No ato de tributar existe uma relação, no qual o Estado manifesta sua soberania em face dos indivíduos. Nesse sentido, a tributação consiste em nada mais que uma manifestação do poder estatal.
Contudo, devemos, de início, entender que a relação tributária é uma relação jurídica, diferente da relação de poder. Porquanto uma relação jurídica, o Direito Tributário se rege por princípios, os quais regulam o poder de tributar.
Nesse artigo iremos aprofundar o estudo em um dos diversos princípios que doutrinam a matéria, o princípio da legalidade tributária, em especial, a sua aplicação nos impostos, espécie de tributos.
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Estado x contribuinte: as origens do princípio da legalidade
A origem do princípio da legalidade nos leva ao fim da Idade Média e início da Era Moderna.
Naquela época era grande o descontentamento da população com as medidas autoritárias dos monarcas, com uma das causas sendo a grande tributação imposta para custear o Estado. A partir disso, foram surgindo manifestações que reivindicavam uma maior participação dos indivíduos nas decisões estatais e houve o surgimento do parlamento como forma de equilibrar essa relação jurídica.
Conforme apresentado pelo doutrinador Eduardo Sabbag (2011, p. 61) em seu livro manual de Direito Tributário:
O princípio da legalidade é multissecular, com previsão inaugural na Carta Magna inglesa, de 1215, do Rei João Sem Terra. À época, a nobreza e a plebe, reunindo esforços e se insurgindo contra o poder unipessoal de tributar, impuseram ao príncipe João um estatuto, visando inibir a atividade tributária esmagadora do governo. Em outras palavras, objetivavam impor a necessidade de obtenção prévia de aprovação dos súditos para cobrança dos tributos, do que irradiou a representação “no taxation whithout representation”.
A importância do Poder Legislativo para a tributação
Com o surgimento da tripartição dos poderes, esses, com o passar do tempo, foram se estruturando. Com atribuições pouco a pouco sendo definidas, nasceram, então: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Uma das ferramentas utilizadas pelo Poder Legislativo para manifestar a vontade do povo é por meio da lei. Através dela, passaram a ter limites ao Estado para tributar a população. E é nesse ponto que entra o princípio da legalidade no âmbito tributário e na tributação.
A respeito desse tema, nada melhor que Hugo de Brito Machado (2020, p.32) no qual traz o seguinte entendimento:
Sendo a lei a manifestação legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo consente que o Estado invada seu patrimônio para dele retirar os meios indispensáveis à satisfação das necessidades coletivas. Mas não é só isto. Mesmo não sendo a lei, em certos casos, uma expressão desse consentimento popular, presta-se o princípio da legalidade para garantir a segurança nas relações do particular (contribuinte) com o Estado (fisco), as quais devem ser inteiramente disciplinadas, em lei, que obriga tanto o sujeito passivo como o sujeito ativo da relação obrigacional tributária.
Tributação e princípio da legalidade na Constituição Federal e no CTN
O princípio da legalidade encontra-se previsto na Constituição Federal de 1988 no inciso II do art. 5º. Garantia do Texto Magno, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Esta garantia foi reforçada no âmbito tributário, nos moldes do artigo 150, inciso I:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça
Há que se ter em mente, contudo, que, reforçada em âmbito tributário com o texto do inciso I do artigo 150, a legalidade no ordenamento que trata de tributo é, em verdade, o preceito da legalidade estrita.
Legalidade tributária estrita
A legalidade tributária, sendo estrita e rígida, em decorrência do reforço da Constituição em seu artigo 150, transforma o tributo em um tipo tributário, exigindo que esse tipo esteja estritamente descrito em lei.
Em suma, a mensagem da estrita legalidade na Constituição, dirigida ao legislador ordinário, tem, portanto, por conteúdo, que todos os elementos da regra-matriz de incidência tributária – do antecedente ao consequente – devem estar previstos em lei.
O princípio da legalidade tributária também está presente no Código Tributário Nacional (CTN) que deixa evidente os preceitos constitucionais. Para não restarem dúvidas o art. 97 do CTN afirma que somente a lei pode estabelecer:
- a instituição de tributos, ou a sua extinção;
- a majoração de tributos, ou sua redução, com ressalvas que indica;
- a definição do fato gerador da obrigação principal e do seu sujeito passivo;
- a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, com as ressalvas que menciona;
- a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
- as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
Tributação por decreto x tributação por lei
Nesse contexto que percebemos a impossibilidade de um imposto, espécie de tributo, ser instituído por decreto, mas somente por lei. Apesar disso, nada impede que se utilize decreto como instrumento para ajustar as alíquotas de determinados tributos.
O decreto é instituído por vontade do chefe do Poder Executivo, seja ele o Presidente, Governador ou Prefeito. Ao contrário da lei, não garante o consentimento da população. Seu objetivo não é criar normas ou tributos, mas sim detalhar os já existentes para garantir sua execução.
Portanto, percebe-se que, diferente do que havia na Idade Média, a relação de tributação deixou de ser uma relação de poder, no qual é criada e extinta por vontade do soberano. Ela passa, assim, a ser uma relação jurídica, em que sua existência ou extinção depende de normas estabelecidas.
Resta evidente que, para um imposto ser constitucionalmente instituído, deve ser feito a partir de lei estruturada pelo Poder Legislativo e com seus devidos requisitos essenciais.
Tributo criado por lei somente por lei pode ser aumentado
É importante destacar, tributo criado por lei somente por lei pode ser aumentado. Nesse assunto também leciona Hugo de Brito Machado (2020, p. 83) :
Aumentar tributo o tributo é modificar a lei que o criou, e uma lei só por outra pode ser modificada. […] Nem se pode entender como ressalva ao princípio da legalidade a exclusão completa desse princípio para determinados impostos. Todos os tributos estão sujeitos ao princípio da legalidade, embora em relação a alguns impostos tal princípio se mostre mitigado. Dizer-se que o princípio da legalidade não se aplica a determinados impostos significa apenas dizer que esses impostos não se submetem completamente a tal princípio, posto que podem, em certas condições e dentro dos limites estabelecidos em lei, ter suas alíquotas modificadas por ato do Poder Executivo.
Diante disso, a mesma Constituição de 1988, não trouxe os mesmos limites a respeito do aumento ou diminuição da carga de alguns tributos. Assim, o decreto pode ser utilizado para alterar a alíquota de alguns em específicos e com ressalvas.
Exceções à regra de tributação
Como no Direito para toda regra existem suas exceções, há 5 (cinco) tributos que constituem exceções ou ressalvas ao princípio da legalidade e podem ser aumentados ou diminuídos mediante decreto, sendo eles:
- II (Imposto sobre importação);
- IE (Imposto sobre exportação);
- IOF (Imposto sobre operações de crédito, câmbios e seguros;
- IPI (imposto sobre produtos industrializados e;
- CIDE-Combustível (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre atividades de importação e comercialização de alguns combustíveis), esse último com natureza de contribuição.
Conclusão
Desse modo, é possível concluir que o imposto apenas é instituído por lei – como forma de consentimento social – que o regulamenta de acordo com o princípio da legalidade.
Somente a lei tem o poder de possibilitar que o Estado tome, através do imposto, parte do patrimônio dos indivíduos.
Nesse aspecto há ressalvas quanto ao aumento e diminuição de algumas alíquotas mediante decreto, mas que também são regulamentadas por lei. Assim, cabe aos representantes do povo que integram o poder legislativo, nossos políticos, perceberem que a arrecadação vem da sociedade e deve ser utilizada em prol dessa. Afinal, os indivíduos consentem com a tributação, em prol do bem comum.
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Escrito por:
Tiago Fernandes Costa, estudante de direito, graduando da Universidade Federal de Goiás (UFG-RG), atuante na equipe de Direito Civil no escritório Gonçalves Macedo Paiva e Rassi Advogados. Associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito. Membro do Grupo de Estudos de Direito e Economia da Unb/IDP (GEDE – Unb/IDP). E-mail para contato: [email protected]. Tiago está no instagram como @tiago.fernandesc.
Guilherme Sérgio Di Ferreira Martins, advogado, Sócio do escritório BDFS Advogados, Pós graduado em Direito Tributário pela PUC-GO, Pós graduando em Direito Tributário Aplicado pela BSSP, Vice Presidente da Comissão da Advocacia Jovem do estado de Goiás (2019-2021), Coordenador do núcleo de Direito Tributário do IEAD, Conselheiro do COSIP Goiânia. E-mail para contato: [email protected]. Guilherme está no instagram como @guilhermediferreira
Referências
- MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário. 41ª edição, atualizada e ampliada. São Paulo. Malheiros. 2020.
- MARTINS, Franklin Pereira, O Princípio da Legalidade Tributária e a instituição de tributos. Monografia. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E A INSTITUIÇÃO DE TRIBUTOS (uol.com.br).
- SABBAG, Eduardo, Manual de direito tributário. 3ª edição, atualizada. São Paulo. Saraiva. 2011.