Inteligência artificial, responsabilidade civil e carros autônomos

12/07/2019
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14/10/2024
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5 minutos

O avanço tecnológico da inteligência artificial (IA) vem preocupando a comunidade jurídica em função da sua interferência direta nas relações sociais. Afinal, essa evolução computacional pode simular o comportamento e raciocínio humano. Permite, assim, que a máquina atue de forma autônoma e sem a interferência do seu programador. Ou seja, concede-lhe uma “liberdade” de ação.

Com isso o computador deixa de ser uma ferramenta composta por algoritmos desenvolvidos através de “receitas” que possuem o objetivo de executar tarefas preestabelecidas e limitadas. E passa, então, a atuar de forma diferente em uma mesma situação, a depender da sua performance anterior. Portanto, alcança uma experiência similar às ações humanas.

Ocorre que, se a máquina pode atuar de forma autônoma e semelhante à formas de experiência humana, quando um dano é decorrente dessa atuação, a quem cabe a responsabilidade sobre ele? A partir daí, então, é necessário analisar a caracterização da responsabilidade civil por danos causados pelos atos autônomos desses robôs. E delimita-se, desse modo, o tema desse artigo no tocante aos acidentes ocasionados pelos carros autônomos (sem motorista).

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Carro autônomo e inteligência artificial

O carro autônomo é um veículo que dispensa o condutor. É capaz, assim, de circular sem a ajuda humana, através de uma inteligência artificial capaz de reagir ao meio ambiente, e antecipar-se a um obstáculo ou uma eventual colisão.

Acontece que esse programa computacional, por ser autônomo, não conhece limites. Logo, pode representar riscos a sociedade já que agem sem o controle direto do seu programador. É justamente nesse contexto que se faz necessária uma regulamentação normativa específica, objetivando a salvaguarda dos usuários dos veículos autônomos e da população propriamente dita.

Enquanto não se tem um regulamento específico em nosso ordenamento jurídico objetando a normatização dos riscos causados por esses veículos, necessária a ajuda da Teoria da Responsabilidade Civil adotada por nosso Código Civil para buscar soluções em casos de acidentes com esses veículos autônomos.

Teoria da Responsabilidade Civil

Em síntese, temos que a Responsabilidade Civil consiste no dever de indenizar o dano suportado por outrem. O art. 186. do Código Civil (2002) estabelece: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

A doutrina especializada separou a ilicitude em duas vertentes:

  • ilicitude subjetiva (com a presença de conduta dolosa ou culposa); e
  • ilicitude objetiva (aquela em que apenas ocorre o prejuízo, sem analisar a conduta, se ela foi intencional ou não).

Daí temos a possibilidade da Responsabilidade Civil caracterizada pelos seguintes requisitos:

  • conduta;
  • nexo-causal;
  • dano.

Nesse caso, existindo risco na atividade a responsabilidade, seria objetiva. Já no caso da responsabilidade subjetiva, seria necessária a existência de uma conduta dolosa ou culposa.

Responsabilidade pelos danos causados pela inteligência artificial

O objeto desse estudo tem como enfoque a aplicabilidade da norma inserida no ordenamento jurídico brasileiro, relacionada à responsabilidade civil pelos danos causados aos consumidores e terceiros, nas relações de consumo decorrentes dos atos praticados pela IA dos veículos autônomos.

O fabricante, nesse caso, deve responder, independentemente de culpa pelos danos causados aos consumidores ou terceiros por defeito no produto. Então, de acordo com o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, é responsável pelo defeito do produto e do serviço dentre outros: o fabricante – aquele que fabrica e coloca no mercado de consumo produtos industrializados. E o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele se espera (funcionar conforme o esperado).

Responsabilidade objetiva do fabricante

Nesse caso, resta claro que, em acidente ocasionado por carro autônomo, a responsabilidade seria a princípio do fabricante. Assim, ele responderia na modalidade “objetiva” em razão do próprio risco do equipamento a partir do momento que se desenvolve uma inteligência artificial desprovida de controle e sem limites na execução de suas ações.

Nessa mesma linha, necessário frisar que mesmo cumpridos os deveres de informação e de segurança impostos ao fornecedor e provado que não há defeito na sua fabricação, entendemos que permanece a aplicação da responsabilidade do fabricante pelos danos causados pela IA, em função dos riscos inerentes ao desenvolvimento tecnológico através de uma máquina com funcionamento autônomo.

Com isso, na aplicação da responsabilidade objetiva exigiria apenas a prova de que ocorreu um dano, e o estabelecimento de uma relação de causalidade entre o funcionamento lesivo do robô e os danos sofridos pelo consumidor ou terceiro.

“Teoria Americana do Bolso Profundo”

Podemos ainda contextualizar a “Teoria Americana do Bolso Profundo”, onde nas atividades de risco que são lucrativas, as pessoas envolvidas devem compensar os danos causados em função do excessivo lucro obtido coma atividade comercial. Por meio da sua aplicação, toda pessoa envolvida em atividades que apresentam riscos, mas que, ao mesmo tempo, são lucrativas e úteis para a sociedade, deve compensar os danos causados pelo lucro obtido.

Doutra banda, necessário avaliar a conduta do proprietário/consumidor do veículo a medida em que o mesmo pode ter a possibilidade de dar instruções indevidas ao robô ou até mesmo ser omisso em casos de emergência, gerando a possibilidade de responsabilização na modalidade subjetiva em razão de conduta culposa, até para que este tenha atenção redobrada quando da utilização do equipamento.

De qualquer forma, deve-se estabelecer, em maior grau, a responsabilidade objetiva daquele que está bem colocado para minimizar os ricos e oferecer garantias como seguros obrigatórios; no caso os fabricantes dos veículos autônomos.

Diante de tudo que foi exposto, ainda que a legislação pátria consiga dar alguma solução prática para os casos de danos causados pela IA nas relações de consumo, necessário que o Direito possa evoluir através de um estudo mais apurado do tema, e que venha a resultar na criação de um Marco Civil sobre robótica, haja vista a rapidez com que os avanços tecnológicos afetam diretamente a vida em sociedade.

A ideia é de que esse artigo desperte uma atenção especial junto aos operadores do Direito, objetivando avanços na seara legislativa no tocante a regulamentação do uso da inteligência artificial, evitando-se assim um impacto negativo no futuro da humanidade.

Referências

  1. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, São Paulo, Ed. Saraiva, 1988.
  2. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
  3. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, São Paulo, Ed. Saraiva, 2009. https://fia.com.br/blog/inteligencia-artificial/

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  1. Gostei do artigo. A questão que observo ser de mais difícil entendimento seria na Seara penal. Como seria no caso de uma lesão provocada um carro automato que viesse a gerar a morte de um pedestre?