É notório que o Poder Judiciário não vem atendendo de forma adequada as demandas que todos os dias batem à sua porta. Ineficiência, demora e descrédito são seguidamente associados ao Judiciário. Além disso, conduzir um processo na justiça brasileira custa muito caro, principalmente para empresas que são demandadas com muita frequência.
Nesse sentido, os departamentos jurídicos das empresas vêm buscando alternativas para vencer o desafio de reduzir o número de processos judiciais, como forma de economizar recursos financeiros. Dentre as alternativas existentes, desenvolver uma política de acordo eficiente está se tornando uma prática para que as empresas economizem recursos nas demandas com consumidores e empregados, afinal, gerenciamento dos processos faz parte de um dos maiores desafios dos departamentos jurídicos no Brasil.
Há um ditado popular que diz “melhor um mau acordo que uma boa demanda”. Claro que, considerando a perspectiva posta acima, em que levar um processo por anos no Judiciário é sinônimo de gastos ineficientes, tal bordão faz algum sentido. No entanto, acredito que, como buscamos uma alternativa eficiente às demandas judiciais, o ideal é que todo acordo seja bem pensado, faça parte de uma estratégia integrada com os demais setores da organização e que se adeque à realidade da empresa, ou seja, justo para a parte contrária, mas dentro do budget do departamento jurídico.
Aí reside um outro desafio: como elaborar essa política de acordo? Quais critérios deve-se levar em consideração e quem deve executá-la (escritório de advocacia, empresa externa, célula interna)?
Responderemos essas e outras perguntas ao longo deste artigo. Você também pode aprender com o Juriscast abaixo, onde o Ifood – maior empresa de delivery do Brasil – compartilha os bastidores da política de acordos da empresa:
A primeira característica que toda política de acordo deve ter, quando bem pensada, são critérios objetivos a serem aplicados aos casos.
Para determinar esses critérios, é necessário conhecimento profundo das demandas e estratégias da empresa, ou seja, como elas afetam os diversos setores da empresa (não só o Jurídico, mas Comercial, Marketing, Operações e assim por diante) e o orçamento da empresa.
Dentre esses critérios, recomenda-se separar análise :
Assim, é possível fazer um cruzamento de dados e encontrar valores adequados para cada tipo de conflito. Pode parecer paradoxal, mas o conhecimento profundo dos dados referentes à massa de conflitos pode resultar em uma política aplicável aos conflitos de forma escalável e individualizada ao mesmo tempo.
Por exemplo, no segmento do turismo, sabendo que em casos de overbooking a empresa tem um histórico de condenação média de R$ 3.200,00 (danos materiais e morais), uma proposta de acordo minimamente razoável seria inferior a esse valor.
Já, dentro de uma política de acordo eficiente e bem estruturada, uma proposta de acordo deve levar em consideração, se possível: o ticket-médio frente a comarca da demanda; se há envolvimento de idosos, crianças ou retirada de passageiro da aeronave e outros fatores majorantes.
Claro que essas informações não estão diretamente disponíveis para todas as organizações no momento da elaboração da política de acordo, e assim, contar com uma empresa que forneça essa fonte de big data pode ser muito importante, pois representa uma economia enorme considerando o volume de processos.
Portanto, a proposta de acordo pode ser eventualmente maior do que os R$ 3.200,00, mas no cômputo geral, o ticket-médio dos acordos deve ser inferior a média das condenações da empresa.
Se para elaborar a política de acordo é necessário um profundo conhecimento da empresa e sua estratégia, é intuitivo que quem deva executar essa mesma política tenha ciência de como ela foi elaborada e das mesmas particularidades da empresa e, especialmente, do departamento jurídico.
Na realidade, o ideal é que a política de acordo seja dinâmica, ou seja, validada em tempo real enquanto é aplicada. Usualmente, os valores inicialmente determinados não são totalmente adequados para todos os tipos de demandas que uma empresa possui.
Portanto, deve-se ir ajustando e desenvolvendo a política de acordos conforme ela for sendo utilizada.
Essa execução progressiva dificilmente consegue ser feita internamente, principalmente porque os advogados da organização tendem a (obviamente) “vestir a camisa” e querer ganhar todos os processos.
Dificilmente, por mais que saibam que fechar acordos seja estrategicamente vantajoso, a formação jurídica ensina os profissionais a analisar as evidências e, sempre que houver alguma chance de procedência, argumentar suas razões até o final da discussão.
Na psicologia, existe um conceito chamado de Heurística de Disponibilidade (TVERSKY, A. and D. KAHNEMAN, 1973. Availability: A heuristic for judging frequency and probability. Cognitive Psychology.), onde infere-se que pessoas de forma geral julgam a frequência ou a probabilidade de um evento pela facilidade com que exemplos ocorrem em suas mentes ou pelo impacto emocional que um certo fato causou no indivíduo.
Ao conversar com uma gerente jurídica de uma grande empresa sobre política de acordo, ela me falou que estava receosa de começar a negociar acordos porque “teve casos em que achou que iria perder, mas acabou ganhando”.
Esse é um exemplo perfeito de Heurística de Disponibilidade, pois essa ocorrência é, obviamente, uma exceção e não uma regra sobre a qual se deve pautar a estratégia da empresa (bastaria analisar o índice de procedência e improcedência de sua carteira de processos).
Esse viés acaba prejudicando a tomada de uma decisão estratégica em prol de uma aposta quase que “lotérica”.
Por outro lado, escritórios de advocacia, tradicionalmente, ganham mais conforme a durabilidade dos processos ou pela quantidade de processos que estiverem sob seu patrocínio. Raros são os casos de empresas que fazem contratações com escritórios terceirizados, de forma que eles ganhem mais ao fechar um acordo do que conduzir o processo até o final.
Fora esse aspecto, dificilmente um escritório de advocacia consegue se envolver nas diversas nuances de uma empresa e, no mais das vezes, não está alinhado com a estratégia empresarial e não compreende o business da empresa e nem conceitos como provisionamento, EBITDA, KPIs, etc.
Consequentemente, não entendem das diversas demandas internas que o departamento jurídico atende e observa.
Considerando o atual cenário de franca evolução das técnicas de negociação e o aumento da exigência por mais eficiência e adequação às demandas sofrida pelas companhias , uma das alternativas é a utilização dos serviços de empresas de negociação terceirizadas, meio pelo qual é possível atingir maior satisfação dos consumidores, dividindo as funções e legitimando a negociação.
O papel da empresa de negociação é justamente devolver para as partes o poder de decidir o resultado de seu conflito e, principalmente, de avaliar com neutralidade cada caso para propor soluções “ganha-ganha”, isto é, que foquem na resolução do problema, na identificação dos interesses e necessidades e na criação de valores.
Com certeza, empresas que focam em solucionar os conflitos de maneira estruturada, possuem técnicas específicas para otimizar os resultados das organizações e ainda sabem como, por exemplo, evitar que se criem precedentes levando ao maior ajuizamento de ações contra a empresa.
Para saber mais sobre a estruturação de uma política de acordos, confira o Juriscast sobre o tema:
Como vimos, é uma tendência entre os departamentos jurídicos mais atualizados, buscar uma estruturação de política de acordos aplicável a sua realidade e a estratégia de negócios da empresa.
Os desafios da estruturação dessas políticas de acordo são novos e devem ser bem estudados.
Escolher alguns critérios objetivos, como valor do ticket-médio por causa-raiz é um bom norte para começar a elaboração interna de uma política de negociação de acordos.
Por outro lado, buscar auxílio de empresas especializadas no assunto (que já existem em número considerável no mercado jurídico) também é um bom caminho para iniciar a implementação de tal política.
Leia também:
*Conteúdo publicado originalmente no Blog da Justto por Michelle Morcos e redirecionado para o Blog da Projuris após a aquisição da empresa.