No dia 5 de outubro de 2018, a Constituição Federal Brasileira de 1988 completou 30 anos. Chamada de Constituição Cidadã pelo então deputado e presidente da Assembleia Constituinte, Ulisses Guimarães, a CF de 88 também ficou conhecida como Constituição Verde e Ecológica. Afinal, nenhuma outra constituição brasileira prezou tanto pela proteção ambiental como esta.
A sétima (ou oitava) carta magna brasileira passou por um longo processo de aprovação, que começou em 1985. A CF de 88 representa a retomada da Democracia no Brasil, após a Ditadura Militar, que regia o país desde 1964. Apresentou, desse modo, grandes modificações tanto com relação à sociedade brasileira quanto à proteção ambiental.
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A CF de 88, no Capítulo VI do Título VIII, traz a regra matriz ambiental com o artigo 225. Este, assim, é considerado um dos mais avançados dispositivos em matéria de proteção ambiental. E a regra básica encontra-se logo no caput, que prevê:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Nesse sentido, a CF de 88 pode ser considerada “verde”, dada a amplitude da proteção ambiental que estabelece. O texto constitucional tutela o meio ambiente tanto no aspecto administrativo, civil e penal no artigo 225.
O parágrafo 1º do artigo 225, CF de 88, estabelece quais os deveres do Poder Público para a proteção do meio ambiente. Assim, observam-se os deveres em busca da efetividade da proteção ambiental:
1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
- preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
- preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
- definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
- exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
- controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
- promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Ressalta-se que o meio ambiente é um direito de todos, motivo pelo qual a proteção ambiental é um dever do Poder Público.
O artigo 225, da CF de 88, ainda, prevê a penalização de práticas lesivas ao meio ambiente. É importante destacar que, nem sempre, essas condutas poderão ser desfeitas ou contornadas. Desse modo, a penalização prevista atua, principalmente, sob caráter preventivo. A intenção do constituinte era coibir as práticas lesivas ao meio ambiente e, assim, promover a proteção ambiental.
Sob essa lógica, os parágrafos 2º e 3º dispõem:
2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
O artigo 225, CF de 88 prevê, também, algumas áreas de proteção ambiental que são indisponíveis. O parágrafo 4º, por exemplo, dispõe acerca de patrimônios nacionais, cuja utilização depende de autorização. O objetivo, desse modo, é sempre garantir a proteção ambiental. De igual modo, o parágrafo 5º torna indisponíveis as terras devolutas (terras públicas sem destinação específica) ou arrecadadas pelos Estados.
Portanto, observa-se a redação dos parágrafos:
4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
O artigo 225 da CF de 88 também estabelece sobre a localização das usinas nucleares pelo viés da proteção ambiental. O parágrafo 6º do artigo 225 dispõe que as usinas nucleares deverão ser instaladas em área definida por lei federal. É uma medida que visa a minimização dos danos ambientais decorrentes de eventuais acidentes. O Brasil, atualmente, conta com duas usinas nucleares e uma em fase de instalação (Angra I, II e III), todas localizadas em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
Por fim, o artigo 225 da CF de 88 também inclui como proteção ambiental, a defesa da fauna. Acerca do uso de animais em práticas desportivas, o parágrafo 7º do art. 225, CF, relativiza a sua utilização quando se tratar de uma manifestação cultural. É a redação do parágrafo:
7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
A redação do parágrafo 7º é polêmica, na medida em que autorizaria práticas degradantes consideradas manifestações culturais. No entanto, em 2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu acerca da vaquejada, no sentido da proteção dos animais. Embora evoque o inciso VII, do parágrafo 1º do art. 225, da CF de 88, e não mencione o parágrafo 7º, é importante a análise da decisão para compreensão desse ponto no âmbito da proteção ambiental.
VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE.
A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada.
(STF, Tribunal Pleno, ADI 4983, rel. min. MARCO AURÉLIO, julgado em 06/10/2016, publicado em 27/04/2017)
No entanto, além do art. 225, encontram-se na CF de 88 vários outros dispositivos constitucionais, dentro dos mais variados temas, que, de forma direta ou indireta, cuidam da proteção ambiental. Entre eles, pode-se citar:
Como se verifica, portanto, a proteção ambiental é abordada de forma ampla na CF de 88.
O caput do artigo 225 determina que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. A utilização do pronome indefinido todos aumenta a abrangência da norma. E insere, assim, o direito ao meio ambiente como um direito difuso.
Em linhas gerais, o direito difuso é o que extrapola a esfera individual. Tem, portanto, como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por uma situação danosa de fato (art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor). Além disso, o pronome indica que a proteção ambiental é extensível não somente aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil (presente geração), mas igualmente às gerações futuras.
Em primeiro plano, a locução “todos têm direito” significa que a proteção ao meio ambiente é um direito público subjetivo, oponível contra todos – e não somente contra o Estado. A proteção ao meio ambiente, de fato, pode ocorrer em face do Estado ou mesmo de um particular. Por exemplo, pode ocorrer em face de um vizinho que esteja desmatando uma floresta nativa.
Já a expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” remete-nos à noção de equilíbrio ecológico. Ou seja, a um estado ou situação na qual as populações das diferentes espécies permanecem mais ou menos constantes, mediadas pelas interações entre elas.
O bem de uso comum do povo trata-se de expressão prevista no art. 99, I, do Código Civil. No entanto, na área ambiental, a expressão adquire uma conotação própria e específica. Em relação à questão ambiental, o bem de uso comum do povo seria aquele que pode ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites legais.
A proteção ambiental, portanto, é essencial à sadia qualidade de vida, pois não dá para pensar em sadia qualidade de vida sem um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ou seja, sem o necessário equilíbrio dos recursos ambientais.
Impõe-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente. Nota-se que o Poder Público, em todas as suas esferas de atuação – administrativa, legislativa ou judicial –, deve tomar as medidas para preservação, conservação e proteção ambiental e, consequentemente, garantir a proteção do meio ambiente.
A coletividade também assume importante papel, uma vez que atuará não só por meio de participação em órgãos colegiados, mas também diretamente. Poderá manifestar-se, assim, nas audiências públicas ou na via processual, mediante as associações nas ações civis públicas. Ou mesmo, poderá atuar diretamente, por intermédio de iniciativa popular, na ação popular de defesa ambiental.
Quando se fala da proteção ambiental para as presentes e futuras gerações, trata-se de típico direito de terceira geração. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de toda a coletividade e deve ser preservado para a sociedade atual, bem como para a futura, ressaltando o que alguns consideram o caráter intergeracional desse direito.
Contribuiu para o artigo Dr. Jocelino Antônio Laranjeiras Neto, advogado, professor, secretário na Comissão de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, juiz do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB Goiás, Diretor do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e Conselheiro da Associação Goiana dos Advogados Trabalhistas (AGRATA).