Ao entrar em uma faculdade de Direito, o estudante é automaticamente absorvido por um novo universo de vocabulário. Talvez alguns já conheçam algo em função do histórico familiar com o Direito, mas é certo que há algumas novidades em relações a termos. Este é, então, o caso do termo jurisprudência.
Se perguntarmos a algum leigo o que jurisprudência significa, a probabilidade de que respondam “não sei” é grande. A lógica o faria pensar, assim, na origem etimológica da palavra e na aglutinação dos termos: juris + prudência. A prudência do Direito ou a justa prudência, portanto? Dificilmente, contudo, um jurista conceituaria o termo por essa simples forma, como se fosse uma fórmula matemática. Muito embora não deixe de ser uma prudência dentro do ordenamento jurídico.
Afinal, ao cimentar um entendimento recorrente dentro das decisões, os tribunais também configuram um caminho “prudente” para os demais juristas, sejam eles tribunais ou advogados. Mas, o que seria a jurisprudência?
É algo mais complexo, com certeza. E isto, sobretudo, após a previsão dos precedentes no Novo CPC. Por essa razão, vale a pena conhecer um pouco do conceito de jurisprudência e do seu histórico no Brasil.
O que é jurisprudência?
Um tribunal não pode ser visto de forma diferenciada. Ainda que a decisão de um juiz não vincule a de outro, de modo geral, e não seja incomum ouvir de advogados que “se o meu caso cair com o juiz tal, eu tenho mais chances de ganhar” (o que justifica inclusive a tendência da jurimetria), é cediço que haja uma coerência interna, sobretudo para garantia da segurança jurídica. É nesse sentido, então, que a jurisprudência ganha relevância.
Do latim “jurisprudentia”, o termo jurisprudência significa, em um sentido amplo, ciência da lei. Em um sentido estrito, contudo, jurisprudência é o conjunto de decisões que refletem a interpretação majoritária de um tribunal e sedimentam, desse modo, um entendimento repetidamente utilizado. Nas palavras do processualista Daniel Amorim Assumpção Neves [1]:
Jurisprudência […] é o resultado de um conjunto de decisões judiciais no mesmo sentido sobre uma mesma matéria proferidas pelos tribunais. É formada por precedentes, vinculantes e persuasivos, desde que venham sendo utilizados como razões do decidir em outros processos, e de meras decisões.
Jurisprudência x precedente
Embora leve, em um primeiro momento, à crença de que a jurisprudência aproxima o sistema jurídico de um modelo de Common Law, ou seja, o modelo de origem anglo-saxônica embasado mais nos costumes (ou na aplicação do Direito) que em leis positivadas, não é necessariamente o que ocorre. A constituição de mecanismos jurisprudenciais não vincula por si uma decisão, apenas conduz um entendimento, inclusive para coerência de fundamentação de um tribunal. Desse modo, auxilia na interpretação tanto do juízo quanto das partes acerca de um caráter decisório.
Nesse sentido, portanto, a jurisprudência diferencia-se do precedente. Embora ambos sejam frutos da jurisdição, a jurisprudência é um conjunto decisório e não somente um julgado utilizado como fundamento para julgados posteriores.
[…] o precedente é objetivo, já que se trata de uma decisão específica que venha a ser utilizada como fundamento do decidir em outros processos. Ainda mais o precedente brasileiro, já que no sistema instituído pelo Novo Código de Processo, diferente do que ocorre com o precedente do direito anglo-saxão, o julgamento já nasce predestinado a se tornar um precedente vinculante. A jurisprudência, por sua vez, é abstrata, porque não vem materializada de forma objetiva em nenhum enunciado ou julgamento, sendo extraída do entendimento majoritário do tribunal na interpretação e aplicação de uma mesma questão jurídica.
Jurisprudência x súmula
A súmula nada mais é que a uniformização da jurisprudência consolidada em um tribunal. No caso das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), diz-se que a uniformização da jurisprudência gera as chamadas súmulas vinculantes, instituídas desde a Emenda Constitucional 45 de 2004. Elas recebem este nome porque, literalmente, vinculam a decisão. Ou seja, obrigam os tribunais e juízes a observar a sua disposição na fundamentação da sentença.
Portanto, enquanto súmula de um tribunal deve ser seguida ou refutada com o devido apontamento da distinção quando invocada pelas partes, mas sem vincular o juízo, a súmula vinculante deve sempre ser observada. É o que se observa, por exemplo, pela redação do art. 927 do Novo CPC:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
1. as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
2. os enunciados de súmula vinculante;
3. os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
4. os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
5. a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.[…]
Por fim, segundo o inciso I do parágrafo 3º do art. 1.035 do Novo CPC, haverá repercussão geral sempre que for interposto recurso que impugne acórdão que contrarie súmula ou jurisprudência dominante do STF.
Diferença entre súmula persuasiva e súmula vinculante
Existem dois tipos de súmula
- persuasiva; e
- vinculante.
A primeira é apenas um apoio para os Juízes nos processos das instâncias inferiores, com aplicação facultativa. Já a segunda é um entendimento que vincula os Juízes das instâncias inferiores.
Em outras palavras, mesmo que um Juiz da primeira instância tenha um entendimento próprio diferente sobre o assunto que está apreciando, ele não tem a opção de ignorar a súmula vinculante. É claro que isso levanta questões sobre o impacto das súmulas na livre convicção do Magistrado, princípio também chamado de livre convencimento do Juiz, e o assunto ainda é polêmico.
Por parte dos advogados, a súmula vinculante pode ser invocada para assegurar que aquele entendimento vantajoso para seu cliente seja cumprido. Se não o for, a decisão do Juiz pode ser levada a questionamento nas instâncias judiciais superiores, por meio de reclamação constitucional.
Quais os tipos de jurisprudência?
As jurisprudências possuem dois tipos: as proferidas pelos tribunais superiores e as proferidas pelos tribunais de segundo grau.
Os tribunais superiores, STF e STJ, são os responsáveis por promover a segurança jurídica. Assim, o primeiro é responsável por garantir que o assunto em questão esteja de acordo com a constituição, e o segundo é responsável por pacificar a jurisprudência infraconstitucional. Já na jurisprudência dos tribunais de segundo grau são os responsáveis pela uniformização das decisões.
Para que serve a Pesquisa jurisprudencial?
Segundo o art. 926 do Novo CPC:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Ou seja, a pesquisa de jurisprudência serve para uniformizar o entendimento dos tribunais acerca de determinado assunto.
Como fazer pesquisa de jurisprudência unificada nos principais tribunais do Brasil?
Além da uniformização, ou seja, do padrão jurisprudencial no que concerne ao molde, é comum encontrar a jurisprudência unificada dos tribunais. Isto significa, assim, um local em que as decisões do tribunal estejam reunidas. Entretanto, como já observado, as formas de disposição variam de tribunal para tribunal, assim como os sistemas de busca.
Por essa razão, vale a pena conferir como a pesquisa jurisprudencial funciona em alguns tribunais do país.
Como fazer pesquisa de Jurisprudência no TJSP?
A jurisprudência do TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo, um dos maiores do país, pode ser consultada através da barra lateral na página inicial do tribunal.
Através do link, o visitante é levado ao portal de serviços do e-SAJ, desenvolvido pela Softplan, mesma empresa de desenvolvimento do Projuris ADV – software jurídico. Logo de início, o advogado ou advogada pode digitar o termo pelo que pesquisa para realizar a consulta jurisprudencial, pesquisando, então, conforme os campos na imagem.
Como fazer pesquisa jurisprudencial no TJRJ?
A jurisprudência do TJRJ – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também está em destaque na barra lateral do site. Portanto, pode ser acessada com facilidade.
No entanto, diferentemente do que se percebe em vários tribunais, o TJRJ oferece duas interfaces de busca: uma, na mesma tela de pesquisa e outra em página diversa. Trata-se de uma mudança de layout, com novos campos de pesquisa, refinamento e a possibilidade de consultar o Ementário através da mesma página.
Como fazer pesquisa de Jurisprudência no TJPR?
A jurisprudência do TJPR – Tribunal de Justiça do Paraná também pode ser consultada através de menu lateral. Contudo, o destaque para a seção é menor.
O caminho para a pesquisa propriamente dita também é mais longo que nos demais tribunais. E leva assim a uma nova página, em que pode-se pesquisar por jurisprudências, súmulas, enunciados ou boletim de jurisprudência das turmas recursais do tribunal.
Como fazer consulta de Jurisprudência no TJSC?
A jurisprudência do TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina encontra-se já em sua página inicial. A visualização e identificação são rápidos, contribuindo, dessa forma, para a rapidez do acesso.
O clique na palavra leva a uma nova página em que procurar pela ementa ou inteiro teor, o tipo de decisão, palavras-chave ou dados do processo.
Como fazer pesquisa de Jurisprudência no TJRS
A jurisprudência do TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, enfim, também pode ser consultada por meio de menu na lateral do site. Apesar de disponibilizar outras áreas, tal como o TJPR, por exemplo, o clique leva direto a uma página de busca, com campos de pesquisa opcionais.
Qual a importância da jurisprudência na advocacia?
O papel da jurisprudência, então, é uniformizar e balizar a aplicação do Direito em um tribunal. Contudo, não deve ser o único fator determinante para uma decisão, ainda que vincule, em certo nível, a sentença. Afinal, como dispõe o Novo Código de Processo Civil, a jurisprudência deve ser observada na fundamentação, caso suscitada pela parte. Dessa maneira, é a redação do parágrafo 1º do art. 489 do Novo CPC:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Portanto, é essencial que os advogados e advogadas da causa tenham conhecimento da jurisprudência acerca do tema da causa, não apenas porque auxilia nas estratégias sobre o processo, algo para o que a jurimetria contribui, mas também porque obriga o juízo a, ao menos, justificar a recusa da jurisprudência para o que deve demonstrar a existência de distinções dos casos concretos.
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Perguntas frequentes sobre Jurisprudência
A jurisprudência é o conjunto de decisões dos tribunais sobre uma matéria que apresente similaridades entre diferentes disputas judiciais.
A jurisprudência é um conjunto de decisões que refletem o entendimento de um tribunal acerca de uma matéria específica, levando em consideração como foram interpretadas as leis em casos que possuam similaridades.
O precedente, por sua vez, é toda decisão objetiva que seja utilizada como base para outra decisão judicial. Toda a vez que uma decisão judicial é realizada, ela se torna um precedente para outras decisões futuras.
Já a súmula nada mais é do que a uniformização da jurisprudência de um tribunal. Quando se nota na jurisprudência que as decisões sobre um tema são uniformes, cria-se uma súmula para que a mesma seja apreciada ao se tomar uma decisão no sentido da matéria em questão.
Conclusão
Com o objetivo de mostrar as inclinações de decisões de tribunais a respeito de temas específicos, a jurisprudência é um instrumento importante para que a justiça apresente segurança jurídica e para que os julgadores se baseiem na interpretação de seus pares sobre as leis.
Dessa forma, a jurisprudência e a consulta da mesma em diferentes tribunais se mostram de extrema importância dentro do direito, tanto para advogados quanto para os juízes e órgãos colegiados.
Os advogados devem pesquisar a jurisprudência dos tribunais onde possuem ações ocorrendo para compreender qual será a inclinação do órgão a respeito do caso analisado, dando algum tipo de previsibilidade para as partes envolvidas na disputa.
Para isso é preciso conhecer o funcionamento da pesquisa jurisprudencial nos principais tribunais brasileiros, como apontado, ou mesmo ter armazenado um conjunto de súmulas e jurisprudências para uso facilitado na produção jurídica.
Eu quero ter conhecimento de jurisprudências e precedentes !
Oi, Samira, tudo bem?
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Você já leu esse post do nosso colunista sobre precedentes?
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Muito interessante. Acredito que poderá auxiliar bastante o trabalho de pesquisa.
Oi, Helio, tudo bem?
Fico contente que o post possa contribuir de algum modo!
Abraços
Excelentes explicações. De grande valia pois, não raro encontrar peças processuais onde o operador do direito muitas vezes insere jurisprudências antagônicas.
Certamente, o processo é prejudicado e o cliente desacreditando em seu patrono.
Olá, gostaria de saber se existe diferença entre julgado e jurisprudência, ou se seriam as mesmas coisas?
Material utilíssimo. Objetivo e esclarecedor.
Grato por compartilhar seu notável saber jurídico com aqueles que tanto necessitam de informação segura e confiável.
O ativismo judicial está dando vida à jurisprudência em detrimento da Lei, isso porque com essa lacuna tolerável alguns juízes satisfazem o seu ego, desrespeitando a lei para benefícios de pessoas, ou para demonstrar e fundamentar seu abuso de autoridade, satisfação ideológica, em detrimento da segurança jurídica. Se tem a Lei, cumpra-se a Lei.
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