Particularmente para nós, mulheres, o assunto é de primeira ordem porque já nos é muito conhecido o terreno difícil da gestão e liderança femininas no Brasil, país de cultura patriarcal e machista, por vezes, misógina, que resiste ao reconhecimento do espaço de lugar e fala da mulher na sociedade e como agente construtor de destinos não apenas individuais, mas sobretudo coletivos. Se reconhecermos essa realidade como uma premissa que nos afeta e nos conecta, então ficará mais palpável entender a importância da sororidade na atualidade para afirmação da cultura feminina na sociedade.
A sororidade é um termo que vem do latim sóror e significa “irmãs” ou irmandade e atribui-se a escritora, educadora e ativista feminista estadunidense Kate Millett, no final da década de 1960, a primeira utilização do termo SORORIDADE associado ao movimento ético e político da época, no nascedouro do feminismo contemporâneo.
A sororidade nasceu para ser um novo pacto social, ético e emocional construído entre as mulheres e para as mulheres. Só que, neste momento histórico, esse pacto ainda era destinado a uma classe de
mulheres, talvez as brancas, heterossexuais, de classe média alta, que trabalhavam fora de casa e independentes.
A sororidade, no seu nascedouro, não conseguiu abraçar as mulheres pretas, pobres ou hipossuficientes, as deficientes, as mães, as casadas, as trans e as marginalizadas. Embora seu conceito sempre guardasse, na essência, a ideia de irmandade, de união das mulheres, nem todas as mulheres viram-se contempladas nessa luta.
Por isso, a sororidade, dentro do contexto do feminismo, passou por fases e mudanças de concepções para abarcar toda a expressão feminina da atualidade.
A primeira fase do feminismo, chamada de “primeira onda”, surgiu no século 18, com a Revolução Francesa, com destaque para a obra de Mary Wollstonecraft “A Vindication of the Rights of Woman”, de 1792.¹
Nos séculos 19 e 20, com o movimento das sufragistas, as militantes passaram a lutar pelo direito ao voto, à propriedade, realizar contratos de trabalho, pelo direito de escolher de marido, à educação que
fundamentaram uma série de alterações normativas de garantias de direitos de proteção de sua integridade física.
No Brasil, essa fase chegou em 1832 e pode ser representada, quando Nísia Floresta, considerada a primeira feminista brasileira lançou a obra Direito das mulheres e injustiça dos homens, uma tradução do trabalho de Wollstonecraft.
Em meados da segunda metade do século 20, surgiu a “segunda onda”, caracterizada pelo feminismo radical. Conquistas de direitos sociais e individuais.
É uma marca desse período a luta das mulheres contra o Estado e o sistema de governo que sequer reconhecia a mulher como sujeito de direitos, sobretudo no Brasil, onde essa condição foi alçada com a Lei do Desquite, de 1977.
A “terceira onda”, nos anos 1990, inicia-se uma discussão mais aprofundada, caracterizada pelas interseccionalidades múltiplas, da mulher vítima de um sistema exclusivista, a luta contra o racismo estrutural e a luta contra a homofobia. O feminismo aqui começa a ir além para abraçar as várias expressões do feminismo da contemporaneidade.
Nos anos 2000, a população LGBT ganha espaço nas discussões, são executadas políticas transversais de gênero, as discussões voltam aos direitos reprodutivos das mulheres, com ampliação de sujeitos de orientação sexual dentre outras medidas.
Depois das várias fases que o movimento feminista enfrentou, continuamos na luta pela afirmação dos nossos espaços de fala, seja nos ambientes públicos seja nas entidades privados. E mais, chegou a hora de materializarmos a fraternidade em sua maior amplitude possível.
O movimento feminista invoca a sororidade para reforçar a ideia de irmandade entre as mulheres, para além das diferenças étnicas, raciais, religiosas, sociais e de classes.
Na prática, a sororidade é um valioso instrumento de empoderamento feminino que leva a mulher a reconhecer os talentos de outras mulheres, suas capacidades e potencialidades sem que isso
represente uma ameaça a sua situação profissional e pessoal.
O arquétipo da MULHER SELVAGEM, trazido pela Clarissa Pinkola em sua obra “Mulheres que correm com os lobos” nos auxilia muito a compreender a importância do resgate da essência feminina, do seu poder de criação e tantas habilidades tão desprezadas por séculos de cultura que violenta a alma feminina e o encontro com sua ancestralidade e seu lado selvagem no sentido que a autora trabalha que é a originalidade.
Nesse aspecto, quando falamos em sororidade, precisamos reconhecer que ela não pode ser SELETIVA, ou seja, direcionada a grupos específicos de mulheres (elitistas, brancas, ou pretas, ou ruivas, ou de dada
religião ou condição). Essa seletividade corrobora a rivalidade e nos distancia, enquanto a sororidade no sentido mais puro da palavra nos lembra que somos seres espirituais, vivendo experiências num corpo
feminino e que por isso somos “iguais” no sentido existencial, a par de nossas particularidades. Devemos, pois, sermos apoiadoras e irmãs de todas as mulheres, eliminando crenças e posturas que segregam e que geram preconceitos.
A interseccionalidade nesse ponto é justamente a intersecção da mulher com as necessidades e interesses de várias outras mulheres, independente da origem, da religião, das escolhas sexuais ou afetivas, da cor, da raça das outras mulheres.
Reconhecer o valor de cada mulher é reconhecer o valor de si própria nessa grande marcha de libertação de opressões que a alma feminina tem experimentado ao longo da história.
Portanto, um ambiente corporativo com sororidade leva ao entendimento das necessidades do mundo feminino, e partir dessa compreensão, união e efetivação de direitos e condições de trabalho e desenvolvimento profissional para a mulher com todas as suas particularidades.
Ao se irmanar com as necessidades de outra mulher, independentemente da posição que ela ocupa numa instituição, pública ou privada, nós quebramos as barreiras das relações machistas, patriarcais e
verticalizadas para dar espaço a uma relação de horizontalidade respeitando o lugar e a voz de todas as mulheres.
Diante disso, a sororidade é um poderoso instrumento de empoderamento feminino, por unir as mulheres e ressaltar suas habilidades, de modo a criar condições de fala e representatividade que contribui e muito para o crescimento das empresas e negócios.
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A sororidade é um termo que vem do latim sóror e significa “irmãs” ou irmandade e atribui-se a escritora, educadora e ativista feminista estadunidense Kate Millett, no final da década de 1960. Em resumo, então, significa a união feminina, a irmandade feminina.
Dos termos gregos “miseo” e “gyne”, que significam respectivamente, ódio e mulheres, a palavra misoginia é a representação dos sentimentos de ódio, repulsa, aversão e desprezo em relação às mulheres. Nomeia ainda o sentimento de superioridade em relação ao que é feminino pelo masculino.
O sexismo é similar à misoginia e trata-se do comportamento discriminatório e objetificador em relação às mulheres. O sexismo busca, ainda, estabelecer papéis de gênero, utilizando esteriótipos de gênero, como jeito de falar, de agir, de vestir, etc.
¹Extraídas do site: https://ricmais.com.br/moda-e-beleza/surgimento-da-sororidade/