As matérias de ordem pública não são vistas de forma unânime. Como o próprio nome ressalta, envolvem interesse público. E é aí que reside o problema: o que seria o interesse público para os fins processuais civis?
Para grande parte da doutrina, o interesse público seria o interesse coletivo e, por isso, implicaria na necessidade de uma atuação do Estado para além dos interesses particulares.
O que é matéria de ordem pública e qual o momento para argui-la?
Juridicamente, o Direito público envolve tudo que relaciona os direitos coletivos. É, portanto, um dos princípios do Direito público a soberania do estado em relação ao Direito individual. E esse princípio se reflete, então, nas matérias de ordem pública.
Sobre “ordem pública”, Caio Mario destaca que essa expressão se refere a princípios de direito privado que:
[…] tendo em vista a natureza especial da tutela jurídica e a finalidade social do interesse em jogo, compõem uma categoria de princípios que regem relações entre particulares, a que o Estado dá maior relevo em razão do interesse público em jogo.
Assim, matérias de ordem pública são as questões que envolvem os interesses coletivos.
Podemos encontrar matérias de ordem pública no controle de constitucionalidade das leis, por exemplo, e nas nulidades absolutas e de fundo, previstas nas leis substanciais e processuais.
Dessa forma, para arguir a matéria de ordem pública, a outra parte do processo deve “ameaçar” interesses coletivos.
Quais são as matérias de ordem pública?
Antes de entender, então, quais são as matérias de ordem pública, vale lembra que as questões de ordem pública não foram sempre iguais. Elas sofreram mudanças por conta de fatores como modificações ideológicas, científicas e pragmáticas.
Desse modo, é importante destacar, como aponta Trícia Navarro Xavier Cabral:
1) As questões que envolvem interesse público podem ser baseadas em questão de fato ou questão de direito;
2) A imperatividade das chamadas “questões de ordem pública” pode ser variada, justificando um tratamento diferenciado de cada uma;
3) As questões de ordem pública podem acarretar prejuízos distintos, de acordo com o caso concreto;
4) Identificar imperatividades e prejuízos diferentes não significa aplicar a fungibilidade ou a flexibilização, tendo em vista que a questão, por si só, deve ser encarada na proporção de seu alcance e consequência, e não representar um aspecto único em todas as situações.
É importante, dessa forma, entender quais são as matérias de ordem pública.
Em primeiro lugar, como já anteriormente sinalizado, as questões de ordem pública são aquelas em que o interesse público se sobressai. Isto é, se necessário, o juiz pode aplicar uma intervenção corretiva, em nome da boa administração da justiça.
Além disso, quando falamos do âmbito de processo civil, as matérias de ordem pública são as relacionadas a condições de ação, pressupostos processuais e outros requisitos de processo.
Matérias de ordem pública no Direto Material
As matérias de ordem pública podem ser encontradas em diversos ramos do Direito Material, por exemplo: direitos do consumidor, trabalhista, familiar, penal, etc.
Ricardo de Carvalho Aprigliano diz que:
As leis de ordem pública de direito material importam, de fato, em restrições à liberdade das partes, impõem padrões de comportamento, prescrevem a nulidade dos atos praticados em sua violação, mas não implicam absoluta indisponibilidade sobre o direito.
Assim, matérias de ordem pública no direito material dizem respeito ao interesse público. Contudo, não necessariamente equivalem a matérias de ordem pública na perspectiva processual.
Isto significa dizer que um determinado caso pode ensejar o interesse público, mas demandará, por exemplo, iniciativa do Ministério Público.
Portanto, essas matérias não admitem conhecimento judicial espontâneo, estão sujeitas a preclusão, admitem transação ou renúncia e, são aplicáveis os efeitos da revelia e tantas outras figuras processuais.
Matérias de ordem pública no Direito Processual
As matérias de ordem pública no direito processual buscam garantir, então, a correta aplicação da lei e a regularidade de um processo. Isso porque, é de interesse público que a atividade jurisdicional ocorra da maneira correta, buscando resultado efetivos, justos e tempestivos.
Ou seja, diferentemente das matérias de ordem pública no Direito Material, aquelas referentes ao Direito Processual ensejam o conhecimento judicial independente de iniciativa anterior – as manifestações de ofício.
Matérias de ordem pública no novo CPC
Segundo o novo CPC, as matérias de ordem pública estão diretamente ligadas às que podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz.
É importante ressaltar que as partes devem estar cientes desta ação, em respeito às normas constitucionais.
É o caso, por exemplo, da redação do art. 485 §4º do novo CPC:
Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
1. indeferir a petição inicial;
2. o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;
3. por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;
4. verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;
5. reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;
6. verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;
7. acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;
8. homologar a desistência da ação;
9. em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; e
10. nos demais casos prescritos neste Código. […]
§ 4º Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.
Cognição de ofício
Em relação às matérias de ordem pública, elas permitem que o juiz realize algumas ações de ofício. Vejamos, então, quais são elas em seus respectivos códigos processuais.
O que o juiz pode fazer de ofício segundo o CPP?
O art. 5º, inciso II do Código de Processo Penal permite que o juiz faça uma requisição de início de inquérito policial. Alguns doutrinadores, no entanto, são contrários a essa possibilidade. Isso porque, para eles essa autorização viola a imparcialidade do magistrado e a separação entre julgador e acusado.
Já o art. 33º do CPP permite que o juiz nomeie curador especial a ofendido menor de 18 anos ou mentalmente debilitado, que não tenha representante legal. O art. 61º do mesmo código permite ao juiz, de ofício, reconhecer extinta a punibilidade, independente da fase do processo.
Além disso, o juiz, de ofício, pode ainda, segundo o art. 94º CPP, suspender o curso da ação penal, nas hipóteses de questão prejudicial. Ademais, o art. 27º ainda permite o sequestro de bens e imóveis do indiciado, em qualquer fase do processo. Entre muitas outras permissões das matérias de ordem pública.
O que o juiz pode fazer de ofício segundo o CPC?
Veja alguns artigos do Novo CPC:
Art. 63, § 3o: Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.
Art. 64, § 1o: A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício.
Art. 81: De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
Art. 138: O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. Obs.: participação de “amicus curiae”.
Art. 292, § 3o: O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.
Art. 385: Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício.
Entre outras atividades que constam no novo CPC em relação às matérias de ordem pública. Para ver todas as disposições do Novo CPC comentadas clique aqui.
Pode o juiz pronunciar de ofício à prescrição?
Por fim, uma questão que desperta sempre dúvidas sobre matérias de ordem pública no Direito Processual Civil: a prescrição.
Dispõe-se então, no art. 332 do novo CPC:
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
A prescrição pode ser alegada a qualquer momento, de ofício, por um juiz. Dessa maneira, a prescrição também é matéria de ordem pública.
Excelente artigo, preconiza com perfeição os valores intrínsecos e extrínsecos da ORDEM PÚBLICA – PRABÉNS.
estou satisfeito com os esclarecimentos
parabéns pela matéria
Maria do Rosário
EXCELENTE!! Parabéns!