pejotizados perdem, antes de mais nada, todos os direitos trabalhistas e previdenciários conferidos pela legislação vigente.
Significa dizer que eles abdicam de proteção, por exemplo, em situações de acidente ou doença ocupacional. Mas, para além, deixam de ter acesso a férias regulamentadas, 13º salário, recolhimento de FGTS, seguro-desemprego, entre outros benefícios e direitos.
Uma segunda camada de riscos é aquela associada às proteções garantidas por entidades de representação de classe, como os sindicatos. Ao deixar o regime de trabalho CLT, o contratado não será coberto por convenções coletivas de trabalho, negociações salárias, de benefícios ou dissídio. A negociação passa a ser sumariamente individual – entre a empresa contratante e o CNPJ do trabalhador pejotizado -, sem interferência de entidades representativas.
Por fim, o terceiro ponto de risco para empregados em regime de pessoa jurídica é a ausência de proteção social em caso de encerramento de contrato. Como mostramos em nosso guia sobre rescisão de contrato de trabalho, há uma série de regras para o encerramento do vínculo trabalhista regido pela CLT.
No caso da pejotização, no entanto, o CNPJ contratado como prestador de serviços pode ser desligado a qualquer momento. No geral, não há aviso prévio, verbas rescisórias ou qualque outra garantia. A facilidade em encerrar o vínculo pode ser uma vantagem para a empresa contratante, mas coloca o contratado em situação de instabilidade.
Se, na contração de pessoas jurídicas (pejotização) forem provadas características de vínculo empregatício, como pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação, é possível que a pejotização seja enquadrada como crime. Trata-se de fraude à legislação trabalhista, prevista no Código Penal (Art. 203).
O trabalho terceirizado está regulamentado pela Lei da Terceirização e pressupõe uma relação triangular entre empresa contratante, agência terceirizadora e trabalhador terceirizado. O vínculo empregatício, neste caso, é entre a agência e o trabalhador. A pejotização, por outro lado, não está formalmente regida por numa lei específica. Nela, a relação é dual e o objetivo último é descaracterizar o vínculo empregatício.
O profissional contratado como PJ não goza do afastamento remunerado por motivos de saúde, como previsto na CLT. O contratante (patrão) não tem nenhuma responsabilidade por seguir remunerando o PJ, a não ser que isso tenha sido previamente acordado. Se você é pessoa jurídica do tipo MEI e contribui há pelo menos 1 ano, a alternativa é solicitar afastamento junto ao app Meu INSS. O afastamento só é válido quando há atestado de mais de 15 dias e o auxílio recebido é de um salário mínimo.
Diferentemente dos trabalhadores contratados com carteira assinada, o trabalhador PJ (pessoa jurídica) não tem direito às verbas rescisórias, como férias proporcional, 13º e outros benefícios. A dispensa – ou encerramento do contrato de prestação de serviços -, nestes casos, não dá direitos ao trabalhador, mesmo que tenha sem justa-causa.
Quando o empregador, que contratou o trabalhador como PJ, não cumpre com o pagamento previsto em contrato, ele estará incorrendo em quebra contratual. Tendo como provar que o serviço foi prestado, o trabalhador PJ pode começar enviando uma notificação extrajudicial de cobrança. Se está não surtir efeito, pode ser o caso de acionar o inadimplente na Justiça.
A pejotização é uma alternativa escolhida por muitas empresas empregadoras, no intuito de reduzir o ônus da carga tributária e trabalhista. Porém, como vimos, também pode trazer alguns riscos. Os mais comuns estão associados ao aumento da judicialização, com pedidos de reconhecimento do vínculo empregatício e pagamento de verbas rescisórias. Por isso, é importante pese ônus e bônus, antes de tomar a decisão por pejotizar.
KREIN, José Dari. Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990-2005. 2007. Tese de Doutorado.
FEDERAL, RECEITA. O fenômeno da pejotização e a motivação tributária. Brasília: abril, 2016.
PASQUALETO, Olívia de Quintana Figueiredo; BARBOSA, Ana Laura Pereira; FIOROTTO, Laura Arruda. Terceirização e pejotização no STF: análise das reclamações constitucionais. São Paulo: Fundação Getulio Vargas, 2023.
REMEDIO, José Antonio; DONÁ, Selma. A pejotização do contrato de trabalho e a reforma trabalhista. Revista de Direito do Trabalho e Meio Ambiente do Trabalho, v. 4, n. 2, p. 61-79, 2018.
SILVA, João Francisco da. A pejotização e a jurisprudência dos Tribunais. 2023. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2023.
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