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Responsabilidade civil ambiental e o ônus sobre os danos ambientais

Duas recentes decisões, uma do Supremo Tribunal Federal e outra do Superior Tribunal de Justiça, demandam uma nova análise do tema da responsabilidade civil em matéria de Direito Ambiental. Isto porque delas decorres implicações relevantes.

E, em especial, um alerta deve ser dado aos empreendedores que estão, em potencial, sujeitos a praticar alguma conduta lesiva ao meio ambiente.

Independência das esferas em matéria de responsabilidade civil ambiental

Não há nada mais grave, do ponto de vista jurídico, do que poluir. A tríplice responsabilidade prevista no art. 225, §3º da Constituição Federal, sujeita o degradador a multas e outros tipos de sanções administrativas, como embargos, por exemplo.

Ademais, sujeita o degradador, ainda, a cumprir pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos pelos crimes contra o meio ambiente. Por fim, sujeita o degradador a reparar o dano ambiental que provocou.

E tudo isso pode recair sobre as costas do degradador de uma só vez e sem que a defesa vitoriosa em uma dessas instâncias implique absolvição automática nas outras. Isso é o que chamamos de independência das esferas.

Em que pese as gravidades próprias da responsabilidade administrativa e penal, é a responsabilidade civil que tem se destacado pelos maiores ônus impostos aos empreendedores e que, por isso, devem estar muito atentos à forma como desenvolvem a sua atividade.

Obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar

Com efeito, os Tribunais pátrios, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, vem interpretado a legislação de modo a onerar cada vez mais os atos lesivos ao meio ambiente, numa tentativa de desestimular a poluição e, assim, induzir os empreendedores a assumirem menos riscos na condução de atividades que impactem o meio ambiente.

Em primeiro lugar, a responsabilidade civil ambiental permite a cumulação de obrigações de fazer (recuperar o dano), não fazer (cessar a conduta danosa) e indenizar pelo dano causado.

O poluidor, portanto, não só será condenado a desfazer o dano ambiental do qual é responsável, mas também será condenado, com muita certeza, a pagar um valor pecuniário a título de indenização por danos morais coletivos.

Há, ainda, a possibilidade de que particulares que tenham diretamente sofrido danos decorrentes da conduta lesiva ao meio ambiente possam pleitear indenizações pelos prejuízos causados (imagine o rompimento de uma barragem que destrua a lavoura ou até a casa de um pequeno produtor rural).

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Teoria do risco integral: aspecto objetivo da responsabilidade civil ambiental e dispensa da culpa

Outro aspecto relevante da responsabilidade civil ambiental é que ela é de caráter objetivo. Ou seja, dispensa a aferição de culpa (em sentido genérico) para responsabilizar o poluidor.

Até aí o entendimento apenas reflete o que diz a Lei 6.938/1981, art. 14, §1º. Ocorre, no entanto, que a jurisprudência dominante afirma que a responsabilidade civil ambiental é, além de objetiva, orientada pela teoria do risco integral.

Isso significa que o empreendedor está obrigado a reparar o meio ambiente mesmo que não tenha culpa. Mas também, mesmo que esteja presente alguma causa excludente do nexo causal (caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro).

Responsabilidade solidária

A responsabilidade civil ambiental é, ainda, solidária, com base no art. 3º, IV da Lei 6.938/1981, que qualifica o poluidor como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.

O voto do Ministro Herman Benjamin no REsp 650.728 sintetiza o alcance da responsabilidade solidária: “Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem”.

Por fim, a responsabilidade civil ambiental é considerada imprescritível. A imprescritibilidade já era defendida pela doutrina e assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

A justificativa por trás desse entendimento reside na compreensão de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, e é, sobretudo, uma condição de possibilidade para uma vida digna e saudável, de modo que deve prevalecer sobre a estabilidade e segurança jurídica. Quem comete um ilícito ambiental, portanto, fica eternamente obrigado a repará-lo.

Imprescritibilidade de danos ambientais

Recentemente o Supremo Tribunal Federal confirmou a imprescritibilidade de danos ambientais no julgamento do Recurso Extraordinário nº 654.833, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 999). Por maioria, fixou-se a tese de que “é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”.

A imprescritibilidade já era uma característica reconhecida na responsabilidade civil ambiental. Contudo, ainda persiste um questionamento relevante acerca do alcance do julgado.

É que os danos ambientais podem ser diretos (danos causados ao meio ambiente em si) e indiretos (aqueles prejuízos decorrentes do dano ambiental, como os danos morais coletivos e os danos materiais e morais de indivíduos diretamente afetados). Desse modo, permanece a questão de saber se a imprescritibilidade se aplica a todos os danos decorrentes da conduta degradadora ou se se aplica somente ao dano direto, aquele praticado contra o meio ambiente em si.

Dano direto, dano moral coletivo e prejuízos aos particulares: quais danos são abrangidos pela imprescritibilidade

A posição que parece ser mais razoável, que deverá ser objeto de futuros julgados, é que apenas o dano direto é imprescritível. Assim, as indenizações pecuniárias por dano moral coletivo e pelos prejuízos diretos causados a particulares não estariam protegidos pelo manto da imprescritibilidade. E caberia, enfim, apenas e tão somente sujeitar o poluidor a restaurar o meio ambiente ao seu estado anterior na medida do possível. Essa posição é defendida por Paulo de Bessa Antunes [1].

É importante destacar que os próprios fundamentos para a imprescritibilidade da responsabilidade civil ambiental conduzem a essa interpretação. Afinal se o objetivo é proteger um bem essencial que pressupõe uma sadia qualidade de vida, é a restauração desse bem que deve ser uma obrigação eterna, e não a punição ao infrator, que prescreverá.

Indenização por danos morais coletivos por desmatamento autorizado

O Superior Tribunal de Justiça recentemente julgou o REsp nº 1.612.887, no qual reafirmou que a responsabilidade civil ambiental é objetiva e orientada pela teoria do risco integral, de modo a afastar as causas excludentes de responsabilidade por rompimento do nexo causal. Um caso concreto, no entanto, possui uma peculiaridade que vale a pena ser destacada.

Concessão de licença ilegal para desmatamento

Um posto de combustíveis foi instalado após a obtenção das licenças ambientais pertinentes, inclusive licença para desmatamento de área de Mata Atlântica emitida pelo órgão ambiental estadual com anuência do IBAMA.

A legalidade da licença foi questionada em juízo, que entendeu que a autorização para o desmatamento foi, de fato, ilegalmente concedida e condenou a empresa a reparar o dano ambiental (reflorestar a área) e a pagar indenização no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) a título de danos morais coletivos.

A empresa, então, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e alegou em sua defesa que o desmatamento decorreu de erro praticado pelo órgão ambiental, o que configurava fato de terceiro e rompia o nexo causal necessário à responsabilização.

Afastamento da causa excludente de causalidade

O Superior Tribunal de Justiça manteve a condenação ao afastar a causa excludente, tendo em vista a responsabilidade objetiva orientada pela teoria do risco integral.

A novidade do julgado foi a manutenção da condenação pecuniária, com relação a qual afirmou o voto condutor do Acórdão, da lavra da Ministra Nancy Andrighi, que:

[…] mesmo que se considere que a instalação do posto de combustíveis somente tenha ocorrido em razão de erro na concessão da licença ambiental, é o exercício dessa atividade, de responsabilidade da recorrente, que gera o risco concretizado no dano ambiental, razão pela qual não há possibilidade de eximir-se da obrigação de reparar a lesão verificada.

O Superior Tribunal de Justiça, ao manter a condenação pecuniária, sinaliza que mesmo que o empreendedor opere, em tese, sob o manto da legalidade (com todas as autorizações ambientais necessárias), corre o risco de vir a ser condenado por danos morais coletivos se posteriormente algum órgão de controle entender que as autorizações foram ilegalmente concedidas.

Todo o ônus, portanto, foi colocado sob os ombros do empreendedor, que, apesar de ter buscado a regularidade, foi condenado por erro dos órgãos ambientais.

Responsabilidade civil ambiental e segurança jurídica

A função dos Tribunais Superiores é fixar teses e orientar a conduta daqueles que buscam agir com segurança jurídica e previsibilidade. O recado, no que se refere à responsabilidade civil ambiental, é claro: todo cuidado é pouco!

Cada vez mais um controle ambiental efetivo aliado a medidas de mitigação de riscos (verdadeiro programa de compliance ambiental) é importante para a sobrevivência de uma atividade econômica no médio e longo prazo. Os empreendimentos devem ser auditores de si mesmos a todo instante. Apenas quem tem ciência dos riscos que corre é capaz de tomar as medidas necessárias para que os prejuízos não se concretizem.

Referências

[1] https://direitoambiental.com/prescricao-em-materia-ambiental/

Escrito por:

Eurípedes José de Souza Junior. Advogado. Sócio do Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi Advogados. Mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Secretário da Comissão de Direito Ambiental da OAB/GO (2015/2018). Presidente da Corte de Conciliação e Descentralização do CEMAm-Go (2018/2020).

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