Em setembro de 2023, os times de futebol brasileiros, junto de algumas emissoras de televisão e pessoas famosas adotaram uma campanha importante “com racismo não tem jogo”. A campanha é uma forma de apoiar o jogador da seleção brasileira de futebol, Vinicius Junior.
O jogador, que atua no Real Madrid, time da liga espanhola, vem sofrendo diversos ataques dos times adversários durante os jogos do time. Sendo chamado por diversas vezes de “mono”, em português “macaco”.
O estopim para o início da campanha foi o jogo contra o Valencia no dia 21 de maio do ano passado, mas não foi esta a primeira vez que o jogador brasileiro sofreu estes ataques.
A campanha parece não ter surtido efeito, em Janeiro de 2024 no jogo da Copa do Rei do Atlético contra Real Madrid na Espanha, novamente Vinicius recebe o coro da torcida chamando-o de macaco.
O caso de Vinicius não é isolado. 75% dos casos de discriminação no ambiente de trabalho é racismo, de acordo com a pesquisa da empresa CEGOS que ouviu 4 mil profissionais de RH. No campo de futebol ou no ambiente corporativa a injúria racial está no dia-a-dia da população não só espanhola mas também no Brasil.
No Brasil, o racismo é crime. O que não impede que atos racistas sejam praticados a luz do dia.
Não podemos nos esquecer de casos como o do motoboy Alessandro Monteiro Martins, que no início de 2023, enquanto trabalhava uma mulher começou a xingá-lo e proferir palavras de cunho racista contra ele. Ou então, do entregador que, ao entrar em um condomínio de luxo em valinhos para fazer a entrega, ouviu de um homem branco que ali morava que ele invejava as casas e sua cor de pele (branca). Ou ainda, o caso em que duas influenciadoras “presentearam” crianças pretas com bananas e macacos de pelúcia, o que foi apontado como racismo recreativo pelos internautas e pela especialista em Direito Criminal Dra. Fayda Belo.
Neste artigo, falaremos mais sobre este crime, suas penalidades e outras questões relativas como a origem da consciência negra no Brasil.
A LEI Nº 7.716 de janeiro 1989, define que:
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Assim, o crime de racismo é qualquer tipo de discriminação relativa a raça. Apesar desse conceito ser relativamente conhecido pela maioria das pessoas, não é comum que as pessoas saibam diferenciar os tipos de racismo e até o que é racismo, preconceito e discriminação. Vamos explicar tudo isso a seguir.
Muitas pessoas tendem a achar que racismo, preconceito e discriminação são o mesmo. Entretanto, apesar de serem, sim, similares, esses contatos são diferentes.
Enquanto o preconceito trata-se de, como o próprio nome já diz, um conceito sobre algo sem conhecimento prévio, a discriminação é o ato de tratar, de forma distinta, algo ou alguém, devido a alguma característica.
Por exemplo, a discriminação pode acontecer devido à orientação sexual, ao gênero, cor da pele, entre muitos outros fatores. Logo, já é possível entender qual a diferença, então, em relação ao racismo.
O racismo é um tipo de discriminação devido à cor da pele mas não só. Podemos inserir também, dentro das ações de discriminação racial as relativas ao comportamento, cultura, modo de falar, traços físicos e até discriminação dos praticantes de religiões de matriz africana.
Outro conceito que muito se confunde é o do crime de racismo com a injúria racial. A diferença entre eles é que, enquanto a injúria racial trata-se da ofenda à honra de alguém, se valendo de raça, cor, etnia ou religião e está previsto no código penal, o racismo trata-se da discriminação a um grupo muito maior.
O código penal define:
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
(…)
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência: (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)
Até o ano de 2022, apenas no crime de racismo a pena era inafiançável e imprescritível. O que deixa a distinção mais clara tratando-se de penas. Contudo, a lei 14.532/2023 equiparou a injúria racial e o racismo, tornando a pena por injúria mais severa com reclusão de dois a cinco anos além de multa. O crime de injúria passou a ser também inafiançável e imprescritível.
Muitas vezes, quando se fala em racismo, surgem discussões a respeito do que seria ou não esse crime. A dúvida acontece porque existem diferentes tipos de racismo e nem sempre será óbvio para quem os desconhece que o ato cometido foi um crime. Vejamos um pouco melhor sobre cada um deles:
Os casos citados na introdução deste artigo apresentam casos que se enquadram nesta tipificação de racismo. São crimes mais evidentes, que não existe maneira de contestar que houve racismo. É quando algum tipo de serviço é negado a uma pessoa devido à cor da sua pele, quando a pessoa é insultada pela mesma razão, quando a pessoa sofre alguma violência física ou é submetida à alguma situação que tire os direitos do indivíduo.
É aquele tipo de racismo que não é cometido por uma única pessoa, mas vem de um contexto maior. São casos “menos evidentes” e são cometidos pelas instituições públicas e privadas.
Por exemplo, nos casos de violência policial cuja população que mais sofre é a negra. Podemos observar isso nos casos, por exemplo, de George Floyd, nos EUA, que deu início aos protestos “Black Lives Matter” em português “Vidas negras importam”, e no caso de Genivaldo Jesus dos Santos, morto pela PRF em 2022.
Na música “A Carne”, de Elza Soares, ela diz “A carne mais barata do mercado é a carne negra”. Referindo-se a esses casos de genocídio do povo negro que há tanto tempo assola o país e às outras discriminações raciais que existem no Brasil.
Como o nome diz, é parte da estrutura. Este tipo de racismo é um pouco mais complexo, uma vez que, é perceptível em ações “mais brandas”. Muitas vezes em falas, piadas e comportamentos embutidos no nosso dia a dia. Além disso, podemos perceber esse tipo de racismo quando poucas pessoas não brancas ocupam cargos de chefia, quando a maioria dos estudantes em universidades é branca, etc.
É importante apontar que existe também o racismo relacionado à cultura. O discurso de que uma cultura seria superior a outra foi usado como justificativa para diversos atos desde a antiguidade, como a colonização de outros povos e a escravidão.
A discriminação de estilos músicas como o hip hop, samba e até o funk podem enquadrar-se nesta categoria, já que seus maiores precursores são a população negra.
Por fim, outro tipo de racismo é o religioso. Neste caso, na legislação brasileira o racismo religioso pode ser enquadrado em dois tipos de crime: intolerância religiosa e o crime de racismo propriamente dito.
O antissemitismo, por exemplo, é um tipo de racismo religioso, uma vez que é o ato discriminatório com pessoas da religião judaica. Como existem muitas famílias de costume judaico no mundo, e nem todas praticam a religião, hoje, essa denominação também é utilizada culturalmente. Logo, o antissemitismo pode ser considerado também racismo cultural.
No Brasil, as religiões que mais sofrem com o racismo religioso são as de matriz africana, como a Umbanda e Candomblé. Este tipo de preconceito vai desde chamar as entidades da religião de “demônios”, expressões que estão no nosso dia a dia, como “chuta que é macumba” até destruição de terreiros e outros templos sagrados para os praticantes destas religiões.
O racismo surge a partir de uma ideia de superioridade de raça, supremacia. Foi por acreditarem ser superiores que os gregos e latinos, na antiguidade, chamavam estrangeiros de bárbaros. Por essa mesma razão, anos depois, os europeus escravizaram povos indígenas e africanos.
Apesar da abolição da escravidão, em todo o mundo, as pessoas submetidas à essas violências seguem sendo considerados “inferiores” e sofrendo ataques dos mais diversos tipos, como visto nos casos citados na introdução.
Além disso, ao longo da história da humanidade acompanhamos vários movimentos racistas, como a Ku Klux Klan,o nazismo, etc.
O art. 2º da Lei nº 7.716 define que a pena de injúria ofendendo a dignidade de alguém em razão de raça, cor, etnia ou nacionalidade tem pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa. Mas, se a ofensa for realizada por duas ou mais pessoas, a pena é aumentada pela metade.
Também tem pena de 2 a 5 anos para casos em que o indivíduo é impedido de assumir cargo público devido a sua cor, raça, etnia ou nacionalidade. O mesmo vale para cargos em empresas privadas.
Outras situações também são passíveis de punição sob pena de reclusão e multa. Para ver a lista completa, veja: Lei nº7.716 de Janeiro de 1989.
Nessa Lei ainda proíbe-se qualquer apologia a movimentos supremacistas, isto é, a divulgação de imagens ou falas que remetam a estes grupos.
Existem alguns agravantes que aumentam a pena dada de até 5 anos mais multa. A lei 14.532 promulgada em janeiro de 2023, levanta dois novos casos em que isso ocorre:
2- A pena será aumentada de um terço até 50% quando o crime ocorrer em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação;
3- Quando o crime de racismo ou injúria racial for cometido por funcionário público, conforme definição prevista no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las a pena será aumentada de um terço até metade do tempo previsto.
Há algum tempo se discute sobre o quanto a legislação proibir certas falas vai contra o Direito da Liberdade de expressão. Entretanto, a própria liberdade de expressão, disposta na Constituição Federal de 1988 aponta o limite deste direito. Isso porque, o art. 5º da constituição, o mesmo que diz que “todos são iguais perante a Lei”, em seu inciso XLII, dispõe:
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Ou seja, diferentemente dos Estados Unidos, nossa Lei máxima não é a liberdade (de expressão), mas sim a igualdade entre os cidadãos. Logo, a própria legislação limita a liberdade de expressão quando fere o outro.
A luta contra o racismo é uma luta de todos nós. Entretanto, como vimos no artigo, ainda existem muitos casos de pessoas que acreditam em ideologias supremacistas. Por essa razão, e como os crimes ainda acontecem, é necessária a intervenção do estado por meio de leis que criminalizem tais atos. Assim, a lei não vai evitar que aconteça, mas pode punir os responsáveis em casos de discriminação racial.
Um caminho importante para evitar casos de crimes racistas é a educação que deve ser o ano todo, contudo o dia da consciência negra é um marcador para lembrarmos o tema.
A data existe desde 1960, inicialmente celebrada pelo movimento negro demonstrando a resistência à escravidão. A data oficial é muito mais recente, apenas em 2011 o dia da consciência negra vira lei e entra para o calendário.
O dia 20 de novembro é uma homenagem a Zumbi de Palmares, um dos lideres da luta contra a escravidão no país.
E por fim, no final de 2023, em mais um marco importante para a luta antirracista a data tornou-se feriado nacional pela lei 14.759.
O racismo e na injúria racial são crimes no Brasil o que não impede demonstrações públicas de repudio contra a população negra. Diversos casos não são nem denunciados. Advogados e advogadas criminais devem estar preparados para atender aos casos de denúncia do racismo e atentos ao código criminal e leis adjacentes.
Percebemos que o tema ainda é novo no judiciário e novas mudanças legais podem ocorrer nos próximos anos.