Direito Imobiliário

Registro da incorporação imobiliária: requisitos legais e documentos

Em que pese o triste cenário vivenciado em nosso país por conta da pandemia do Coronavírus, uma transformação gradativa pode ser identificada no perfil dos adquirentes de imóveis. Eles estão procurando espaços distantes dos grandes centros urbanos, onde existe maior qualidade de vida. E esta pode ser, inclusive, uma das razões para o surpreendente aquecimento do mercado imobiliário, mesmo durante o período pandêmico. Com isso, também se faz necessário, desse modo, revisitar alguns temas de Direito Imobiliário. E entre eles, a relevância da incorporação imobiliária.

A previsão para o segmento de imóveis em 2021, divulgada pelo Secovi/SP, é promissora. O órgão de classe estima, então, um crescimento de aproximadamente 5% a 10% em relação aos resultados de 2020. No entanto, para a confirmação deste cenário otimista, mostram-se necessários a manutenção da taxa de juros em patamares baixos, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e o controle da inflação [1].

O que é incorporação imobiliária

A construção civil é, de fato, um importante braço da economia brasileira. Ao passo em que existem alguns modelos de operação para desenvolvimento dos seus produtos, a incorporação imobiliária, certamente, pode ser destacada como a mais conhecida hoje em dia. Afinal, é muito comum ouvir que alguém comprou um imóvel na planta, não é mesmo?

No que diz respeito ao conceito de incorporação imobiliária, colhe-se da doutrina, desse modo:

No campo dos negócios imobiliários, a expressão incorporação imobiliária tem significado de mobilizar fatores de produção para construir e vender, durante a construção, unidades imobiliárias em edificações coletivas, envolvendo a arregimentação de pessoas e a articulação de uma série de medidas no sentido de levar a cabo a construção até sua conclusão, com a individualização e discriminação de unidades imobiliárias no Registro de Imóveis. (Chalhub, 2005)

Por sua vez, a norma responsável por regulamentar o referido modelo de negócio, qual seja, a Lei nº 4.591/64, conceitua a atividade da seguinte forma:

“Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se-ão pela presente Lei.

Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, (VETADO)”. (grifou-se)

Incorporação imobiliária e alienação

De acordo com os conceitos citados acima, não restam dúvidas de que o escopo da atividade da incorporação imobiliária vislumbra a alienação (venda) das unidades autônomas enquanto estas ainda não existem no plano material. Neste sentido, apesar de ser, como já dito, um modelo de negócio bastante popular, é inegável que assim como em outras atividades ele guarda alguns riscos.

Por isso, a mencionada Lei nº 4.591/64 demonstra a preocupação do legislador em instituir alguns mecanismos capazes de trazer, dessa forma, maior segurança jurídica aos adquirentes das unidades em construção, ao passo que instituiu algumas obrigações que devem ser cumpridas pelo incorporador antes e durante o desenvolvimento do empreendimento.

Obrigações do incorporador

Dentre tais obrigações, destaca-se, de pronto, aquela que dispõe acerca da necessidade de arquivamento de um rol relativamente extenso de documentos no Registro de Imóveis, conforme mencionada em seu artigo 32, qual seja:

Art. 32. O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos:

a) título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não haja estipulações impeditivas de sua alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e construção, devidamente registrado;

b) certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativante ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador;

c) histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos respectivos registros;

d) projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes;

e) cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando, para cada tipo de unidade a respectiva metragem de área construída;

f) certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições;

g) memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modelo a que se refere o inciso IV, do art. 53, desta Lei;

h) avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, calculada de acordo com a norma do inciso III, do art. 53 com base nos custos unitários referidos no art. 54, discriminando-se, também, o custo de construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra;

i) discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão;

j) minuta da futura Convenção de condomínio que regerá a edificação ou o conjunto de edificações;

l) declaração em que se defina a parcela do preço de que trata o inciso II, do art. 39;

m) certidão do instrumento público de mandato, referido no § 1º do artigo 31;

n) declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência (art. 34);

o) atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que opere no País há mais de cinco anos.

p) declaração, acompanhada de plantas elucidativas, sobre o número de veículos que a garagem comporta e os locais destinados à guarda dos mesmos.

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1. Documentos necessários à incorporação imobiliária

Ao passar os olhos na lista dos documentos que compõem o chamado memorial de incorporação, não restam dúvidas que o espírito da Lei seja justamente entregar uma certa palpabilidade ao objeto do contrato de promessa de compra e venda de bens futuros.

No entanto, um segundo ponto merece igual prestígio, e encontra-se disposto ainda no caput do citado artigo 32, qual seja, “o incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos”.

2. Análise jurisprudencial

A jurisprudência já sedimentou o seu entendimento no mesmo sentido:

“Agravo Regimental. Recurso Especial. Incorporação imobiliária. Venda de unidades autônomas. Necessidade de registro de documentos. Artigo 32 da Lei nº 4.591/1964. Descumprimento. Aplicação de multa. 1. O incorporador só se acha habilitado a negociar unidades autônomas do empreendimento imobiliário quando registrados, no Cartório de Registro Imobiliário competente, os documentos previstos no artigo 32 da Lei nº 4.591/1964. Descumprida a exigência legal, impõe-se a aplicação da multa do art. 35, § 5º, da mesma lei. Precedentes. (…) (STJ – AgRg no REsp. 334838-AM 2001/0091744-9, Relator: Ministro João Otávio de Noronha, Data de Julgamento: 18/05/2010, T4 – Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 27/05/2010)”.

Tamanha é a importância desta determinação que, nos artigos seguintes, ao dispor sobre as hipóteses que configuram contravenção penal, é possível encontrar o seguinte:

“Art. 66. São contravenções relativas à economia popular, puníveis na forma do artigo 10 da Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951:

I – negociar o incorporador frações ideais de terreno, sem previamente satisfazer às exigências constantes desta Lei; (…)”.

Consequências penais e rescisão de contratos de promessas de compra e venda

Além das consequências penais, é possível observar casos concretos de rescisão de contratos de promessas de compra e venda em situações de alienação de unidade autônoma antes do registro da incorporação. Neste caminho, decidiu o Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – JULGAMENTO EXTRA PETITA – ALETARAÇÕES NA CAUSA DE PEDIR E NO PEDIDO – SENTENÇA – CASSAÇÃO – RESCISÃO CONTRATUAL – UNIDADE AUTÔNOMA – VENDA – INCORPORAÇÃO IMOBILIARIA – REGISTRO – AUSÊNCIA. 1. O julgamento extra petita, com as indevidas alterações na causa de pedir e no pedido, conduz à cassação da sentença. 2. A venda de unidades autônomas antes do registro da incorporação imobiliária constitui ato ilícito, devendo ser rescindido o contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.13.430715-6/003 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE (S): CONSTRUTORA CARRARA LTDA – APELADO (A)(S): AMANDA SILVA LIMA E OUTRO (A)(S), ANDERSON FERREIRA PINTO).

Sendo assim, pelo aqui exposto, mostra-se de suma importância que o incorporador observe a obrigação que lhe atribuída pela legislação, bem como que o adquirente de uma unidade autônoma futura tenha conhecimento das consequências da celebração de um negócio jurídico nestas condições, abrindo mão da segurança que se busca conceder.

Até a próxima.

Veja também: prazo para registro da incorporação.

Referências

  1. (Fonte: https://www.moneytimes.com.br. Acesso em: 08/03/2021)