O ato de contratar parece muito natural na sociedade moderna. Na verdade, desde o momento em que acordamos até o deitar fazemos vários contratos nos quais expressamos as nossas vontades. No direito essa liberdade recebe o nome de princípio da autonomia da vontade.
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A palavra autonomia, tem origem da junção de duas palavras gregas: autós e nomói. A primeira traz a ideia de si mesmo e a segunda significa norma ou regra. Atualmente, os dicionários apontam o seu significado como a capacidade que um indivíduo tem de se governar pelos seus próprios meios.
Quanto a expressão autonomia da vontade, o filósofo Immanuel Kant (1997), um dos primeiros a utilizar esse termo, assim o define:
Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer). O princípio da autonomia é portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal. Que esta regra prática seja um imperativo, quer dizer que a vontade de todo o ser racional esteja necessariamente ligada a ela como condição, é coisa que não pode demonstrar-se pela simples análise dos conceitos nela contidos, pois se trata de uma proposição sintética; teria que passar-se além do conhecimento dos objetos e entrar numa crítica do sujeito, isto é da razão prática pura; pois esta proposição sintética, que ordena apodicticamente, tem que poder reconhecer-se inteiramente a priori.
Apesar dos precursores históricos, e a intensa luta travada na transição de uma sociedade opressora para humanista. O sentido atual da expressão autonomia da vontade pela doutrina civilista, tem suas raízes detectáveis no século XIX.
O sucesso da Revolução Francesa, provocou um aumento na humanização. Assim sendo, se tornou vital reconhecer a liberdade de criar ou produzir direito aos homens nascidos livres e iguais.
Nesse ponto, a autonomia da vontade, o direito natural e o individualismo, se elevaram à categoria de princípio do Direito e de fonte das relações jurídicas. Isso resulta da evolução do pensamento jus filosófico, no qual destaca-se a doutrina da Igreja.
Neste nível, a vontade humana passou a ser um dos itens de um negócio jurídico. Desse modo, a norma jurídica abriu as pessoas o livre arbítrio para escolherem quando um fato é ou não jurídico.
Sobre isso, se faz necessário trazer a opinião do magistrado Régis Pedrosa Barros (2017, p. 02) que afirma:
[…] a autonomia da vontade é um conceito bastante amplo, que se faz presente no momento psicológico do “ter vontade”, no momento extrajurídico em que essa vontade é manifestada para desencadear a constituição de atos sociais (atos inter-humanos), assim como no momento jurídico em que o realizar de um ato (ação volitiva humana), por estar previsto em uma norma, fê-la incidir. Há autonomia da vontade quando, em representação mental, algo é querido[4], quando alguém promete a outrem ir à igreja confessar-se, mas não vai (o espaço reservado para a vontade está fora do Direito, a manifestação de vontade dar-se-á autonomamente, mas estará fora do plano jurídico)[5] e quando se celebra um contrato de doação (o espaço reservado para a vontade é relevante para o Direito, porquanto adstrito aos limites traçados pelas normas jurídicas). Com o termo “autonomia da vontade”, seriam alcançados não só os negócios tutelados pelo Direito (negócios jurídicos), mas também o seriam os negócios que não interessam ao Direito, mas, talvez, à Política, à Religião, à Sociologia.
No aspecto psicológico da autonomia da vontade, trago à discussão as observações de Luigi Ferri (1969, p. 3), nas quais se constata que a autonomia da vontade possui um sentido intangível ou psicológico, na medida em que se foca na demonstração da disposição interna do sujeito de direitos, ou seja, sua genuína aspiração.
Maria Helena Diniz (2011, p. 40-1), por sua vez, retrata o princípio da autonomia da vontade
“o poder de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontade, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica.” (grifou-se)
Por outro lado, tem-se a correlação entre autonomia da vontade e autonomia privada. A última é uma espécie do gênero da autonomia da vontade, porque entende somente os fatos jurídicos. A autonomia privada seria, deste modo, uma consequência do próprio conceito de autonomia da vontade.
Nesse raciocínio, Francisco Amaral (2008, p. 213), conceitua os dois termos da seguinte forma:
A autonomia privada constitui-se, portanto, no âmbito do direito privado, numa esfera de atuação jurídica do sujeito, mais propriamente um espaço de atuação que lhe é concedido pelo imperativo, o ordenamento estatal, que permite, assim, aos particulares a auto-regulamentação de sua atividade jurídica. Os particulares tornam-se, desse modo, e nessas condições, legisladores sobre sua matéria jurídica, criando normas jurídicas vinculadas, de eficácia reconhecida pelo Estado.
E ainda:
A expressão ‘autonomia da vontade’ tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real”. Todavia, este poder não é originário. Emana do ordenamento jurídico estatal, que o reconhece e opera nos limites que esse estabelece, demarcações que vem crescendo em virtude do aumento das funções sociais do Estado.
Como se pode concluir, para essa gama de doutrinadores existe uma distinção entre os dois institutos jurídicos. Dentre eles, destacam-se, novamente, os ensinamentos de Francisco Amaral (2008, p. 345), conforme abaixo:
No entanto, para alguns autores não existe diferença entre as duas autonomias, como Carlos Alberto Mota Pinto (2005, p. 102), que instrui:
O negócio jurídico é uma manifestação do princípio da autonomia privada ou da autonomia da vontade, subjacente a todo o direito privado. A autonomia da vontade ou autonomia privada consiste no poder reconhecido aos particulares de auto-regulamentação dos seus interesses, de autogoverno da sua esfera jurídica. Significa tal princípio que os particulares podem, no domínio da sua convivência com os outros sujeitos jurídico-privados, estabelecer a ordenação das respectivas relações jurídicas. Esta ordenação das suas relações jurídicas, este autogoverno da sua esfera jurídica, manifesta-se, desde logo, na realização de negócios jurídicos, de actos pelos quais os particulares ditam a regulamentação das suas relações, constituindo-as, modificando-as, extinguindo-as e determinando o seu conteúdo.
Nesse sentido, de acordo com a análise doutrinária já mencionada, denota-se que não existe unanimidade quando o assunto é a possível diferenciação entre os termos autonomia da vontade e autonomia privada.
Em que pese toda a discussão em torno da expressão autonomia privada, não podemos esquecer sua importância na ordem jurídica atual. Esse é um dos princípios fundamentais do Direito Civil brasileiro. Ela se concretiza de forma objetiva quando da elaboração dos negócios jurídicos, posto que esta é a forma colocada à disposição dos particulares, pela ordem jurídica, para modelar ao seu querer as suas relações jurídicas.
Importante frisar que a autonomia privada difere da autonomia pública, ao passo que a primeira, como já visto, idealiza a liberdade da pessoa gerenciar suas relações particulares e a segunda, a liberdade dos cidadãos apoiar as normas aplicáveis ao comportamento de todos os membros da sociedade.
Por fim, advirto que ainda que continue a ocupar um papel essencial na criação do negócio jurídico, o princípio da autonomia privada passa por uma reforma.
Essa nova forma resulta da intervenção do Estado nas relações privadas. Afinal, o estado se responsabiliza pela constitucionalização do Direito Civil nessas relações.
Até a próxima.