Como visto em outro texto aqui da coluna, a incorporação imobiliária é um modelo negócio bastante complexo e multissetorial. Isso porque, “a expressão incorporação imobiliária tem significado de mobilizar fatores de produção para construir e vender, durante a construção, unidades imobiliárias em edificações coletivas, envolvendo a arregimentação de pessoas e a articulação de uma série de medidas no sentido de levar a cabo a construção até sua conclusão, com a individualização e discriminação de unidades imobiliárias no Registro de Imóveis”. (Chalhub,2005)
Assim, pode se dizer que todo o sistema legislativo pertinente ao tema, busca, na verdade, trazer uma maior segurança jurídica. E, por que não afirmar que, desafiando as leis físicas, tem como intuito trazer para o mundo físico aquilo que ainda não existe no plano concreto?
Nesse sentido, a Lei n.º 4.591/64, norma legal especial que disciplina o desenvolvimento da incorporação imobiliária, a qual já foi atualizada com o passar dos anos acompanhando a evolução do mercado, traz uma série de obrigações que precisam ser observadas pelo envolvido tais como, incorporador, construtor, adquirente, etc., bem como u m procedimento registral específico.
Por isso, o assunto escolhido como centro deste breve artigo, tem uma relação mais próxima com à serventia extrajudicial onde ocorrem os registros da incorporação. Mais propriamente, com a validade temporária do registro do memorial ou processo de incorporação enquanto esta ainda não se concretizou.
O que diz a norma que disciplina sobre o registro da incorporação imobiliária?
Sobre tal aspecto, disciplina o artigo 33 da mencionada Lei n.º 4.591/64:
Art. 33. O registro da incorporação será válido pelo prazo de 120 dias, findo o qual, se ela ainda não se houver concretizado, o incorporador só poderá negociar unidades depois de atualizar a documentação a que se refere o artigo anterior, revalidando o registro por igual prazo. (Vide Lei 4.864/65 que eleva para 180 (cento e oitenta) dias o prazo de validade de registro da incorporação).
Dessa forma, conforme o artigo supramencionado, na hipótese de ter decorrido 180 dias do prazo de validade do registro a incorporação imobiliária realizado na serventia extrajudicial competente e esta não houver concretizado, o incorporador somente poderá negociar unidades autônomas após atualizar os documentos do memorial de incorporação, os quais estão previstos no art. 32 da mesma norma (veja também o artigo Registro da incorporação imobiliária: requisitos legais e documentos.)
Assim, diferente do que se pode acreditar com a prática cotidiana, a obrigação do incorporador para o memorial da incorporação antes da comercialização das unidades, não finaliza com o registro da referida documentação, notadamente porque até a efetiva concretização da incorporação o ato registral é temporário. Temos aqui um clássico exemplo do ditado popular “só termina quando acaba”. Na hipótese, não é necessário finalizar as vendas ou a obra, mas sim comprovadamente iniciá-las para que se cumpra o ônus.
A validade do registro de incorporação
Discorrendo sobre o tema concernente à validade do registro da incorporação imobiliária, o autor Mario Pazutti Mezzari, assim leciona:
Pode-se afirmar que o prazo de validade do registro da incorporação dependerá das circunstâncias do caso concreto. Deve-se, no entanto, partir da determinação legal contida no art. 33 da Lei n.º 4.591, de 1964 (com a redação do art. 12 da Lei n.º 4.864/65) segundo o qual o registro da incorporação será válido por 180 dias. Se durante esse prazo for negociada alguma unidade ou contratado o financiamento da construção, ter-se-á por efetivada a incorporação. A partir daí, e pelo prazo necessário ao término da obra, poderá o incorporador validamente negociar as demais frações ideais vinculadas às unidades futuras.
Assim, entende-se que se o incorporador não comprovar documentalmente a alienação de alguma unidade autônoma, ou mesmo iniciar a construção do empreendimento, este deverá atualizar a documentação prevista no art. 32 da Lei 4.591/64. Inclusive, por meio da contratação do financiamento da construção objeto da incorporação.
Ao observar o exposto até aqui, fica evidente, então, que o incorporador pode sofrer grande prejuízo se não ficar atento ao prazo de validade do registro e à necessidade de concretizar a incorporação no mencionado lapso de tempo.
O que ocorre em casos de não observância do prazo de validade do registro?
Convém, portanto, apresentar um caso concreto para ilustrar um dos possíveis desdobramentos decorrentes da inobservância do prazo de validade temporário do registro da incorporação:
Agravo de Instrumento. Ação ordinária em fase de cumprimento de sentença – Decisão que rejeitou impugnação ofertada pelas agravantes –Subsistência da penhora efetivada nos autos –Decurso do prazo de validade do registro da incorporação imobiliária – Obra que não foi erigida– Excesso de penhora não caracterizado –Juros de mora sobre honorários de sucumbência que devem incidir a partir da intimação para cumprimento de sentença –Reforma parcial da decisão agravada. Dá-se provimento em parte ao recurso.(TJ-SP -AI: 20925904020158260000 SP 2092590-40.2015.8.26.0000, relator: Christine Santini, Data de Julgamento: 25/08/2015, 1.ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/08/2015).
Entenda o caso
Os adquirentes da unidade autônoma ajuizaram ação de rescisão de contrato cumulada com pedido de indenização por danos morais e materiais em face da incorporadora, visto que após terem firmado compromisso de compra e venda de unidade em construção e de terem quitado parte do valor do bem, o empreendimento não havia sido construído, estando a obra abandonada.
O julgamento da ação foi procedente. Após se iniciar a fase de cumprimento de sentença sem haver o pagamento voluntário do valor da condenação e bloqueio de valores financeiros ou bens móveis, os exequentes solicitaram a penhora do imóvel objeto da incorporação. Este foi deferido pelo magistrado.
No que lhe concerne, a incorporadora apresentou impugnação ao pedido. Para isso, alegou prejuízo a terceiros, tendo em vista a suposta perfectibilização do registro da incorporação junto ao ofício de registro de imóveis e excesso de penhora.
Após analisá-la, o juiz da causa rejeitou a impugnação. Em segunda instância, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, apontou que a empresa idealizadora do empreendimento não observou o disposto no artigo no art. 33 da Lei n.º 4.591/64. Isto é, não reavaliou a documentação como a legislação exige ou não executou as obras. Isto ensejou a propositura da ação judicial principal, sendo, portanto, justa a penhora.
De acordo com o caso concreto abordado, não restam dúvidas quanto a seriedade e necessidade que cerca à atenção ao prazo da incorporação imobiliária. Pode-se observar, portanto, que muitas vezes o incorporador ignora o disposto na legislação. No entanto, isto pode resultar em uma grande dor de cabeça, além da hipótese do julgado trazido como exemplo, também quando um adquirente de unidade negociada após o transcurso dos 180 dias decide efetuar o registro do compromisso de compra e venda.
Leia também:
O que fazer para evitar danos devido a perda de prazo do registro da incorporação imobiliária?
Um caminho possível mostra-se a comprovação da concretização da incorporação por meio da apresentação de requerimento do incorporador assinado com firma reconhecida, declarando que a incorporação se concretizou no prazo de 180 dias da data do registro da mesma e requerendo que em virtude de tal fato seja dispensada a revalidação dos documentos da incorporação na forma do art. 33 da Lei 4.591/64.
Como documentos para instruir o requerimento, apresentam-se: cópias autenticadas de compromissos de compra e venda, escrituras, contratos celebrados das unidades condominiais dentro de validade, etc. Bem como, a certidão expedida pela Prefeitura Municipal, atestando que a obra se iniciou no prazo da data do registro da incorporação imobiliária. Além disso, outra alternativa seria a apresentação de tal documentação conjuntamente com o contrato submetido a registro.
Cabe enfatizar que a aplicação de tais sugestões depende da análise do caso concreto, e do entendimento do registrador responsável pelo ofício de registro de imóveis competente. De fato, o melhor caminho é estar atento as peculiaridades da Lei.
Até a próxima.
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