Todo mundo conhece alguém ou já ouviu uma história de alguém que se tornou o dono de um terreno que não era seu originalmente, ou que pegou um pedaço de terra e, com o tempo, conseguiu regularizar os papéis da propriedade para o próprio nome. Isso acontece devido a um dos direitos que mais gera dúvidas a respeito da sua legalidade e sua existência, que é a usucapião.
Mas você sabe como isso tudo funciona? Neste artigo vamos explicar o que é a usucapião, como ela funciona, por que ela existe e quais são as suas modalidades. Confira!
O que é usucapião?
A palavra usucapião vem do latim usucapio, que signfica “tomar ou adquirir pelo uso”. Assim, a usucapião permite que uma pessoa torne-se proprietária de um bem, após usá-lo por certo período e desde que atenda algumas condições. Contudo, não é permitido usucapião de bens públicos.
Este direito foi incorporado à lei brasileira a partir do direito romano, que era regido pelo o que ficou conhecido como a Lei das Doze Tábuas. A sexta tábua do direito romano estabelecia os direitos a respeito da propriedade.
E um desses direitos previa que uma pessoa poderia tornar-se a proprietária de um bem móvel (como uma carroça ou um cavalo, por exemplo) ou um bem imóvel (como uma casa ou um terreno para plantio) caso o usassem por um período sem a reclamação do dono original.
Usucapião no novo Código Civil 2024
Com a atualização do Código Civil apresentada por juristas em 2024, o processo de usucapião vai ser facilitado. Na proposta, o pedido podendo ser realizado diretamente através de um cartório. Além disso, foi alterado os limites de reivindicação de propriedades rurais.
Como funciona a usucapião?
A lei brasileira, na prática, não funciona de uma forma muito diferente do que a lei romana estabelecia na época.
Embora a nossa lei seja mais elaborada e tenha prazos diferentes, para diferentes tipos de usucapião, a essência é a mesma: uma pessoa pode se tornar proprietária de um bem móvel ou imóvel que não esteja sendo utilizado corretamente pelo seu dono.
De forma simplificada, qualquer indivíduo que tenha posse, o objetivo de dar uma função social e a intenção de cuidar de um bem como se fosse seu proprietário pode entrar na justiça (com ressalvas, que serão esclarecidas mais adiante no artigo) para obter o bem por usucapião após um certo período.
Por que o direito da usucapião existe?
A usucapião é baseada, principalmente, no vigésimo terceiro item do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira, que determina:
“XXIII – a propriedade atenderá a sua função social”.
Esse princípio defende que nenhuma propriedade privada deva ficar abandonada e sem um destino adequado, que dê alguma função útil àquela propriedade a alguém ou a sociedade.
O Direito também se apoia no Código Civil, mais especificamente no artigo 1.228, parágrafo 1º, que afirma:
“§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais…”.
A usucapião é uma forma de estabelecer uma função social (como moradia, subsistência, atividade econômica ou outro) para alguém que toma posse, cuida e preza pela manutenção de um bem que, na mão de seu dono, não esteja em consonância com suas obrigações com a sociedade.
Isso quer dizer que terrenos abandonados, residências inocupadas, latifúndios largados apenas para especulação imobiliária são exemplos de bens imóveis que não estão atendendo seu dever constitucional de terem uma função social e que, por esse motivo, podem ser adquiridos por terceiros por usucapião.
Como funciona a usucapião na prática?
Para facilitar a compreensão de como a usucapião funciona, faremos um exemplo prático:
Lucas constrói sua casa em um terreno que não é dele. Ele pode fazer isso de boa-fé (acreditando que o terreno é seu por herança ou por alguma compra) ou de má-fé (sabendo que o terreno não é seu), mas o faz de qualquer forma.
Ele constrói a sua casa ali, cerca o terreno, paga os tributos e impostos do local e vive com sua família ali durante vinte anos. Um dia, Maria vai até o terreno e fala para Lucas que aquele bem é dela, mostrando os documentos que comprovam aquilo.
Entretanto, o terreno, há vinte anos, estava abandonado e não estava devidamente regularizado. Lucas deu a ele uma função social, organizou o local, construiu sua moradia ali e pagou os tributos corretamente.
Isso quer dizer que Lucas, de acordo com a Constituição Federal e o Código Civil, tem direito a entrar com o pedido de usucapião daquele bem, já que o ocupa há tanto tempo de forma contínua, pacífica e indisputada.
Quais os requisitos para usucapião?
São três os principais requisitos da usucapião: animus domini, inexistência de oposição e posse ininterrupta por um período.
Animus domini
O Animus domini é o requisito que diz que uma pessoa em que tem a posse de um bem e tenha atitude de dono, isto é, arque com os custos, faça manutenção, se apresente como proprietário, etc., este tem direito ao bem, ainda que não o seja. Assim, pode solicitar a usucapião.
Inexistência de oposição
Outro requisito para a usucapião é a inxistência de oposição, isto é, o dono do bem móvel ou imóvel não se oponha ao direito e a posse do bem.
Posse ininterrupta por um período.
Para que alguém peça usucapião de um bem, é necessário que o indivíduo tenha posse exclusiva de tal bem (esteja nele ou o utilize constantemente), que o ocupe de forma ininterrupta e que não o obtenha de forma violenta ou clandestina.
Isso quer dizer que a pessoa precisa estar com o bem com real intenção de posse, que não esteja com o bem subordinado a ninguém e que ninguém o peça, durante o período em que a pessoa o teve em sua posse, de volta.
Quando não pode acontecer a usucapião?
Dessa forma, a usucapião não pode ser utilizada em casos onde a pessoa que ocupa o bem tem conhecimento de que não é o proprietário ou trabalha para o mesmo (como caseiros e locadores, por exemplo).
Também não pode ser utilizada em bens móveis ou imóveis públicos, ficando esse direito reservado apenas a bens privados que estejam abandonados, irregulares ou não-registrados corretamente.
Reserva-se o direito de usucapir um bem que não esteja regularizado, registrado, demarcado ou matriculado publicamente.
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Quais são os tipos de usucapião?
De acordo com a legislação brasileira, todos os bens podem ser usucapidos. Entretanto, há uma divisão entre bens imóveis (como terrenos, casas, prédios, galpões, entre outros) e bens móveis (como carros, motocicletas, equipamentos, entre outros).
O artigo 1.238 do Código Civil de 2002 é o que rege as regras para a usucapião de bens imóveis. Dentro dele, veremos os diferentes tipos, com suas características próprias, que apresentamos abaixo, junto de seus prazos e requisitos:
Usucapião extraordinária: o que é, quais os prazos e requisitos?
A usucapião extraordinária não depende de um justo título (a compra do terreno por um contrato de gaveta ou acordo entre pessoas, sem regularização e registro do imóvel) de propriedade e nem de boa-fé (a pessoa acha que é dona do local, mesmo não sendo, de acordo com registros dos órgãos competentes).
Para que alguém possa entrar com o pedido, segundo o artigo 1.238 do Código Civil, é necessário ter a posse do imóvel por 15 anos, de forma pacífica, sem interrupção e nem oposição de seu dono original.
Esse prazo pode ser diminuído para 10 anos caso o imóvel seja sua moradia, se tenha feito obras no local ou se o local tenha alguma atividade produtiva.
Usucapião ordinária: o que é, quais os prazos e requisitos?
A usucapião ordinária, regida pelo artigo 1.242 do Código Civil, define os prazos para quem adquirir, via usucapião, um imóvel que a pessoa possui justo título e boa-fé.
Para entrar com o pedido de usucapião ordinária, a pessoa precisa ter posse do imóvel por 10 anos continuadamente.
O prazo pode ser reduzido para cinco anos caso o local seja a moradia do possuidor ou se algum investimento econômico ou social tenha sido feito do local.
Usucapião especial : tipos, prazos e requisitos
A usucapião especial é dirigida para aqueles que tomam posse de bens imóveis e não são proprietários de outros imóveis. Tem como objetivo proporcionar moradia e subsistência para aquele que usucape o bem.
Usucapião especial rural
Pode pedir a usucapião especial rural, presente no artigo 191 da Constituição Federal e no artigo 1.239 do Código Civil, quem tem posse de um terreno rural, de no máximo 50 hectares, onde transforma esse bem em sua moradia e em local produtivo.
A pessoa que entra com usucapião nessa situação não pode ser proprietária de nenhum imóvel rural ou urbano.
Imediatamente, a pessoa poderá entrar com o pedido de usucapião se ter posse do imóvel durante cinco anos ininterruptos e sem oposição. A área precisa tornar-se produtiva para si ou para sua família.
Usucapião especial urbana
A usucapião especial urbana, prevista no artigo 183 da Constituição Federal e no artigo 1.240 do Código Civil, funciona de forma similar à usucapião especial rural.
O possuidor precisa ter posse do imóvel durante cinco anos ininterruptos e sem oposição. A área precisa ser sua moradia e a pessoa não pode ter outro imóvel.
Usucapião especial coletiva
Definida pelo artigo 10 do Estatuto das Cidades, a usucapião especial coletiva é voltada para a população de baixa renda que estabelece o imóvel urbano como sua moradia, sendo que esse imóvel precisa ter uma área superior a 250m². O imóvel, então, é divido igualmente pelo número de ocupantes.
O imóvel precisa ser ocupado por cinco anos, ininterruptamente. Não pode ser possível identificar qual é o terreno ocupado por cada um dos possuidores, que não podem ser proprietários de outros imóveis.
Usucapião especial familiar
A usucapião especial familiar, gerida pelo artigo 1.240 A do Código Civil, serve para os possuidores que vivem em um imóvel urbano, de até 250 m², que dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que tenha abandonado o lar.
Não ser proprietário de outro imóvel e ter a possa direta, ininterrupta e sem oposição do imóvel por dois anos.
Usucapião especial indígena
Disposta no artigo 33 do Estatuto do Índio, a usucapião indígena funciona de forma parecida com a extraordinária e com a rural. O índio, integrado ou não à sociedade, pode usucapir trechos de terras inferiores a 50 hectares.
O índio precisa ocupar, como seu, o imóvel por 10 anos consecutivos e indisputados, sem necessidade de boa-fé ou justo título.
Usucapião de bens móveis
Bens móveis, como carros, motocicletas, bicicletas, barcos, equipamentos, móveis, eletrodomésticos e outros também podem ser usucapidos por seus possuidores, com regras e prazos um pouco diferentes dos bens imóveis.
Usucapião ordinária: prazos e requisitos
A usucapião ordinária de bens móveis é descrita no artigo 1.260 do Código Civil. Requer que o possuidor seja de boa-fé e possua justo título do bem, além de posse de cinco anos ininterruptos e indisputados.
Usucapião extrajudicial no novo CPC: o que é e requisitos
O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) estabeleceu algumas mudanças na área jurídica civil para facilitar a resolução de litígios por vias extrajudiciais. A usucapião de bens imóveis foi um dos pontos onde essa mudança foi feita.
O artigo 1.071 do Novo CPC estabeleceu uma mudança na Lei de Registros Públicos, acrescentando a ela o artigo 216-A, que estabelece:
“Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel”.
O procedimento extrajudicial para usucapir um bem imóvel facilitou e dinamizou o processo para tornar o possuidor do imóvel seu legítimo dono, fazendo com que as repostas e trâmites sejam mais rápidos.
Aprofunde-se no tema, confira nosso guia completo sobre usucapião extrajudicial.
Como entrar com o pedido judicial de usucapião?
A via extrajudicial para pedido de usucapião, no entanto, não resolve todos os problemas relacionados à prática. Quando há disputa pelo bem, a única forma do possuidor se tornar o legítimo proprietário do bem é por vias judiciais.
Os legítimos donos, credores do proprietário original e vizinhos são alguns exemplos de pessoas que podem interferir no processo.
Quando é necessária uma disputa judicial, o possuidor do terreno deve procurar um advogado para entrar com um processo pedindo para que o juiz o declare proprietário do bem por usucapião.
O trâmite pode ser longo, ainda mais se várias partes estiverem envolvidas no litígio. Caso o possuidor do bem ganhe, o juiz proferirá uma sentença afirmando que o possuidor do imóvel é o novo dono.
Com essa sentença, pode-se regularizar a situação do bem em um cartório, fazendo com que o possuidor se torne o legítimo proprietário.
Como funciona a usucapião em relação a um imóvel de herança?
Um bem imóvel que seja uma herança pode ser usucapido por um de seus herdeiros. Entretanto, o processo exige alguns requisitos.
Caso um imóvel tenha ficado como herança para um número qualquer de herdeiros, mas apenas um deles vive no local enquanto os demais abandonam o bem, sem pagar suas taxas, contas e impostos, é possível, sim, entrar com o pedido de usucapião.
Caso um dos herdeiros atenda aos requisitos descritos nos modelos em uma situação similar à descrita acima, foi entendido pelo Superior Tribunal de Justiça que é possível pedir a regularização como proprietário do terreno via usucapião.
Quanto custa fazer usucapião?
Não existe um valor para a usucapião, mas podemos citar que, em média, o valor da ação de bens imóveis pode variar entre 10% e 30% do valor do imóvel em si.
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Perguntas frequentes
Usucapião é o direito por meio do qual uma pessoa pode se tornar proprietária de um bem móvel (como uma carroça ou um cavalo, por exemplo) ou um bem imóvel (como uma casa ou um terreno para plantio) caso o use por um período de tempo sem a reclamação do dono original.
Usucapião extraordinária
Usucapião ordinária
Usucapião especial urbana
Usucapião especial rural
Usucapião especial coletiva
Usucapião especial familiar
Usucapião especial indígena
Usucapião extrajudicial
Usucapião extraordinária: 15 anos, podendo ser reduzido para 10 anos.
Usucapião ordinária: 10 anos, podendo ser reduzido para 5 anos.
Usucapião especial urbana: 5 anos.
Usucapião especial rural: 5 anos.
Usucapião especial coletiva: 5 anos.
Usucapião especial familiar: 2 anos.
Usucapião especial indígena: 10 anos.
Conclusão
Em suma, esperamos que este artigo tenha sanado todas as suas dúvidas a respeito da usucapião, como ela funciona, quais são as suas regras e tipos diferentes.
A usucapião é uma importante forma de manter o princípio constitucional de dar função social à propriedade e de regularizar situações onde o bem é imprescindível para a moradia, subsistência ou atividade econômica do possuidor.
Comente suas possíveis dúvidas, correções e sugestões sobre o tema na sessão de comentários abaixo. Até a próxima!
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