A pensão alimentícia devida aos filhos menores de idade não envolve apenas o dever de pagar alimentação, mas também, uma série de itens que são imprescindíveis para o desenvolvimento completo e saudável da criança, como saúde, educação e lazer. O valor estabelecido, portanto, deve considerar os elementos imprescindíveis à persecução de uma vida digna, em conformidade com a Constituição Federal. No entanto, os valores não são fixados legalmente, o que abre margem para uma flexibilidade em conformidade às circunstância daquele que detém o dever de pagar.
A obrigação de alimentos integra o poder familiar. Todavia, extrapola também o núcleo da família. O art. 6º da CF prevê que são direitos sociais: “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados“. Nesse sentido, ainda que os alimentos tenham sua origem atribuída às relações familiares, possuem, ainda, importância social.
Em se tratando de infantes, a importância social dessas medidas é ainda maior. Afinal, ainda não possuem meios de manutenção da sua sobrevivência. Assim sendo, dada a essencialidade do instituto, o dever de contribuir para a sobrevivência do indivíduo através da pensão alimentícia é estendido para além do organismo familiar. Envolve, além disso, outros parentes e questões de multiparentalidade.
Entretanto, persiste a discussão no que tange ao valor da pensão alimentícia. Fato é que inexiste lei que determine uma porcentagem exata sobre os rendimentos. Dessa maneira, verifica-se debate na doutrina e na jurisprudência brasileiras.
Apesar das jurisprudências terem fixado a baliza de 30% (trinta por cento) dos rendimentos, o valor fixado deve ser equilibrado. Do mesmo modo, deve atender ao binômio necessidade-possibilidade.
É o exemplo da decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal em Agravo de Instrumento julgado em 2018:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. PENSÃO ALIMENTÍCIA. FIXAÇÃO PROVISÓRIA. SALÁRIO MÍNIMO. REDUÇÃO. SALÁRIO DO AGRAVANTE. COMPROVADO. FIXAÇÃO DE 30% DO SALÁRIO DO ALIMENTANTE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.
- Para a fixação do valor de alimentos, deve ser observada tanto a necessidade do alimentando quanto a possibilidade financeira do alimentante.
- Os alimentos devem ser fixados observando-se o binômio necessidade e possibilidade, mantendo-se a harmonia entre alimentando e alimentante. Ademais, podem ser alterados sempre que sobrevier mudança na situação do alimentante ou do alimentando.
- No caso dos autos, restou comprovado o salário auferido pelo alimentante, sendo necessária a redução dos alimentos provisórios para que estes não comprometam praticamente toda renda auferida pelo genitor.
- Recurso conhecido e parcialmente provido. Decisão reformada.
(TJ-DF 07175422820178070000 – Segredo de Justiça 0717542-28.2017.8.07.0000, Relator ROMULO DE ARAUJO MENDES, Data de Julgamento: 01/08/2018, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 09/08/2018)
O binômio necessidade-possibilidade estabelece parâmetros para a pensão alimentícia diante da ausência de fixação legal. O primeiro se refere, portanto, ao alimentando, aquele que recebe a pensão, e o quanto necessita por uma vida digna. Enquanto isso, o segundo trata-se do alimentante, aquele que deverá arcar com o ônus alimentício dentro de sua condição financeira.
Assim, não se trata de uma regra matemática, mas de um exame minucioso a ser realizado pelo Juiz de Direito para a fixação da pensão alimentícia, considerando as peculiaridades de cada caso. Nesse sentido dispõe o artigo 1.694, § 1º, do Código Civil:
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada
Assim também, o doutrinador Flavio Tartuce escreve acerca do tema:
O conteúdo dos alimentos visa, primeiramente, a manter o estado anterior (status quo), o que inclui, pelo sentido textual do dispositivo, a educação. Todavia, deve-se ter em mente que o pagamento dos alimentos deve ser analisado de acordo com o contexto social, não se admitindo exageros na sua fixação [1].
Após fixada a pensão alimentícia em sentença, vale aqui fazer uma ressalva. Vejamos, então, o que o artigo 15 da Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos) preconiza:
Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados
Para corroborar com esse entendimento, o artigo 505 do Novo CPC assim dispõe, in verbis:
Art. 505 Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:
- se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
- nos demais casos prescritos em lei.
Diante da necessidade de adequação da pensão alimentícia à situação sócio-econômica dos envolvidos, considera-se que não transita em julgado. É possível, assim, ação revisional tanto para aumento quando para diminuição da pensão, desde que modificado o contexto.
Ainda no que tange à majoração/redução dos encargos, o Código Civil também esposou a matéria. Senão vejamos:
Art. 1699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou nada de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração de encargo.”
Diante dos dispositivos supramencionados, conclui-se que, havendo mudança na situação financeira dos interessados, poderá ser ajuizada a Ação Revisional de Alimentos, pugnando pela redução ou pela majoração dos encargos.
Imagine-se a situação hipotética em que o alimentante se encontra sem emprego fixo e sem a mesma capacidade financeira de outrora. Torna-se extremamente oneroso a esse, consequentemente, arcar com a totalidade da pensão alimentícia arbitrada. E nesse caso poderá pleitear a redução dos valores.
Da mesma forma, lado outro, caso o alimentante tenha ingressado em novo emprego e receba melhores vencimentos, poderá o alimentando, por intermédio de sua representante legal, solicitar a majoração dos encargos alimentícios. Igualmente, quando as despesas mensais do alimentando aumentam, onde se discutirá a possibilidade financeira para a majoração da pensão alimentícia.
Ressalta-se, destarte, que não há valores máximos e nem mínimos para a fixação da pensão alimentícia. Ainda que o Judiciário tenha como baliza o percentual de 30% (trinta por cento), os valores fixados em sentença podem ser modificados a qualquer tempo, desde que exista modificação na situação fática das partes.
Há, inclusive, decisões em sentido contrário ao entendimento majoritário. E, assim, definem a pensão alimentícia em valores inferiores a 30% (trinta por cento) dos rendimentos. É o caso, por exemplo, desta decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em Apelação Cível de 2018:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. REFORMA DA SENTENÇA NO QUE TANGE AO QUANTUM FIXADO DE ALIMENTOS AO FILHO DO APELANTE. PEDIDO DE REDUÇÃO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. POSSIBILIDADE. READEQUAÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO COMO PENSÃO ALIMENTÍCIA.
Caso dos autos em que o apelante postula a minoração do percentual fixado a título de alimentos, pagos em favor do filho menor. Sustentou que a decisão não atendeu ao trinômio necessidade, possibilidade e proporcionalidade, devendo a porcentagem estabelecida de 30% ser reduzida para 15%. Mediante análise do caderno probante, mostra-se necessária a readequação do encargo alimentar de 30% para 20% dos rendimentos brutos do apelante, excetuando os descontos obrigatórios, visto que não há comprovação da demanda de gastos extraordinários para criação do filho. Igualmente, assinala-se que se trata de obrigação divisível, em que ambos os genitores devem concorrer na medida das suas possibilidades, conforme disposto no artigo 1.694, §1º, do Código Civil. Apelação parcialmente provida. (Apelação Cível Nº 70076167121, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 26/04/2018)
O artigo 1694 do Código Civil, inovou em relação ao Código de 1916, ao incluir a possibilidade de pagamento de alimentos entre cônjuges e companheiros. Observa-se do dispositivo:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação
A mudança aplicada pelo legislador era uma resposta a situações fáticas da sociedade. Isto devido às desigualdades no âmbito familiar e profissional entre homens e mulheres.
Cabe ressaltar, porém, que o artigo não prevê o pagamento de pensão alimentícia do homem à mulher. Prevê apenas a obrigação entre companheiros e cônjuges. Desse modo, não se pode argumentar que a mulher estará sempre no polo ativo da demanda. Pelo contrário, não são raros os casos em que os polos se invertem. Em muitas ocasiões, a mulher é quem se encontra na parte passiva.
Apesar da intenção inicial do dispositivo, as modificações nas estruturas sociais geram interpretações diversas em relação à pensão para infantes. Considera-se, diante disso, a excepcionalidade do instituto. Segundo Tartuce: “os alimentos entre os cônjuges têm caráter excepcional, pois aquele que tem condições laborais deve buscar o seu sustento pelo esforço próprio” [2].
Esse pensamento, consequentemente, impacta também os pedidos de revisionais. Assim, considerar-se-á, para fins de revisão da pensão alimentícia, não apenas a situação econômica e social das partes. Por fim, também será levada em conta a capacidade de busca pelo sustento próprio.
O artigo 1.695 do Código Civil, prevê, como observado, que:
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Diante do que foi vislumbrado, percebe-se a coadunação da previsão aos princípios da dignidade humana e da solidariedade familiar. A pensão alimentícia, portanto, não se refere apenas a valores monetários. É, na verdade, embasada em princípios norteadores do ordenamento jurídico. E pode, por exemplo, ser objeto de mediações familiares, com vista à resolução de um conflito que, muitas vezes, extrapola a questão do dinheiro.
Sua aplicação, contudo, não pode ser dissociada de outros princípios como o da proporcionalidade e o da razoabilidade. Deve dialogar com eles para evitar o enriquecimento sem causa.
O Novo CPC inova ao trazer a ponderação como técnica de solução da aplicação da lei. Logo, é preciso estar atento que o aplicador do direito deverá ponderar entre os princípios a partir dos fatos argumentados pelas partes. Pode-se, inclusive, ressaltar a importância desses princípios para a persecução da causa. Mas também para a fixação de pensão alimentícia de valor coerente com a demanda dos envolvidos.