Direito do Consumidor

Venda casada: o que é e o que diz a legislação?

Uma prática comum nos cinemas brasileiros é a proibição de entrada nas salas com alimentos comprados em outros estabelecimentos. Muitas pessoas passam por essa situação no dia a dia, mas poucos sabem que, segundo a legislação brasileira, esta é uma prática ilegal chamada venda casada.

O cinema, no entanto, é apenas um tipo de estabelecimento com esta prática. Baladas e bares que vendem ingresso com consumação mínima, compra de produtos com obrigatória contratação de seguros, entre outros, são algumas das empresas que fazem este tipo de venda, ainda que exista a proibição para fazê-la.

Neste artigo, vamos analisar, então, o que é esta prática e o que o código de defesa do consumidor (CDC) diz sobre ela. Vamos lá?

O que é a venda casada?

A venda casada é a prática de condicionar a venda de um produto ou serviço a outro, isto é, obrigar o cliente a comprar mais de um produto juntos.

É como no exemplo do cinema: muitos cinemas proíbem os consumidores de entrarem nas salas com alimentos comprados em outros estabelecimentos. Entretanto, o que há por trás dessa proibição é a tentativa de vender o ingresso para o filme e também, a venda dos alimentos que eles possuem como oferta.

Nesse caso, inclusive, o STJ tem o seguinte entendimento:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ÓBICE À ENTRADA A CINEMA COM BEBIDA ADQUIRIDA FORA DO ESTABELECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Ação de compensação por danos morais.
2. Configura-se abusivo o impedimento à entrada e ao consumo de alimentos e bebidas, ou qualquer outro produto, que não tenham sido adquiridos no interior da casa de espetáculos ou cinemas, por configurar, em última análise, venda casada.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt nos EDcl no REsp n. 1.945.889/MT, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/3/2022, DJe de 18/3/2022.)

O que diz o CDC sobre venda casada?

Na seção IV do Código de Defesa do Consumidor (CDC), das práticas abusivas, venda casada se configura da seguinte forma:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

        I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Quais são os principais tipos de venda casada?

Como dito, então, não apenas o caso do cinema é um exemplo de venda casada. Existem, no Brasil, diversos tipos, mesmo que o código de defesa do consumidor (CDC) proíba a prática a mais de 30 anos. Vejamos quais são:

1. Consumação mínima em bares, restaurantes e casas noturnas

Já falamos acima, mas uma prática muito comum de venda casada é a consumação mínima em bares, restaurantes e baladas. Isso porque, o correto é o cliente pagar apenas o que consumir, não ser obrigado a consumir um valor mínimo no ambiente.

2. Contratação de salão de festas e buffet

Muitos salões de festa exigem que, ao contratar o espaço, a pessoa contrate também o buffet do local. No entanto, esta prática é considerada abusiva e configura venda casada.

3. Venda casada na compra de passagens e hospedagens

Segundo o STJ, vender passagens, hospedagens, seguro e passeios conjuntamente também pode ser vista como má prestação de serviços e prática abusiva.

4. Contratação de seguros em concessionárias

Muitas pessoas, ao comprar um veículo, acabam sendo condicionadas a contratação de seguros. Esta prática, também é uma venda casada e, por óbvio, também é proibida.

5. Venda casada na contratação de serviços de internet

Os serviços de telefonia e internet também são grandes conhecidos por aplicação da prática da venda casada. Vale lembrar que, aqui, não estamos falando das taxas mínimas de adesão, uma vez que essas são justificáveis pelo custo para aplicação do serviço. Mas a obrigatoriedade de contratação de serviços adicionais para a instalação, sim, é considerado venda casado, e, portanto, é uma prática ilegal.

6. Cartões de crédito com título de capitalização e seguros

Alguns bancos também incluem na venda de cartões de crédito a obrigatoriedade de contratação de títulos de capitalização, entretanto, esta também é uma prática abusiva de venda casada. O mesmo vale para os seguros ofertados por instituições bancárias, nestes casos, o STJ entende:

“(…) Os serviços que as instituições bancárias colocam à disposição dos clientes estão regidos pelo CDC, eis que se inserem no conceito consagrado no § 2º do art. 3º do referido diploma legal. Como é cediço, o art. 39, inciso I, do CDC proíbe a venda casada, por considerar prática abusiva ‘condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos’. O c. Superior Tribunal de Justiça, no exame dos Recursos Especiais n.º 1.636.320/SP, 1.639.259/SP (Tema 972), representativo da controvérsia repetitiva relativa à validade da cobrança de seguro de proteção financeira, entendeu que o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.”

Acórdão 1204546, 00156887120168070001, Relator: CARMELITA BRASIL, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 25/9/2019, publicado no DJe: 8/10/2019.

7. Venda casada na Contratação de Seguro Habitacional em Financiamento de Imóvel

É obrigatório, por lei, que em casos de financiamento de um imóvel, a pessoa contrate também um seguro habitacional. Entretanto, a contratação não precisa acontecer com a empresa que está realizando o financiamento, como diz a súmula 473 do STJ:

Enunciado 473 do STJ: O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada.

E também:

Tema 972- tese firmada: Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.  REsp 1639259/SP

Acontece que, muitas instituições acabam por cometer a venda casada e obrigar o contratante do financiamento a contratar com ela o seguro também.

Ofertar outros produtos da empresa configura venda casada?

Muitas pessoas acreditam que a oferta de novos produtos ao consumidor já configura venda casada, mas não é bem assim. O que acontece que, para existir a venda casada é necessário a obrigatoriedade de compra de um produto, para que se possa levar o outro.

Ou então, a proibição de algum produto no estabelecimento, visando que o consumidor compre apenas os produtos do local. Como falamos acima, no caso do cinema proibir a entrada com produtos de outros estabelecimentos.

Agora, a simples oferta de um novo produto é apenas uma estratégia de marketing e vendas, chamada de venda cruzada (cross-sell) ou upsell, que é a venda de maior robustez de produto.

Quando a venda casada não é crime?

Em alguns casos, não são necessariamente exceções à regra, mas acabam por sere permitidas, uma vez que prática contrária seria inviável para a existência do produto ou serviço.

Por exemplo, nos casos de leve dois pague um, não há como fazer, exatamente, um cálculo ou separação do produto. Assim, a prática, nesse caso, é permitida.

Então, se você já viu aquele vídeo em que o deputado Celso Russomanno vai a um mercado e tenta comprar apenas um rolo de papel higiênico e achou que ele estava correto, saiba que, nesse caso, pode haver controvérsias.

Alguns juristas afirmam que sim, o consumidor tem o direito, nesse caso, se desejar, de levar apenas um dos produtos. Mas, a loja também não pode ser penalizada por venda casada, já que, existe a opção de o consumidor levar fora da promoção também.

Leia também:

Como provar venda casada?

Para advogados consumeristas, é essencial saber como auxiliar seus clientes que desejam denunciar práticas abusivas e venda casada em estabelecimentos.

Para isso, você deve auxiliar seu cliente a ter em mãos protocolos de atendimento e contratos para que se possa entrar com o processo e provar as acusações na justiça. Assim, as chances de ter o processo ganho – e principalmente, não arquivado – é maior.

Lembre-se também de instruir seu cliente que, antes de qualquer coisa, a denúncia deve ser realizada na Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, mais conhecido como Procon.

Foi vítima de venda casada? Saiba o que fazer

Caso você tenha sido vítima de venda casada, é importante, como dito anteriormente, ter em mãos a comprovação do ato ilícito. E se já é dado o momento de contratar um advogado, você pode buscá-lo aqui no nosso diretório de advogados.

Perguntas frequentes

Quais são os principais tipos de venda casada?

Apesar de proibida, no Brasil, são muitos os tipos de venda casada. Temos a venda casada no cinema, com a proibição de entrada de alimentos de outros estabelecimentos. Em concessionárias, com a venda de seguros. Em instituições bancárias, também com venda de seguros. E muitas outras.

O que é uma venda condicionada?

Venda condicionada ou venda casada é aquela que obriga o consumidor a adquirir um produto ou serviço na compra de outro. Pode ser definida também como excessiva manifestação de vantagem do fornecedor.