Dar início a uma ação penal é uma das tarefas mais comuns no dia a dia dos advogados que atuam no âmbito do Direito Penal. Contudo, a petição inicial não é o único tipo de peça processual para esse fim. Pelo contrário, tem-se também a queixa-crime.
Oferecida exclusivamente em ações penais privadas, a queixa-crime traz uma série de particularidades, uma vez que coloca o advogado, enquanto procurador, numa posição contrária àquela de defesa.
Por isso, entender as bases legais e o que é a queixa-crime, bem como, saber como elaborar uma queixa, é essencial para esse tipo de profissional. E é isso que abordaremos neste artigo. Fique conosco, e boa leitura!
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A queixa-crime é uma peça processual capaz de dar início a uma ação penal privada. Por sua vez, a ação penal privada é aquela apresentada pelo próprio ofendido – chamado também de querelante. E não pelo Ministério Público, como ocorre nas ações públicas.
Portanto, no cenário da ação privada, a queixa-crime equivale a uma petição inicial. Neste caso, se aceita, a queixa-crime terá o papel de dar início a ação.
Para seguir aprendendo, leia mais sobre os tipos de ação penal.
Para ter clareza sobre o que é a queixa-crime, cabe entender o que a lei traz acerca desse instrumento.
A queixa-crime é mencionada no Art. 41 do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/41), nos seguintes termos:
Art. 41 A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
Além do Art. 41, que determina quais informações devem constar na queixa-crime, o CPP também é o dispositivo legal em que se estabelecem outras normativas para o oferecimento da queixa – como veremos nas próximas seções.
Além do CPP, também o Código Penal serve para qualificar esse instrumento. No parágrafo segundo do Art. 100 desse diploma, tem-se:
§ 2º – A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
Como já vimos, a queixa-crime tem o intuito de dar início a uma ação. Mas, em quais tipos penais cabe apresentar queixa-crime?
Todos os crimes que podem ser apurados por meio de ação penal privada são passíveis do oferecimento de queixa-crime. Dentre eles, segundo o Direito Penal, temos:
O Art. 30 do CPP traz, claramente, a quem cabe a iniciativa de dar início a uma ação penal privada, por meio da elaboração de uma queixa-crime:
Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.
Já o Art. 31 do mesmo código deixa claro qual o procedimento em caso de falecimento do ofendido. Outros entes podem assumir a queixa, conforme segue:
Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Em complementaridade ao trecho da lei mencionado acima, tem-se o Art. 36, por meio do qual fica estabelecido que a prioridade de apresentação de queixa ou prosseguimento da ação, em caso de falecimento do querelante, é do cônjuge.
Depois, seguem-se os demais parentes próximos, de acordo com a ordem apresentada no Art. 31.
Além disso, o CPP também determina quem pode representar o querelante, quando este for menor de 18 anos, mentalmente enfermo, ou não tiver representante legal apto. Nestes casos, estabelece o Art. 33, caberá a um curador especial exercer o direito da queixa.
Na situação acima relatada, o curador será nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente. Se o querelante tiver entre 18 e 21 anos, por outro lado, a queixa poderá ser exercida por ele próprio ou por seu representante legal.
Importa ainda ressaltar que, nas hipóteses em que a queixa é apresentada por um procurador ou representante legal, deve este possuir uma procuração específica para tal. Nos termos do Art. 44 do CPP, tem-se:
Art. 44. A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal.
Assim, deve o advogado estar em posse dessa procuração de poderes especiais, a fim de que possa representar seu cliente na apresentação da queixa.
Para seguir aprendendo, leia nosso artigo sobre procurações.
Agora que você já sabe quem está apto a apresentar uma queixa-crime, é hora de entender como são chamadas as partes nessa peça processual.
Diferentemente de uma petição inicial comum, ou de uma denúncia apresentada pelo Ministério Público, na queixa-crime as partes recebem denominações específicas. São elas:
Além disso, as peças de queixa-crime podem contar ainda com um procurador ou representante legal, que equivale ao advogado da parte querelante.
O primeiro prazo que se deve ter em mente no que diz respeito à queixa-crime é o prazo legal para que se apresente esse instrumento, sem que ocorra a decadência.
Segundo o Art. 38 do Código de Processo Penal, o querelante tem até seis meses para apresentar a queixa, contado a partir do dia em que vier a saber quem é o autor do crime.
Cabe ressaltar que, naqueles casos em que se intenta uma queixa-crime para motivar ação penal privada em virtude do Ministério Público ter se ausentado de apresentar denúncia no prazo estipulado, o prazo do querelante também é de seis meses.
Neste último caso, no entanto, os seis meses são contados a partir do momento que se esgota o prazo do MP para apresentação da denúncia. Essa normativa está disposta tanto no Art. 38 do CPP, quanto no Art. 103 do Código Penal.
Outro prazo importante é o de aditamento, que poderá ser realizado pelo MP nos termos do Art. 45 do CPP. O MP, de acordo com o §2o do Art. 46, tem prazo de três dias – contados do dia em que o órgão recebe os autos – para apresentar aditamento.
Além do prazo de decadência e de aditamento, é preciso que a parte querelada esteja atenta às circunstâncias em que se dá a perempção da ação. No Art. 60 do CPP tem-se que a ação será considerada perempta quando:
Para seguir aprendendo sobre os prazos processuais para extinção da ação, confira nosso conteúdo sobre decadência e prescrição.
O Código de Processo Penal traz em seu texto (Art.395) os motivos pelos quais a queixa-crime ou denúncia pode ser rejeitada. Dentre eles:
Mas, para além dessas situações que podem causar a rejeição, é preciso estar atento ao atraso no andamento processual, causado pela eventual falta de informações ou pela apresentação incorreta delas.
Por isso, abaixo, reunimos um passo a passo com tudo que não pode faltar num modelo simples de queixa-crime. Confira!
Assim como ocorre em uma petição inicial, a primeira linha de uma peça de queixa-crime será, sempre, o endereçamento.
Neste caso, a regra geral é endereçar ao “AO JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE … ESTADO DE …”.
Embora alguns operadores do Direito ainda usem a forma direcionada ao juiz – “ao excelentíssimo Senhor Juiz…” – não há obrigatoriedade de fazê-lo.
Os primeiros parágrafos, como de praxe nas iniciais, devem ser dedicados à apresentação das partes.
Primeiro, apresenta-se o querelado. Para isso, deve-se incluir nome completo, nacionalidade, estado civil, profissão, número no Registro Geral (RG), no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) – ou, no caso de pessoas jurídicas, Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) – e endereço completo atual.
No mesmo parágrafo em que ocorre a identificação do querelado, pode-se fazer menção também a seus advogados, quando houver.
Para isso, pode-se usar expressões como “….neste ato, representado por seus procuradores, conforme instrumento particular/público de procuração anexo”. Ou ainda, optar por “neste ato representado por seu advogado abaixo assinado, conforme procuração anexa a este instrumento”.
Em seguida, deve-se deixar claro de que tipo de peça se trata e a quem ela é dirigida. Por isso, é essencial especificar, em parágrafo único, que se está frente ao oferecimento de uma queixa-crime.
E por último, detalha-se quem é o alvo da ação penal que a queixa-crime visa iniciar: o querelado. Da mesma forma como ocorreu com o querelante, também o querelado deve ser identificado por meio de seus dados pessoais.
Em havendo mais de um querelado, é importante que a queixa-crime identifique-os, a todos, em sequência.
A apresentação dos fatos criminosos é um elemento essencial da queixa, previsto no Art. 41 do CPP.
Assim sendo, cabe ao procurador, a partir do relato e das provas apresentadas pelo querelante, realizar um relato suscinto e cronológico dos fatos que caracterizam o crime em questão.
A descrição do ato criminoso, data e horário em que foi praticado, bem como, do momento em que o crime se tornou conhecido pelo querelante, são elementos essenciais de uma seção “dos fatos”.
Em que pese a queixa-crime não ser sinônimo de petição inicial, ambas têm um aspecto similar: devem dar ao juiz conhecimento sobre o que se passou e justificar, com base na lei, os motivos pelos quais se requer a atuação do poder judiciário.
Assim sendo, deve-se especificar com clareza em quais artigos do Código Penal o ato criminoso pode ser classificado. Cabe, ainda na seção “Dos direitos”, detalhar se há elementos subjetivos ou qualificadoras para o crime.
E, uma vez que a queixa-crime é uma peça relacionada à ação penal privada, recomenda-se também que o advogado tenha o cuidado de justificar, nesta passagem, os motivos pelos quais acionou esse instrumento. Isto é, explicar porque o feito se trata desse tipo de ação.
Após a contextualização, ao magistrado, acerca dos fatos e do direito, é hora do procurador apresentar seus pedidos.
Assim, o primeiro e mais recorrente pedido é para que a queixa-crime apresentada seja aceita e autuada pelo juiz. Apenas assim é possível que se dê prosseguimento a ação.
Em seguida, pode-se pedir a citação do querelado, a designação de audiência de instrução – em alguns crimes, antes, há uma audiência de conciliação -, e por fim, pede-se pela condenação do réu.
O pedido de condenação, finalidade pela qual se dá início ao processo, deve vir acompanhado da indicação dos artigos do Código Penal que tipificam o crime e a pena prevista.
E, por fim, como veremos a seguir, algumas peças de queixa-crime arrolam testemunhas, motivo pelo qual pode-se pedir também pedir a intimação das testemunhas para realização de oitivas.
O Código de Processo Penal prevê que, no corpo da queixa-crime, sejam arroladas as testemunhas pertinentes – quando assim o houver. Na letra da lei:
Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
[…]
§ 2o A acusação deverá arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), na denúncia ou na queixa.
Portanto, uma vez que se tem interesse em apresentar testemunhas, é importante que elas estejam listadas ao final da queixa. Assim como ocorreu na apresentação das partes, também as testemunhas deverão ser identificadas por meio de seus dados pessoais.
Por fim, mas não menos importante, a queixa-crime deverá vir assinada, no mínimo, pelo procurador do querelante – o advogado. Cabe, junto à assinatura, incluir local e data da confecção da queixa, bem como, o número de inscrição do advogado na OAB.
Em alguns casos, como medida de segurança, o advogado pode colher a assinatura também do querelante. Abordaremos esse ponto nas próximas seções.
Como você percebeu ao longo deste artigo, muitas vezes “queixa” e “denúncia” aparecem lado a lado no CPP e no CP. Entretanto, esses termos são equivalentes? A resposta mais simples é: não, tratam-se de peças diferentes.
Contudo, mais do que qualquer diferença na forma textual e estrutura da peça, a distinção entre queixa-crime e dúvida se encontra na titularidade. Vejamos:
Portanto, embora parte dos ritos processuais seja equiparável, a confecção e os efeitos da queixa-crime e da denúncia não são necessariamente os mesmos.
Diferente do que ocorre na maioria das ações penais, ao confeccionar uma queixa-crime, o advogado do querelante deixa de lado a posição de defesa e passa a atuar, em certa medida, com um viés acusatório.
Por isso, alguns cuidados especiais devem ser tomados pelo advogado. Vejamos os principais, abaixo.
Antes de oferecer uma queixa-crime, deve o advogado certificar-se de que pode provar que todas as afirmações contra o ofensor foram trazidas pelo querelante.
Para isso, muitos advogados vão requerer que o seu cliente – o querelante – assine também a peça inicial – isto é, assuma a autoria sobre a queixa-crime. Outra medida nesse mesmo sentido é formalizar um termo de declarações do querelante.
A procuração de poderes especiais, acompanhada do termo de declarações e da assinatura do querelante na queixa, são três medidas garantidoras.
Por meio delas, o advogado assegura que não será acusado por denunciação caluniosa, caso alguma das afirmações feitas pelo querelante se mostre inverídica.
A denunciação caluniosa ocorre quando se dá causa à instauração de uma investigação ou de um processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente. A pena, nestes casos, varia de 2 a 8 anos de prisão, além de multa.
O segundo ponto de atenção para os advogados está diretamente relacionado ao princípio da indivisibilidade, segundo o qual, uma vez que se apresenta queixa, se renuncia ou se perdoa um dos autores do crime, esta ação se estenderá a todos os demais.
Logo, nos termos do Código de Processo Penal, tem-se:
Art. 48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade.
Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá.
E, ainda, em relação ao perdão:
Art. 51. O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que produza, todavia, efeito em relação ao que o recusar.
Assim sendo, antes de listar os querelados, deve o advogado certificar-se junto ao querelante de que a lista de querelados representa a totalidade dos envolvidos no feito.
Ao incluir no rol de partes um querelado perante o qual, posteriormente, o querelante entender que não cabe queixa – ou que cabe perdão -, há que se ter em mente a obrigatória extensão desse efeito sobre todos os demais.
É comum que os advogados criminalistas, cuja atuação se dá sobretudo no campo da defesa, estejam pouco habituados aos prazos relacionados à apresentação da queixa-crime – e à tramitação da ação penal privada como um todo.
Por isso, além de anotar em um local de fácil acesso todos os prazos previstos – a maioria dos quais foi mencionada neste artigo – o advogado pode contar ainda com a ajuda de algumas ferramentas.
É o caso, por exemplo, de softwares jurídicos, como o Projuris. Por meio do Projuris ADV o advogado tem acesso a uma calculadora de prazos e pode, ainda, automatizar o recebimento de lembretes sempre que a data máxima estiver se aproximando.
Além disso, alguns softwares jurídicos – é o caso do Projuris ADV, por exemplo – podem se integrar a outras agendas online utilizadas por você, de modo a centralizar eventos e compromissos em um único local.
Essas são medidas simples que ajudam os advogados a visualizar as datas relacionadas a ação penal e, sobretudo, a não deixar nenhum prazo de lado.
Queixa-crime é um tipo de peça processual, que equivale a petição inicial. Contudo, diferente de uma inicial, a queixa-crime é oferecida exclusivamente em ações penais privadas.
Outra particularidade está no fato de que a queixa-crime só pode ser oferecida pelo ofendido – o querelante – ou por seu representante legal, na figura do procurador judicial.
A queixa-crime está prevista tanto no Código de Processo Penal (CPP) quanto no Código Penal (CP). No primeiro, tem-se menção às informações que compõem o corpo da queixa-crime, no Art. 41.
Já o Código Penal traz a qualificação do que é uma queixa-crime, em seu Art. 100.
Na elaboração de uma queixa-crime, o querelante – ou seu advogado, munido de uma procuração de poderes especiais – deve apresentar as partes, explicar cronologicamente o fato criminoso, trazer a fundamentação legal que embasa e tipifica o crime e, por fim, explicitar o pedido de aceite da queixa-crime, bem como, de condenação do querelado.
Além disso, na hora de fazer a queixa-crime, deve o querelante listar as testemunhas de seu interesse – respeitando o limite legal de oito testemunhas.
Agora que você já entendeu o que é e como fazer um modelo padrão de queixa-crime, está evidente que esse é um tipo de peça processual fundamental na atuação do advogado criminalista, não é mesmo?
Estar atento às especificidades da queixa-crime – e adotar as medidas de prevenção mencionadas neste artigo – lhe colocará numa posição mais ética e segura.
Além disso, a elaboração correta e cuidadosa da queixa-crime também contribui de maneira definitiva para se obter êxito ao fim da ação. E, com isso, garantir também um bom relacionamento com seu cliente. Siga as dicas que trazemos aqui, e bom trabalho!
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View Comments
Congratulações! Artigo de fácil compreensão e abarcando profundidade ao tema proposto
Aprendi aqui o que minha professora deveria ter ensinado. obrigada por facilitar meus estudos.
Obrigada pelos esclarecimentos, me ajudou bastante.
Professor, excelente seu artigo, contudo restou-me uma dúvida:
O Querelante, sem recursos financeiros para pagar advogado, pode ser representado pelo Delegado de Polícia, na apresentação da Queixa-crime ao Juiz ?
Boa explanação e explicação. Uma boa aula. Parabéns.
Artigo excelente.muito me ajudou. Espero receber outros artigos. Att
Bastante perceptível, como angola gosto muito da forma de como os nossos irmãos brasileiros abordam os assunto.
Conteúdo muito bem colocado.
Sou principiante no ramo da advocacia, razão pelo qual gostaria de acompanhá-lo e consequentemente aprender consigo.