Em julho de 2023, foi aprovada a Lei de Igualdade Salarial (Lei 14.611/23). O novo texto legal estabeleceu uma série de medidas que visam a equiparação das condições de remuneração e benefícios de homens e mulheres independentemente do gênero. Dentre essas medidas, destaca-se a exigência da divulgação de um Relatório de Transparência Salarial.
E, por ser um novo item obrigatório para algumas empresas, o Relatório de Transparência Salarial tornou-se uma dor de cabeça para profissionais dos departamentos jurídicos e de pessoal (DP). Afinal, quem está obrigado a fazer a divulgação do Relatório? Como esse documento deve ser construído? E onde ele precisa ficar armazenado, para ser acessado e consultado?
Continue com a leitura, para obter as respostas para essas e outras dúvidas comuns quando o assunto é o relatório de igualdade salarial.
O que é o Relatório de Transparência Salarial?
O Relatório de Transparência Salarial é um conjunto de informações que devem ser obrigatoriamente prestados por empresas com mais de 100 empregados. Por meio dos dados anônimos do relatório é possível comparar salários, critérios remuneratórios, e de ocupação de cargos de liderança dentro da empresa, conforme o gênero dos trabalhadores.
Para não ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), as informações divulgadas no relatório são anonimizadas. Isto é, não permitem a identificação do salário individual de um determinado trabalhador da empresa. Mas permitem, isso sim, estabelecer comparações entre condições salariais e de carreira de homens e mulheres numa mesma organização.
Além da já referida Lei de Igualdade Salarial, o Relatório está regulado também pelo Decreto 11.795/23 e pela Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) 3714 de novembro de 2023.
Quem precisa fazer a divulgação do Relatório de Transparência Salarial?
De acordo com a Lei de Igualdade Salarial, empresas de direito privado com 100 ou mais empregados precisam fazer a divulgação do relatório.
Portanto, se sua empresa tem menos de 100 empregados, ou não se enquadra na categoria “pessoa jurídica de direito privado” não há necessidade de se preocupar com o relatório.
Quando é necessário divulgar o relatório de igualdade salarial?
O relatório previsto na Lei de Igualdade Salarial deve ser divulgado semestralmente. Especificamente, a Portaria MTE 3.714/2013 especifica que a coleta de dados deve acontecer nos meses de março e setembro, sempre em relação ao semestre imediatamente anterior.
A primeira coleta nacional de dados para o relatório de transparência, bem como a primeira divulgação, aconteceram em Março de 2024.
O que acontece se a empresa não divulgar o Relatório de Transparência Salarial.
Se a empresa não informar os dados e fizer a divulgação do Relatório de Transparência Salarial todos os semestres, ela pode ser multada no valor de até 3% da folha de pagamento. A multa administrativa, no entanto, não pode exceder 100 salários mínimos, cerca de R$140 mil.
Se a folha de pagamento da sua empresa é de R$4 milhões, por exemplo, a multa será de R$120 mil. Entretanto, a aplicação da multa não inibe outros sanções, como deixa claro o Art. 5º, § 3º, da Lei 14.611/23
§ 3º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput deste artigo, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
Como fazer um relatório de transparência salarial?
Fazer um relatório de transparência salarial não é complexo, mas você precisará ter uma série de informações a mão, para preencher os campos obrigatórios.
Abaixo, preparamos um passo a passo, em X etapas, para fazer o relatório. Confira!
1. Acesse e faça login no portal de registro dos dados
O endereço indicado para informar os dados do relatório é o Portal Emprega Brasil, na área do Empregador, neste endereço: https://servicos.mte.gov.br/empregador/#/
Se a sua empresa ainda não tiver cadastro, será necessário efetuá-lo. Se já tiver, basta fazer o login com os dados já existentes.
O Portal Emprega Brasil reúne uma série de funcionalidades para empresas empregadoras, que não estão diretamente relacionadas ao relatório de transparência. Por isso, atente-se para escolher a opção “Declaração de Igualdade Salarial”, como mostra a imagem abaixo.
3. Responda as perguntas obrigatórias e confirme o envio da declaração
A terceira etapa consiste em responder o formulário de perguntas apresentado pelo Ministério na plataforma Emprega Brasil. São perguntas especialmente focadas nas ações que estão sendo realizadas para promover a igualdade salarial. Há também questões que permitem ao empregador indicar quais critérios remunetarórios são utilizados na empresa.
Veja alguns exemplos de questões que precisam ser respondidas.
4. Compilação de dados e divulgação de resultados
Após enviar as informações pelo Portal Emprega Brasil, a empresa precisa aguardar a compilação dos dados pelo Ministério do Trabalho. Tudo o que foi informado na plataforma será complementado pelos dados que a empresa entrega por meio do eSocial. O relatório, ao final, é uma junção dessas duas fontes.
Após alguns dias, em prazo que é divulgado publicamente, a empresa deve acessar o site do Ministério do Trabalho e Emprego, para fazer o download do relatório. O formato fornecido pelo MTE segue um padrão similar ao da imagem abaixo.
5. Publicação do Relatório de Transparência Salarial
Com o arquivo em mãos, é hora das empresas fazerem a divulgação do Relatório de Transparência Salarial em seus canais oficiais na internet. O local mais comum para tornar público esse documento tem sido os sites oficiais das empresas na web.
A portaria MTE 314/23 especifica os seguintes espaços, para divulgação:
Art. 4º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverá ser feita pelos empregadores em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, garantida a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral.
Onde acessar o relatório de transparência salarial?
As empresas com mais de 100 funcionários precisam divulgar o Relatóriod de Transparência Salarial de forma pública, por isso, em teoria, qualquer pessoa deve ser capaz de acessar o documento, no site ou redes sociais da organização.
Se você for possível encontrar o Relatório com uma busca no site da empresa, o Ministério do Trabalho e Emprego divulgou um endereço eletrônico para encontrar o documento (imagem baixo). Na página, basta digitar o número do CNPJ da empresa e, na sequência, clicando em “pesquisar”. Acesse aqui.
Cabe lembrar que as informações de Transparência Salarial são também divulgadas no nível estadual e federal. Para acessar as estatísticas gerais dos Estados e do País, acesse este endereço do MTE.
Exemplos de relatório de transparência salarial
Mais de 49 mil empresas responderam ao primeiro Relatório de Transparência Salarial nacional. Logo, exemplos não faltam.
Abaixo, listamos algumas empresas que trazem bons exemplos de divulgação do relatório de transparência salarial. Clique no nome delas para conferir:
Todos os exemplos de relatórios de igualdade salarial acima mencionados trazem notas e esclarecimentos da empresa. Os modelos mostram, portanto, que a página de divulgação construída pela empresa pode conter informações complementares, dados extras e posicionamentos, sem comprometer o cumprimento da obrigatoriedade de divugar o relatório fornecido pelo Ministério.
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Ações contra a divulgação do relatório de transparência salarial
Muitas companhias tem ingressado com ações para pleitear a não-divulgação do relatório de transparência salarial. Dado que a primeira rodada de divulgação nacional aconteceu em março de 2024, a jurisprudência sobre o tema ainda não está consolidada. Diferentes tribunais tem tomado distintas decisões.
À título de exemplo, em abril de 2024, uma decisão proferida na 8ª Vara de Campinas/SP, no âmbito da Justiça Federal, julgou improcedente o pedido de uma empresa para que não fosse obrigada a divulgar o relatório. A Juíza federal Jamille Morais Silva Ferrareto assim decidiu:
Neste momento, à luz das peculiaridades próprias do mandado de segurança, não verifico que houve exorbitância da função regulamentar tal como sustentado pela parte impetrante, tendo em vista que a finalidade da lei é garantir a publicidade na transparência salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, bem como estabelecer plano de ação para mitigar a desigualdade. Também não verifico violação explícita aos princípios mencionados pela parte impetrante (legalidade, isonomia, ampla defesa, contraditório, intimidade, livre iniciativa, proteção de dados, da segurança jurídica), nem concorrência desleal. Afinal, como mencionado acima, a lei e os seus regulamentos, vieram a dar concretude à igualdade entre os gêneros há muito garantida pela Constituição Federal e por diversos tratados internacionais assinados pelo Brasil. Trecho da sentença proferida no Processo 5003151-42.2024.4.03.6105/SP, que tramitou na Justiça Federal.
Menos de um mês depois, em maio de 2024, outra decisão concedida em caráter liminar, pelo TRF 3ª Região, permitiu que uma empresa do setor de pagamentos fosse desobrigada da publicação do relatório. No processo 5007982-18.2024.4.03.0000, o Juíz deferiu o pedido liminar em favor da empresa, decidindo nestes termos:
Não obstante a obrigatoriedade constitucional de obediência ao devido processo legal e à legalidade, as empresas estão sendo obrigadas a publicar dados sensíveis em seus sítios eletrônicos e redes sociais os relatórios, sem oportunidade de refutá-los ou corrigi-los previamente, o que pode acarretar graves danos aos seus interesses jurídicos quanto ao sigilo de informações negociais sensíveis, ao dever de privacidade e até à obrigação de atenção às normas da LGPD. Sem que haja previsão normativa garantindo a participação da Empresa nos resultados dos relatórios, só por isso já poderá resultar em prejuízo à imagem, à marca e de perda de mercados. Neste juízo de cognição sumária, entendo que se vislumbram os requisitos autorizadores da medida. A probabilidade de direito da agravada restou demonstrada, bem como o risco de dano grave e de difícil reparação a ensejar a reforma da tutela indeferida pelo MM. Juízo a quo. Trecho da decisão em Agravo de Instrumento 5007982-18.2024.4.03.0000, Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma.
Perguntas frequentes
Sim, o relatório de transparência salarial é obrigatório para empresas de direito privado com 100 ou mais empregados.
O relatório de transparência salarial deve ser divulgado semestralmente. Os dados são coletados nos meses de março e setembro, confome calendário divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
A não divulgação do relatório pode levar a multa de até 3% da folha de pagamento. No entanto, essa multa não poderá exceder o valor de 100 salários mínimos, o que coloca o teto em um valor próximo de R$140 mil reais.
Todas as empresas privadas com mais de 100 funcionários devem dar acesso ao relatório em seu site oficial ou redes sociais. Se você não encontrar a informação nesses canais, pode consultar o site do Ministério do Trabalho e Emprego, onde é possível buscar pelo CNPJ da empresa e então visualizar o relatório.
Conclusão
O Relatório de Transparência Salarial, como você viu, é uma obrigação prevista na Lei de Igualdade Salarial para empresas privadas. O objetivo original era garantir um instrumento de transparência para averiguar a equidade salarial e critérios remuneratórios.
Mas muitas empresas tem pleiteado na justiça o direito de não-divulgação do documento, alegando riscos à privacidade de dados e a proteção concorrencial. Não há consenso, e você, profissional do Jurídico, deve sempre se manter atualizado sobre as novas decisões e os caminhos que a jurisprudência tem tomado em relação ao Relatório de Transparência Salarial, para assim amparar sua organização.
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