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Direito ao reconhecimento de vínculo empregatício de policial militar

Em nosso cotidiano, é comum nos deparamos com policiais militares prestando serviços a empresas privadas, além da corporação, seja como vigilante, porteiro, entre outros. Contudo, por ausência de conhecimento das empresas, a grande maioria destes profissionais não possuía carteira de trabalho assinada, isto é, não existia reconhecimento de vínculo empregatício, em virtude de sua função de policial militar.

Vale salientar que, a circunstância de o obreiro fazer parte do efetivo da Polícia Militar e encontrar-se vinculado ao estatuto desta corporação, não elide a pretensão de ver analisado o pleito relativo a possível vinculação com a empresa privada nos moldes da CLT, tendo em vista que a proibição contida nas leis municipais e estaduais tem aplicação restrita e interna corporis, não podendo se sobrepor ao ordenamento Constitucional, que não faz este tipo de vedação.

Nesse sentido, é imperioso ressaltar que, a controvérsia doutrinária acerca da legitimidade do reconhecimento do liame de emprego de policial militar com empresa privada já está pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho com a edição da Súmula nº 386, senão vejamos:

POLICIAL MILITAR. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM EMPRESA PRIVADA – Preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar. (ex-OJ nº 167 da SDI-1 -inserida em 26.03.1999).

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Qual a jurisprudência do TST sobre reconhecimento de vínculo empregatício de policial militar com empresa privada?

A jurisprudência do TST também é nesse sentido:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. POLICIAL MILITAR. SEGURANÇA PRIVADA. REQUISITOS DO ART. 3º DA CLT. SÚMULA Nº 386 DO TST. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO. I. Segundo o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, desde que preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é possível o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada. Ou seja, há que ficar caracterizada a pessoalidade, a não eventualidade, a onerosidade e a subordinação na relação mantida entre as partes, nos termos do disposto na Súmula nº 386 do TST.II. Na espécie, o egrégio Colegiado Regional entendeu ser impossível reconhecer o vínculo de emprego entre o policial militar e a Reclamada, sob o argumento de não configuração do requisito da ‘pessoalidade’. Apresentada divergência jurisprudencial, de acordo com as Súmulas 296 e 337, ambas do TST. O fato de o trabalhador se fazer substituir por outra pessoa, eventualmente, nos dias em que ficava impedido de comparecer ao trabalho em virtude de sua função de policial militar, não permite concluir, por si só, que estaria ausente a pessoalidade. III. Assim, demonstrada a presença dos requisitos do art. 3º da CLT, não há como deixar de reconhecer o vínculo empregatício. Por conseguinte, correta a r. sentença em que se declarou a existência da relação de emprego entre as Partes. IV. O Tribunal Regional, ao reformar a sentença, decidiu de forma contrária ao entendimento desta Corte Superior. Transcendência política reconhecida. V. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST-RR: 10013632620175020261, Relator: Alexandre Luiz Ramos, Data de Julgamento: 01/06/2021, 4ª Turma, Data de Publicação: 11/06/2021).

O que diz a CLT sobre reconhecimento de vínculo empregatício de policiais militares?

Dispõe o art. 3º da CLT que “considera-se empregada toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Deste conceito, a doutrina e a jurisprudência evidenciaram quatro requisitos que, se preenchidos, repita-se, todos, formam o contrato de emprego sob a égide da CLT, são eles: a pessoalidade, a onerosidade, a continuidade e a subordinação.

Posto isso, preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar.

Por que é importante o reconhecimento de vínculo empregatício entre policial militar e empresa privada?

Os requisitos da relação de emprego, quando o trabalhador é policial, merecem análise acurada, pois, do contrário, o vínculo jamais será reconhecido. Algumas empresas procuram justamente os policiais militares para fazer sua segurança pelos seguintes motivos: o trabalhador já possui sua principal ferramenta de trabalho (arma) e a empresa, como não a fornece, transfere o custo da atividade, além de não precisar oferecer treinamento, já que o policial sabe precisamente manusear arma de fogo, o que evita gastos e investimentos.

Ademais, a intenção de não exigir a pessoalidade é premeditada e conveniente à empresa, pois, o policial tem contato fácil com os demais colegas de trabalho e, precisamente por isso, consegue outros trabalhadores para substituí-lo.

É essencial à configuração da relação de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter de infungibilidade, no que tange ao trabalhador. A relação jurídica pactuada -ou efetivamente cumprida -deve ser, desse modo, intuitu persona e com respeito ao prestador de serviços. Que não poderá, assim, fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados. Verificando-se a prática de substituição intermitente -circunstância que torna impessoal e fungível a figura específica do trabalhador enfocado-, descaracteriza-se a relação de emprego, por ausência do segundo elemento fático-jurídico (p. 271 -9ª edição).

Godinho Delgado

Ora, é sabido que as empresas se beneficiam da prestação de serviços por parte de policiais, ainda porque sabem que seus vencimentos públicos são baixos e a assunção de segundo trabalho com registro constitui infração funcional.

Cuidados que um policial militar deve ter ao prestar serviços à empresa privada

Além disso, deve-se tomar cuidado com os chamados “bicos”. Isso porque, esses profissionais Policiais Militares sempre são contratados para fazê-los, de forma eventual e precária. Muitas das vezes, inclusive, ocorrem sem a pessoalidade, pois podem ser substituídos por outras pessoas. Infelizmente, isso é algo que ocorre constantemente, pois não podem escusar a se apresentar na Polícia Militar quando requisitados.

Nesse sentido, nas ações que envolvem o reconhecimento de vínculo empregatício e as verbas decorrentes do contrato de trabalho, é ônus do policial obreiro provar a relação de emprego existente, nos termos do artigo 818, I da CLT. Se provado o mínimo, nesse caso, inverte-se ônus da prova a empresa, nos termos do inciso II do artigo retro mencionado.

Assim, não se pode olvidar que o contrato de trabalho é um contrato realidade, cujos seus efeitos são extraídos da forma pela qual se realiza a prestação de serviços. Portanto, estando presentes todos os requisitos caracterizadores do vínculo de emprego insculpidos nos artigos 2º e 3º da CLT, enseja, assim, o desencadeamento da aplicação das normas jurídico-trabalhista se o reconhecimento da relação de emprego, com a consequente anotação do contrato de trabalho na CTPS do policial e ainda o pagamento de todas as verbas decorrentes do vínculo.

Escrito por: Esther Sanches Pitaluga, advogada, atuante na área de Direito do Trabalho. Sócia administradora do escritório Woshington Reis & Sanches Pitaluga Advogados. Associada ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e coordenadora do núcleo de Direito do Trabalho. E-mail para contato: estherpitaluga@wreisadvogados.com. Esther está no Instagram como @esther.pitaluga, no Facebook e LinkedIn como Esther Sanches Pitaluga, no Twitter como @EstherSanches8 e no Clubhouse como @estherpitaluga.