No dia 20 de abril de 2021, os profissionais que militam no âmbito do Direito Imobiliário e Condominial voltaram suas atenções à sessão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça para acompanhar o julgamento do REsp 1.819.075/RS, sobre a proibição de locação por aplicativo nos condomínios residenciais.
Nesse julgamento, os Ministros do STJ analisaram a possibilidade de haver, então, na convenção dos condomínios residenciais, vedação para que se impeça o proprietário de locar sua unidade, por curta temporada, através de aplicativos de intermediação, como o AIRBNB.
O julgamento foi muito aguardado. Afinal, o resultado poderia causar um enorme reflexo, tanto nos condomínios já existentes, quanto nos que estavam em fase final de construção, ou até mesmo nos lançamentos dos novos empreendimentos.
O Ministro Relator, Luís Felipe Salomão, restou vencido pelo voto de divergência do Ministro Raul Araújo, que foi acompanhado pelo Ministros Antônio Carlos Ferreira e pela Ministra Maria Isabel Gallotti.
Poucos minutos após a término do julgamento, os mais diversos sites de notícia já divulgavam manchetes no sentido de que a locação por meio de aplicativos estava proibida nos condomínios residenciais.
Contudo, as reportagens não analisaram todo o contexto do julgamento. E consequentemente, causaram dúvidas a quase todos os gestores de condomínios e empreendedores do ramo imobiliário.
Portanto, antes de concluirmos que a locação por curta temporada, por meio dos aplicativos de intermediação, está proibida, é necessário analisar alguns pontos da decisão.
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No caso específico analisado pelo STJ, existe uma particularidade, de extrema relevância. Precisamos, desse modo, analisá-la, antes de tomar como verdade absoluta a suposta tese de proibição do AIRBNB.
De acordo com os autos, a proprietária do imóvel fez alterações na estrutura do imóvel para transformá-lo em uma espécie de hostel. Assim, construiu várias divisórias no interior do apartamento, no intuito de poder acomodar, de forma concomitante, diversas pessoas desconhecidas.
Conforme esclarecido pelo condomínio, a atividade da referida proprietária causava um grande prejuízo à segurança da coletividade, pois existia uma alta rotatividade de pessoas no interior do prédio. Além disso, estes hóspedes também recebiam uma cópia do portão principal, o que poderia facilitar a prática de crimes como furto, roubo ou outros crimes mais graves.
Durante o julgamento, os Ministros ratificaram que a plataforma não estimular essa conduta. Do mesmo modo, descaracteriza a atividade padrão da comunidade de anfitriões, que, em sua maioria, fazem a cessão do uso do imóvel de forma integral, por um curto intervalo de tempo.
O caso chegou ao STJ, pois a convenção do condomínio previa de forma expressa que os imóveis seriam para destinação única e exclusivamente residencial, mas o condomínio entendia que a forma como a proprietária estava cedendo o imóvel, por meio do AIRBNB, caracterizaria uma atividade comercial.
Necessário esclarecer que a Lei nº 8245/91, conhecida como Lei do Inquilinato, previu, em seu art. 48, as locações por temporada:
Art. 48. Considera – se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.
De uma perfunctória análise do referido artigo, percebe-se que existe uma previsão legal para que os proprietários disponibilizem seus imóveis a inquilinos, por períodos inferiores a noventa dias. Mas então por qual motivo a questão teria chegado aos Tribunais Superiores?
A divergência existe pelo fato de alguns operadores do direito entenderem que a locação por aplicativo caracterizaria atividade de hospedagem e, portanto, seria uma atividade comercial, vedada pela convenção dos condomínios e regida pela Lei nº 11.771 (Lei Geral do Turismo).
Já a outra corrente se posiciona no sentido de que os aplicativos são meros intermediadores da atividade de locação residencial prevista na Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato).
Para entendermos melhor o debate sobre a proibição da locação, cumpre trazer as diretrizes da LGT para que uma atividade seja considerada hospedagem e, portanto, comercial:
Art. 21. Consideram-se prestadores de serviços turísticos, para os fins desta Lei, as sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo: […]
Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.
Para que se caracterize hospedagem, é necessário que o fornecedor do serviço esteja devidamente cadastrado junto aos órgãos regulamentadores para desenvolver tal prática. E deve seguir, assim, todas as diretrizes previstas na LGT e no CDC, fornecer nota fiscal, possuir alvará de funcionamento, dentre outras.
Uma outra questão que diferencia a atividade de hospedagem da locação por temporada é o fato de que, na hospedagem, se fornecem diversos outros serviços além do simples alojamento do hóspede.
De outro modo, a Lei do Inquilinato não possui exigências tão complexas. Dessa forma, o proprietário, pessoa física ou jurídica, pode simplesmente tratar diretamente com o inquilino e ceder o uso da sua unidade por um período inferior a 90 (noventa) dias.
No caso concreto analisado pelo STJ, o Ministro Raul Araújo entendeu que a atividade desenvolvida pela proprietária se encaixaria como uma hospedagem atípica. Portanto, não poderia se enquadrar como locação por temporada, vez que não preenchia os requisitos formais da lei, pois estava sendo praticada atividade análoga às desenvolvidas pelos hostels.
O Ministro ratificou, ainda, que, por se tratar de locação por temporada, que exige prazo determinado, não seria lícita a formalização de forma verbal. Desse modo, deveria ter sido apresentado um contrato firmado entre as partes, razão pela qual enquadrou a atividade como comercial, sendo um contrato de hospedagem atípico, em favor, então, da proibição da locação.
Ao final do Julgamento, os Ministros reforçaram que a tese firmada naquele julgamento não poderia ser aplicada a todos os casos de maneira indistinta, uma vez que não estavam proibindo o uso dos aplicativos de intermediação.
Além do mais, o Ministro Antônio Carlos Ferreira contestou se o caso formaria precedente sobre a matéria.
Esse processo talvez não seja bom para extrair abrangência maior porque existem diversas formas e modalidades de locação: pode ser só parte do imóvel, locação integral, locação por temporada. E é indiferente a forma da oferta. Cada edifício tem uma característica própria.
Para o relator, Ministro Luís Felipe Salomão, a controvérsia do caso não se solucionaria analisando apenas o conflito entre direito de propriedade e direito de vizinhança.
A seu ver, o ponto principal é: não é possível a proibição absoluta da cessão do imóvel sob o argumento do desvirtuamento da finalidade residencial do prédio. A destinação econômica do apartamento não se confunde com atividade comercial.
Porém, vencido o Ministro Luís Felipe Salomão, firmou-se a seguinte tese:
É vedado o uso de unidade condominial com destinação residencial para fins de hospedagem remunerada, com múltipla e concomitante locação de aposentos existentes nos apartamentos, a diferentes pessoas, por curta temporada.
Analisando a tese firmada pelo STJ no julgamento do REsp 1.819.075/RS, percebemos que a situação está longe de ser pacificada. Além de ter sido firmada em uma demanda cujo objeto era a prática de locação fora dos padrões das locações por temporada, promovidas pelos aplicativos de intermediação, a decisão não possui efeito vinculante. Ou seja, os juízes não estão obrigados a aplicá-la em suas decisões.
Logo, a decisão é um marco importante para que o Poder Legislativo se movimente para suprir as lacunas da Lei e evitar que o Poder Judiciário seja abarrotado de demandas sobre um tema de extrema relevância e que causa impacto significativo na vida daqueles que residem em condomínios residenciais.
Enquanto não se aprovar nenhuma lei para resolver a questão da proibição de locação por aplicativos ou não, os condomínios e empreendedores devem consultar seus departamentos jurídicos a fim de viabilizar as possíveis alterações das convenções, para adequá-las à realidade de cada residencial. E devem fazer constar as normas e diretrizes a serem seguidas pelos proprietários que tenham interesse em ceder seus imóveis por meio dos aplicativos de intermediação, respeitando, assim, os requisitos legais e assegurando a Segurança, Sossêgo e Salubridade de toda a coletividade.
Escrito por:
ARTUR NASCIMENTO CAMAPUM, advogado, atua na área do Direito Civil, Imobiliário e Condominial, Sócio do Escritório Moura & Xavier – Advogados Associados, Vice-Coordenador do Núcleo de Direito Imobiliário, Urbanístico e Condominial do Instituto de Estudos Avançados em Direito. Seu E-mail para contato é: artur@mxradvogados.com, Está no Instagram como @arturcamapum.