Direito e Justiça

Crime de prevaricação: o que é, tipos e pena

A prevaricação é crime de mão própria, praticado exclusivamente por funcionário público ou equivalente. Esse agente o faz com o intuito de satisfazer interesses próprios ou, até mesmo, sentimentos pessoais. 

De modo geral, o ato de prevaricar ocorre quando o funcionário público se vale do seu cargo para retardar ou deixar de realizar atos de ofício. Ou ainda, quando, de forma comissiva, pratica atos de ofício de forma contrária à lei. 

Crime contra a administração pública, portanto, a prevaricação é um feito relativamente comum, que precisa ser conhecido por qualquer profissional que atue no âmbito do Direito Administrativo

Entender o que caracteriza a prevaricação, no que ela se diferencia de outros crimes contra a administração em geral e, sobretudo, entender como se dá o andamento processual, é dever de qualquer operador do direito. 

E, são justamente essas algumas das questões que responderemos ao longo deste artigo. Boa leitura!

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O que é prevaricação?

A prevaricação é um tipo de crime doloso contra a administração pública. Assim, o ato de prevaricar é necessariamente efetuado por funcionário público, que o faz com o intuito de satisfazer interesses ou sentimentos pessoais.  

Esse último item é fundamental para caracterizar a prevaricação. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), a satisfação de interesses ou sentimentos pessoais é um elemento subjetivo específico desse tipo penal.  

Ainda, importa abordar a definição para prevaricação trazida pelo Código Penal brasileiro, que é a seguinte:

Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. 

O ato de ofício, aqui, equivale a toda responsabilidade do funcionário frente a legislação. 

Tipos de prevaricação

Abaixo, veremos a conceituação das três formas pelas quais se incorre no crime de prevaricação:

– Retardar ato de ofício indevidamente

Esta é uma hipótese em que a omissão se faz presente. O agente público, neste caso, atrasa, adia, posterga ou procrastina a prática do ato de ofício. 

Mas, o que caracteriza o “retardar”? O atraso pode estar relacionado a um prazo pré-determinado em lei, ou mesmo à data hábil para que o ato produza efeitos normais. 

Contudo, há que se ter cuidado, pois há inúmeros casos em que a retardação é válida e não caracteriza crime. 

Por exemplo, se o funcionário público retarda a emissão de um alvará devido a falta de um documento exigido em lei, a postergação não implica em prevaricação. 

Contudo, no mesmo exemplo, se o funcionário público atrasa a emissão dessa liberação com o intuito de beneficiar um empreendimento seu, frente à concorrência, tem-se a prevaricação. 

– Deixar de realizar ato de ofício indevidamente;

Neste caso, a omissão se dá pelo não fazer. A intenção do funcionário não é apenas atrasar a execução do ato de ofício, mas deixar de realizá-lo em razão de seus interesses pessoais. 

Seguindo o exemplo trazido no item anterior, a prevaricação por “deixar de realizar” ocorreria se o funcionário intencionalmente deixasse de emitir o alvará, apesar do solicitante atender aos requisitos. 

Não há somente a intenção de atrasar, portanto, mas também a de não fazer.

– Praticar ato de ofício contrário à determinação expressa da lei

Nesta esfera, a prevaricação ultrapassa a mera omissão, e transforma-se em ação. O funcionário público, portanto, age de modo a beneficiar seus interesses próprios, praticando atos de ofício indevidos. 

Na situação hipotética da emissão de alvará, a prevaricação se daria se o funcionário público realizasse a emissão de alvará em favor de um ente que não cumpre as determinações da lei, com a intenção de atender a interesses pessoais próprios. 

Esses interesses pessoais poderiam ser, por exemplo, prejudicar um desafeto, ou beneficiar alguém que lhe é próximo. 

O conceito de funcionário público

Já está evidente que a prevaricação só pode ser cometida por funcionário público, entretanto, o que a lei entende por “funcionário público” ? 

Um caminho para encontrar essa definição poderia ser a Constituição Federal de 1988. Porém, a carta magna traz apenas definições para “servidor público” e “empregado público”. As funções desses entes são descritas nos artigos 37 a 41. 

Por isso, no caso da prevaricação, a conceituação mais adequada é aquela proposta no âmbito do Direito Penal. Isso se dá por meio do Código Penal, que define, no Art. 327:

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Importa ainda destacar a inclusão feita pela Lei 9.983/00, no parágrafo primeiro do mesmo artigo:

§ 1º – Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. 

Assim, entende-se que o funcionário público é toda pessoa que exerce qualquer tipo de cargo, emprego ou função em empresa pública, mas também em entidade paraestatal, ou em empresas conveniadas à administração pública. 

Como é o processo penal para apuração do delito?

Os crimes de responsabilidade de funcionário público, como é o de prevaricação, por exemplo, devem obedecer ao rito dos arts. 513 a 518 do CPP.

Art. 513.  Os crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, cujo processo e julgamento competirão aos juízes de direito, a queixa ou a denúncia será instruída com documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas.

Art. 514.  Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de quinze dias.

Parágrafo único.  Se não for conhecida a residência do acusado, ou este se achar fora da jurisdição do juiz, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a resposta preliminar.

Art. 515.  No caso previsto no artigo anterior, durante o prazo concedido para a resposta, os autos permanecerão em cartório, onde poderão ser examinados pelo acusado ou por seu defensor.

Parágrafo único.  A resposta poderá ser instruída com documentos e justificações.

Art. 516.  O juiz rejeitará a queixa ou denúncia, em despacho fundamentado, se convencido, pela resposta do acusado ou do seu defensor, da inexistência do crime ou da improcedência da ação.

Art. 517.  Recebida a denúncia ou a queixa, será o acusado citado, na forma estabelecida no Capítulo I do Título X do Livro I.

Art. 518.  Na instrução criminal e nos demais termos do processo, observar-se-á o disposto nos Capítulos I e III, Título I, deste Livro

Em suma, fica estabelecido que o juiz, antes de iniciar a ação – isto é, de receber a denúncia ou queixa-crime – deve notificar o funcionário público. 

Este terá o prazo de 15 dias para oferecer ao juiz uma resposta preliminar. Se a resposta for considerada procedente, o juiz deverá proceder com um despacho fundamentado para rejeitar a denúncia. 

Por outro lado, se a resposta preliminar não for apresentada ou se o magistrado julgar improcedente, a denúncia ou queixa será recebida. 

Sucede-se, então, à citação do réu e o procedimento seguirá de acordo com o rito ordinário, independentemente da pena máxima. 

Conheça as principais determinações do Código de Processo Penal, aqui. 

Exemplos de crime de prevaricação

O tipo penal do crime de prevaricação é previsto no art. 319, CP, como visto. Contudo, há formas especiais dessa prática. Vejamos, então, alguns exemplos de quem pode praticar este crime:

  • Crime contra o sistema financeiro: essa espécie de prevaricação está prevista no art. 23 da Lei 7.492/1986;
  • Jurados: previsto no art. 445 do CPP;
  • Militares: previsto no art. 319 do Código Penal Militar;
  • Crimes eleitorais: previsto no art. 345 da Lei 4.737/1965.

Pena para prevaricação segundo o Código Penal

O Código Penal (Decreto-Lei 2848/40) é o instrumento que define as penalidades legais previstas aos funcionários públicos que incorrerem em prevaricação. 

No Art. 319, o Código traz a previsão de detenção, pelo período de três meses a um ano, e multa.

Ainda, a Lei 6.799/80 traz as disposições para aumento de pena em caso de crimes contra a administração pública. Por meio desse ordenamento, tem-se uma adição ao Art. 327 do Código Penal.  

Trata-se do parágrafo segundo, por meio do qual fica estabelecido o aumento de pena – na razão da terça parte – quando os autores dos crimes contra a administração pública ocuparem cargos:

  • em comissão;
  • função de direção ou assessoramento de órgão de administração direta, sociedade mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Leia mais sobre Direito Penal aqui. 

Lei 11.466/07 e a prevaricação imprópria

A prevaricação de que falamos até agora é do tipo própria, mas modificações na lei forneceram fundamentação legal para um novo tipo e prevaricação. 

Em 2007, o sancionamento da Lei 11.466 acrescentou ao Código Penal o Art. 319-A, que trata da prevaricação imprópria: aquela praticada por agente público ou diretor de penitenciária. 

Na letra da lei, tem-se:

Art. 319-A.  Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. 

A pena para a prevaricação imprópria, nestes casos, é similar àquela estabelecida para a prevaricação própria. A saber, detenção, de três meses a um ano. 

Diferença entre prevaricação e corrupção

Embora a corrupção seja um termo amplo e largamente utilizado pela mídia para designar uma série de crimes e infrações contra a administração pública, pelo rigor da lei, corrupção e prevaricação não significam a mesma coisa. 

O próprio Código Penal estabelece a diferença entre esses dois tipos penais. Para a corrupção, o código guarda dois artigos. No Art. 333, temos a definição de corrupção ativa:

Art. 333 – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.

Já no Art. 317, o Código Civil traz a definição de corrupção passiva:

Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. 

Esta última em algo se assemelha a prevaricação, mas ambas podem ser distinguidas pela motivação. 

Enquanto, na prevaricação, tem-se claro e expresso que a motivação deve ser a satisfação de interesses ou sentimentos pessoais, na corrupção não precisa haver tal motivação. 

Outra diferença está no fato de que, em situações de corrupção, o funcionário público comercializa ou negocia as responsabilidades de sua função. Enquanto que, na prevaricação, ele deixa de cumprir, retarda ou mesmo viola as responsabilidades de seu cargo. 

Assim sendo, embora semelhantes em certo nível, corrupção e prevaricação não designam o mesmo tipo de crime. 

Leia mais sobre corrupção, e sobre a Lei Anticorrupção, aqui. 

Prevaricação Militar: o que é e como se manifesta?

Também no âmbito militar é possível que ocorra o crime de prevaricação. A conduta criminosa está tipificada no Código Penal Militar, art. 319, onde se lê:

 Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interêsse ou sentimento pessoal:

 Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Como é possível notar, a tipificação, tanto na esfera civil quanto na militar, é igual. O que se altera é a gradação da pena. Assim, temos:

  • prevaricação praticada por funcionário não-militar: detenção de três meses a um ano, e multa;
  • prevaricação praticada por militar: detenção de seis meses a dois anos.

Ademais, a jurisprudência tem mostrado que a prevaricação militar, assim como outras modalidades do crime de prevaricar, está fundamentada na manifestação do dolo e nas condições de ânimo do agente. Veja-se, por exemplo, o julgado na Apelação Criminal 2012.080844-1, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC):

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME MILITAR. PREVARICAÇÃO (ART. 319 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL.

PEDIDO DE CONDENAÇÃO. INVIANILIDAE. POLICIAL QUE SUPOSTAMENTE DEIXOU DE ADOTAR OS PROCEDIMENTOS PADRÕES PARA APURAR E ULTIMAR OCORRÊNCIA DELITIVA ENVOLVENDO SOLDADO, MOVIDO PELO INTERESSE PESSOAL DE AUXILIAR COLEGA DE FARDA. MATERIALIDADE QUE MUITO NÃO SE PODE EXIGIR. CRIME FORMAL. AUTORIA INCONTROVERSA. CONTUDO, DÚVIDA QUANTO À EFETIVA NECESSIDADE DA PRÁTICA DE OUTRAS PROVIDÊNCIAS ALÉM DAS REALIZADAS. DOLO DO ACUSADO DE SE OMITIR NA APURAÇÃO DOS FATOS, COM O OBJETIVO DE SATISFAZER INTERESSE PESSOAL, IGUALMENTE NÃO COMPROVADO ESTREME DE DÚVIDAS. ILÍCITO NÃO PUNIDO NA MODALIDADE CULPOSA. INTELIGÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.

Outros crimes contra a administração pública

Já mencionamos a corrupção ativa, passiva e, evidentemente, a prevaricação. Mas o rol de crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral é bastante amplo. 

O Código Civil traz um capítulo exclusivamente dedicado a esse tipo de delito. Além dos crimes já mencionados, outras formas comuns são:

  • Peculato: quando o funcionário público desvia ou se apropria, em proveito próprio ou alheio, de qualquer quantia em dinheiro, valor, ou bem móvel público ou particular.
  • Concussão: ocorre quando o funcionário público exige alguma vantagem indevida, direta ou indiretamente, para si ou para outrem, mesmo que esteja fora da função ou antes de assumi-la.
  • Facilitação de contrabando ou descaminho: quando o agente público infringe seu dever funcional com o intuito de facilitar a prática de contrabando ou de descaminho.
  • Advocacia administrativa: ocorre quando o agente público, valendo-se de seu cargo, patrocina, de forma direta ou indireta, interesses privados perante a administração pública.

Esses, e mais uma dezena de crimes contra a administração em geral, estão descritos no Código Civil, nos artigos 312 a 326

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Perguntas frequentes

O que é prevaricação?

Prevaricação é um crime contra a administração em geral, praticado por funcionário público. Esse crime consiste em retardar, deixar de realizar ou realizar indevidamente ato de ofício em favor de seus interesses ou sentimentos pessoais.

Quem pode prevaricar?

De acordo com o Código Civil, o ato de prevaricar – e o crime de prevaricação em si – é exclusivamente praticado por funcionário público.
Contudo, a Lei 9.983/00 equipara aos funcionários públicos aquelas pessoas que exercem cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, ou que trabalham para empresas prestadoras de serviços contratadas ou conveniadas para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Quando ocorre a prevaricação?

A prevaricação ocorre sempre que um funcionário público, com o objetivo de satisfazer interesses próprios ou sentimentos pessoais, age de modo a retardar, deixar de realizar ou mesmo realizar indevidamente atos de ofício.

Quais são os tipos de prevaricação?

Há três manifestações da prevaricação, que se dão por:
– Retardar ato de ofício indevidamente
– Deixar de realizar ato de ofício indevidamente;
– Praticar ato de ofício contrário à determinação expressa da lei

O presidente da república pode prevaricar?

Em teoria, a atribuição do crime de prevaricação ao chefe do executivo nacional é possível. Afinal, a definição de funcionário público contempla também o presidente. Contudo, assim como ocorre em outros casos, faz-se necessário comprovar que o mandatário agiu com dolo e que o ato de ofício em questão era efetivamente de sua competência.

Conclusão

Diante do exposto, fica claro que a prevaricação está caracterizada sobretudo pelas motivações do agente público. Ela pode ser omissiva (retardar ou deixar de fazer), ou ainda comissiva (praticar ato de ofício indevidamente). 

Além de que o Código Penal e o Código Processual Penal guardam artigos específicos para determinar a pena e o trâmite processual que os casos de prevaricação devem respeitar. 

Agora que você já compreendeu as particularidades do ato de prevaricar, está melhor preparado(a) para atuar no âmbito dos crimes contra a administração em geral. 

Para seguir aprendendo, considere a leitura do nosso guia sobre Direito Administrativo, aqui

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