Excludente de culpabilidade: conceito e quando aplicar

25/06/2020
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14/10/2024
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15 minutos

O excludente de culpabilidade é uma das situações onde o sujeito que cometeu um crime é afastado ou excluído da culpa de tê-lo cometido. Se encontra nas situações onde o fato gerador do ato ilícito é atípico em relação à penalidade prevista em lei. Além dele, conheça também o excludente de tipicidade e o excludente de ilicitude.

O Direito Penal brasileiro lida com a caracterização de um crime e dos tipos penais que existem dentro do ordenamento jurídico e que são definidos pela legislação. Entretanto, há também, dentro desse ramo, situações que excluem a culpa, conhecidos como excludentes de culpabilidade, de tipicidade e de ilicitude.

Isso quer dizer que não é só a tipificação do crime e a caracterização do mesmo que é alvo de estudos dos operadores do direito e dos doutrinadores. Há também uma discussão sobre as situações que fazem com que alguém que tenha cometido um delito seja afastado da sua punição penal.

Este artigo tem como objetivo apontar questões sobre o excludente de culpabilidade, como o que ele é, suas causas e aplicações.

Abordaremos, porém de forma mais branda, as questões que envolvem os excludentes de tipicidade e ilicitude, definindo as principais diferenças entre os três. Continue a leitura do artigo abaixo!

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O que é excludente de culpabilidade

A excludente de culpabilidade é uma das situações onde o sujeito que cometeu um crime é afastado ou excluído da culpa de tê-lo cometido. Isso quer dizer que houve um ato ilícito e tipificado como tal no Código Penal, mas o agente que o cometeu não é responsável pela culpa de tê-lo cometido.

O excludente de culpabilidade não é diretamente citado em nenhum artigo do Código Penal brasileiro, mas o texto do mesmo aponta, em diferentes momentos, situações que configuram a excludente de culpabilidade, como o artigo 22, por exemplo:

“Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.

É possível notar que o Código Penal exime de culpa o agente que pratica um ato ilícito sob “coação irresistível” ou em estrita obediência hierárquica, por exemplo.

Existem outras situações onde a excludente de culpabilidade é aplicável, e essas situações estão, na sua maioria, expressas dentro do Código Penal.

No entanto, antes de continuarmos o assunto da excludente de culpabilidade e de outras excludentes penais, é importante compreendermos primeiramente o que define o delito.

Como o Direto Penal configura o delito?

O delito pode ser definido como um ato de um sujeito que seja ilegal, ilícito, em conformidade com as leis de um território ou com a ética e moral de sua sociedade. Trata-se da execução de uma infração, uma ação terminalmente proibida.

Dentro do direito penal brasileiro, configura-se o delito quando:

  1. O ato praticado pelo agente é ilegal, tendo a sua ilegalidade tipificada em lei;
  2. tipificação penal para o ato praticado, uma vez que o artigo 1º do Código Penal aponta que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”;
  3. O sujeito é culpado pela prática do ato em questão.

Uma ação só é compreendida como delito, como um crime, somente quando essas três configurações coexistem no ato analisado.

Dessa forma, a excludente de culpabilidade, objeto principal deste artigo, é um situação onde o ato praticado não se configura em crime/delito, uma vez que o sujeito não é culpado diretamente pela prática, mesmo que tenha sido ele quem tenha realizado a ação.

O que é culpabilidade? E, o que gera a culpabilidade?

É importante que seja separada a ideia de culpabilidade da intenção culposa do ato.

A culpabilidade é a relação subjetiva que liga o autor do crime com o ato cometido. É um princípio do direito penal que define quais são os requisitos que o sujeito que cometeu um crime deve preencher para que a culpa do mesmo possa ser atribuída a ele.

Para se definir a culpabilidade de alguém sobre um ato ilícito, o agente precisa ser imputável, ter consciência da ilegalidade da prática e ter a possibilidade de ter agido de forma diferente no caso concreto.

Veremos cada um desses critérios de forma mais minuciosa a seguir.

Imputabilidade

A imputabilidade é a capacidade de uma pessoa, que seja sã e tenha plena faculdade mental, de compreender que a ilicitude do ato e, mesmo assim, age de acordo com a sua vontade para cometer um ato ilícito.

Existem algumas situações que implicam na inimputabilidade do sujeito, ou seja, que indicam que o mesmo não tem capacidade de compreender que o ato é ilícito, como pessoas que tenham deficiência ou doença mental (art. 26) e pessoas menores de 18 anos (art. 27).

Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.

Consciência da ilicitude (art. 21 – CP)

Se a imputabilidade fala sobre a capacidade de uma pessoa sã em compreender que o ato é ilícito, a consciência da ilicitude ter relação com o conhecimento do sujeito de que o ato praticado era, de fato, ilegal.

O desconhecimento da lei não é justificativa para o descumprimento da mesma, mas o próprio Código Penal aponta situações onde o não conhecimento de um ato ilegal pode configurar na não culpabilidade do sujeito (art. 21):

“Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”.

Possibilidade de conduta diversa

A última situação que indica a culpabilidade de alguém sobre um ato ilícito tem relação com a possibilidade de aquela pessoa ter agido de forma diferente da que agiu quando realizou o crime.

Uma pessoa que tenha agido de forma criminosa sob coação ou sob ordem hierárquica, por exemplo, não poderia, em tese, ter agido de forma diferente, não tendo, portanto, possibilidade de conduta diversa.

É importante compreender que só quando essas três situações ocorrem de forma simultânea que se configura a culpabilidade do indivíduo sobre o ato ilícito cometido. Só então essa pessoa pode, teoricamente, responder penalmente pelo que cometeu.

Esses princípios e situações também são muito importantes para o assunto abordado neste artigo, o excludente de culpabilidade. Pois é na observação desses requisitos que se encontrarão as situações supralegais (não previstas em lei, mas previstas na doutrina e na jurisprudência) para a efetivação da excludente.

Causas excludentes de culpabilidade?

O Código Penal brasileiro aponta algumas causas excludentes de culpabilidade dentro do seu texto.

É importante apontar que o excludente de culpabilidade age sobre o ato penal mediante a reprovação social do ato praticado, podendo a situação isentar o sujeito de pena ou diminuir a sua pena, de acordo com a estipulação da lei.

Embora algumas já tenham sido apontadas no decorrer deste artigo, apontaremos quais são as principais causas excludentes de culpabilidade presentes no Código Penal brasileiro abaixo:

Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto (art. 26 – CP)

Como apontamos anteriormente neste artigo, o artigo 26 do Código Penal define que pessoas que sofram de alguma doença mental ou tenham o desenvolvimento mental incompleto não possam ser imputadas por atos penalmente ilícitos.

Essa situação, portanto, é uma excludente de culpabilidade. Entretanto, é importante apontar que o Código Penal prevê a redução na pena, e não a isenção da mesma, no parágrafo único do mesmo artigo:

“Art. 26. Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.  

Cabe a análise do caso concreto e do tipo de delito cometido para definir se cabe a isenção de pena ou apenas a diminuição da mesma.

Menoridade penal (art. 27 – CP)

A menoridade penal (artigo 27 do Código Penal) também torna o sujeito que cometeu o crime inimputável.

Isso não quer dizer que o mesmo esteja isento de penalidade, mas que o mesmo não sofrerá com as consequências da pena previstas no Código Penal em si, mas poderá ser submetido a outras penas, contidas em legislação específica.

Coação ou ordem hierárquica superior (art. 22 – CP)

A coação ou cumprimento de ordem hierárquica superior como excludente de culpabilidade está prevista no artigo 22 do Código Penal.

O mesmo artigo aponta que a responsabilidade pelo ato criminoso será aplicada sobre o autor da coação ou da ordem, que será punido de acordo.

Embriaguez involuntária (art. 28 – CP)

A embriaguez, quando causada de forma involuntária, ou seja, quando a pessoa torna-se ébria sem conhecimento do ato que a fez ficar assim, seja por ter consumido droga sem saber ou por ter sido drogada por terceiro, conforme aponta o parágrafo 1º do artigo 28 do Código Penal:

“§ 1º – É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Não conhecimento do ato ilícito

Por último, o não conhecimento de que o ato era ilícito no momento em que foi praticado também pode configurar em excludente de culpabilidade (artigo 21).

É claro que, para se fazer tal afirmação, deve-se considerar a cultura, o conhecimento, a classe social, a ocupação e vários outros fatores do sujeito, além de também se levar em consideração que tipo de crime foi cometido.

Leia também:

Qual a diferença entre excludente da culpabilidade, ilicitude e tipicidade?

Os três tipos de excludentes penais (culpabilidade, ilicitude e tipicidade) estão ligadas com a possibilidade de um indivíduo se encontrar isento da penalidade de um crime, mesmo ao praticá-lo.

É muito importante que o operador do direito, seja ele um advogado ou um juiz, compreenda a diferença entre as excludentes, para que possa compreender a sua aplicação dentro do caso concreto.

A excludente de culpabilidade, como já vimos, é a situação onde pode-se suprimir a culpa do sujeito que cometeu o crime, por razões estabelecidas dentro do Código Penal e na jurisprudência.

A tipicidade é a união entre o fato concreto e a aplicação da norma penal que define o ato ilícito. Se o fato consumado é atípico ou, embora seja ilegal, seja socialmente aceito, cabe a excludente de tipicidade. Esse conceito é bastante utilizado no princípio da insignificância.

A excludente de ilicitude tem relação com circunstâncias que fazem com que o crime cometido não seja ilícito, por razões específicas.

O artigo 23 do Código Penal aponta quais são as situações onde não há crime ao cometer um ato ilícito:

“Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade; 

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.

Explicaremos cada uma dessas situações adiante.

Quando se aplica a excludente de culpabilidade?

Como já vimos, é excluído de culpabilidade penal o menor de idade, o mentalmente doente ou incapaz, aquele que for embriagado sem conhecimento, quem desconhece que o ato realizado é ilícito, entre outras situações.

Quando se aplica a excludente de ilicitude? (Art. 24 e 25 – CP)

A excludente de ilicitude é aplicada em situação onde o agente que comete o ato o faz estado de necessidade (art. 24), em legítima defesa (art. 25), ou em dever legal ou no exercício de direito, como no caso de médicos, que causam lesões corporais durante cirurgias, por exemplo.

“Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.

“Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Quando se aplica a excludente de tipicidade?

A excludente de tipicidade se encontra nas situações onde o fato gerador do ato ilícito é atípico em relação à penalidade prevista em lei. Por exemplo: uma profissional, ao colocar um piercing ou brinco em alguém, está cometendo uma lesão corporal, mas o fato em si não imputa em crime, uma vez que é atípico em relação à norma penal.

Outro exemplo se encontra no parágrafo 3º do artigo 146 do Código Penal, que afirma:

“Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

§ 3º – Não se compreendem na disposição deste artigo:

I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

II – a coação exercida para impedir suicídio”.

O parágrafo 3º aponta duas situações de atipicidade em relação à norma penal. Portanto, cometem o delito, mas não tem a intenção de cometê-lo de forma danosa. Dessa forma, cabe excludente de tipicidade.

Visto isso, dão quatro causas excludentes de tipicidade:

  1. coação física absoluta;
  2. insignificância;
  3. adequação social; e
  4. ausência de tipicidade conglobante.

A primeira ocorre quando o sujeito é instrumento de outra pessoa, que exerce coação sobre ele. Portanto, não pratica, a rigor, o ato típico.

Já a segunda hipótese é baseada no princípio da insignificância, ou seja, de que, se o bem jurídico prejudicado pelo ato não é fundamental, não há relevância penal. Então, não cabe a aplicação de sanção penal.

A adequação social implica que o ato foi praticado em situação considerada adequada pela sociedade. É o caso de dois indivíduos que, sob regras aceitas livremente por ambos, ferem um ao outro. Embora típica, a conduta não é socialmente danosa, pois limitada ao contexto do jogo.

Finalmente, a ausência de tipicidade conglobante implica que, se uma conduta é aceita ou encorajada pelo Estado, ela não pode ser considerada típica. Nesse sentido, cada ato precisa ser avaliado não apenas em relação ao Código Penal, mas a todo o ordenamento jurídico.

Aqui, vale dizer que, admitida a teoria da tipicidade conglobante, algumas circunstâncias consideradas excludentes de ilicitude passam a ser consideradas excludentes de tipicidade. É o que ocorre com o exemplo do médico que realiza uma cirurgia.

Aprenda sobre um instituto similar: a extinção de punibilidade!

Perguntas frequentes sobre excludente de culpabilidade

O que é excludente de culpabilidade?

A excludente de culpabilidade é uma das situações onde o sujeito que cometeu um crime é afastado ou excluído da culpa de tê-lo cometido. Isso quer dizer que houve um ato ilícito e tipificado como tal no Código Penal, mas o agente que o cometeu não é responsável pela culpa de tê-lo cometido.

Quais são as excludentes de culpabilidade?

– Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto
– Menoridade penal
– Coação ou ordem hierárquica superior
– Embriaguez involuntária
– Não conhecimento do ato ilícito

Qual a diferença entre excludente da culpabilidade, ilicitude e tipicidade?

A excludente de culpabilidade é a situação onde pode-se suprimir a culpa do sujeito que cometeu o crime, por razões estabelecidas dentro do Código Penal e na jurisprudência.

Qual o significado de inimputável?

Inimputável é a pessoa que, legalmente, não tem capacidade de compreender que determinado ato é ilícito. No Código Penal, exemplos de pessoas inimputáveis são aquelas que tem deficiência ou doença mental (art. 26) e pessoas menores de 18 anos (art. 27).

Qual o significado de coação?

A coação ocorre quando alguém é instrumento ou está submetido ás vontades de outrem. Pelo Código Penal (art. 22) a coação pode motivar excludente de culpabilidade.

Conclusão

A excludente de culpabilidade, junto com as demais excludentes, são situações imprescindíveis do direito criminalista, pois flexibilizam a aplicação das normas penais, levando em consideração o caso concreto, não apenas a ação e a consequência dos atos.

É a parte das excludentes, com a excludente de culpabilidade inclusa, que se torna possível ao operador do direito agir da forma mais justa possível com o acusado do ato ilícito, dando a possibilidade de contextualização do ato, coisa que pode diminuir ou até isentar o sujeito da pena.

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  1. Muito obrigada! Esse assunto nevrálgico e espinhoso. Dúvida, quando se afasta uma das elementares do tipo, por consequência, pode-se dizer que a conduta é atípica?

  2. Afastada uma elementar do tipo penal incriminador, temos 2 possibilidades:
    1- atipicidade da conduta;
    2- desclassificação para outro crime.