Novo CPC – Análise das normas processuais fundamentais

22/06/2018
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14/10/2024
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10 minutos

Após o advento do Novo CPC, toda a comunidade jurídica pode observar substancial diferença. O presente texto busca, então, analisar os seis primeiros artigos do NCPC. E, desse modo, observar o que diz respeito às normas processuais fundamentais.

O tema de hoje é sobre seis das doze normais fundamentais que regem o Novo CPC. Primeiramente, tais normas do CPC/2015 traduzem a mentalidade que a nova lei processual introduz para a solução dos conflitos. No entanto, também revelam total sintonia com a Constituição Federal.

Consoante essa perspectiva, o artigo 1º dispõe que o “processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normais fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

Portanto, o primeiro artigo é, sem dúvidas, a disposição expressa do lógico. Uma vez que a Constituição Federal vincula todos os atos dos poderes públicos (Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário), todos os ramos do Direito são também vinculados a ela, não somente o Processual Civil.

Apesar de ser lógica a sua vinculação por ser lei infraconstitucional, é preciso atentar-se ao objetivo do legislador. Isto porque este pretendia enfatizar que o Código de Processo Civil deve se subordinar e se orientar pelas disposições constitucionais. Não obstante, cabe ressaltar que o CPC é norma geral de processo, utilizado em todos os ramos, ainda que de forma subsidiária e desde que não seja incompatível.

O processo, portanto, deve, sempre, ser examinado sob o ponto de vista constitucional em todas suas vertentes. Assim, garantirá, por exemplo, dentre outras inúmeras situações que são aplicadas no códex processual e que devem observar o CF:

  • o direito de ação;
  • de defesa;
  • do controle de constitucionalidade das leis;
  • dos remédios constitucionais;
  • da fundamentação da decisão;
  • da produção de prova.

Novo CPC e seus recentes e notáveis impactos

A expressa constitucionalização do Novo CPC já é vista na prática. O colendo Superior Tribunal de Justiça, recentemente, decidiu que a suspensão do passaporte violou o direito constitucional de ir e vir e o princípio da legalidade.

Nesse sentido, observa-se a decisão do STF em Recurso Ordinário em Habeas Corpus:

“RECURSO   ORDINÁRIO EM   HABEAS CORPUS.  EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015.  INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL.  SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO   ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO.

1. O habeas  corpus é instrumento  de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em  que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. […]

7. A adoção  de medidas  de incursão na  esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade  e configurar-se-á coação reprovável, Sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental.

8. A liberdade  de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de Quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir.

9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte  proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação  de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo  sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária”.

(STF, 4ª Turma, RHC 97876/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/06/2018, publicado em 09/08/2018).

Princípio dispositivo e impulso oficial

Seguindo sobre as normas fundamentais, o artigo 2º corresponde aos antigos artigos 2º e 262º do Código de Processo Civil de 1973. Trata sobre o princípio dispositivo e impulso oficial, que não são novidades no ordenamento.

Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

Princípio dispositivo

O dispositivo é justamente a regra de que o juiz deve aguardar a iniciativa das partes. Mas toda regra suporta exceções, e não é diferente no caso desse princípio. Desse modo, o juiz é autorizado a agir de ofício em algumas hipóteses, como:

  • na hipótese de herança jacente (artigo 738 do CPC);
  • em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR – artigo 976 do CPC);
  • na restauração de autos (artigo 712 do CPC);
  • em incidente de arguição de inconstitucionalidade (artigo 948 do CPC), entre outros.

Novo CPC normas processuais fundamentais

Impulso oficial

Já o impulso oficial é quando, uma vez iniciado, o processo se desenvolve naturalmente pelo juiz. Essa situação, contudo, também comporta exceções. Por exemplo, se a parte não der andamento ao processo, ocorrerá a contumácia (revelia). Do mesmo modo, a regra não impede que a parte desista da ação. Por fim, entre outras possibilidades, o dever do impulso oficial não alcança a fase recursal.

No sentido do exposto, é a decisão do STF em Recurso Especial:

“TRIBUTÁRIO  E PROCESSUAL  CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. ALEGAÇÕES  GENÉRICAS. SÚMULA 284/STF. EXECUÇÃO FISCAL. INÉRCIA DA EXEQUENTE.  PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. […]

2. De acordo com o entendimento  do Superior Tribunal de Justiça, com o advento da Lei 11.051/04,  que acrescentou o § 4º ao art. 40 da Lei 6.830/80, tornou-se possível a decretação ex officio da prescrição quinquenal intercorrente  pelo juiz, após ouvido o representante da Fazenda Pública. […]

3. “A falta de impulso oficial do  processo, por si só, não exime a responsabilidade da exequente pela  condução do feito executivo, mormente quando o transcurso de prazo  superior  a cinco anos ocorre após a citação” (AgRg no REsp 1.166.428/PE, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJe 25/9/12)”

(STF, 2ª Turma, REsp 1683398/RJ, rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26/09/2017, publicado em 19/12/2017).

Preceitos Constitucionais

O artigo 3º do Códex copia parcialmente o inciso XXXV do artigo 5º da CF. Consequentemente, reforça a ideia criada pelo artigo 1º do Novo CPC de que as normas processuais devem se basear nos preceitos constitucionais. Diante do assunto, válida a transcrição do artigo:

Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2º O Estado, promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

O caput do referido artigo reforça o direito constitucional de ação. E garante, desse modo, ao jurisdicionado o poder de deduzir pretensão em juízo, Mas também o poder de defender-se dela. Os §§ 1º ao 3º, por sua vez, expressamente admitem e incentivam outros métodos de solução de conflitos. São eles:

  • mediação;
  • conciliação;
  • e arbitragem.

Conciliação, Mediação e Arbitragem no Novo CPC

A conciliação é o método mais recomendado para os conflitos superficiais e objetivos. Isto porque conta com a atuação do terceiro facilitador de forma mais direta, que pode até mesmo sugerir opções para a solução do conflito. De outro lado, a mediação é recomendada para os casos em que exista uma relação prévia entre os envolvidos. E o terceiro facilitador deve somente facilitar o diálogo entre as partes, mas sem, em hipótese alguma, propor soluções.

Comumente a conciliação e mediação são confundidas. Até mesmo são utilizadas como sinônimas. Por esse motivo o próprio Código tratou de diferenciá-las especificamente no § 2º e 3º do artigo 165, respectivamente.

Art. 165.  Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Quanto a arbitragem, essa é uma jurisdição distinta da estatal, regida pela Lei nº 9.307/1996. Sendo assim, também faz coisa julgada material e que produz eficácia de título executivo judicial.

Razoável duração do processo

O artigo 4º traz mais uma norma fundamental no Novo CPC. Trata-se da razoável duração do processo. Dispõe o artigo que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

A razoável duração do processo é princípio constitucional expressamente previsto no inciso LXXVIII do artigo 5º da CF e que já existia também no inciso II, do artigo 125 do Código de Processo Civil de 1973. A diferença e a principal inovação do Código é a segunda parte do artigo 4º, que a doutrina nominou como princípio da primazia da decisão de mérito.

A primazia do mérito, em poucas palavras, é privilegiar e fazer o possível para que o processo tenha um julgamento de mérito. O não julgamento do mérito significa extinguir o processo por meio de uma sentença terminativa em razão de vícios formais, o que não acarretará em uma decisão justa e nem trará a solução do conflito que as partes tanto almejam. Inclusive, o princípio da primazia da decisão de mérito já é aplicado no c. Superior Tribunal de Justiça.

O artigo 5º, por seu turno, não trouxe inovações no Novo CPC e corresponde, parcialmente, ao que preconizava o artigo 14, inciso II, do CPC de 73.

Princípio da Cooperação

Por fim, resta analisar o artigo 6º do Novo CPC. Por sinal, esse artigo deve sempre ser lido em conjunto com o artigo 4º, pois a solução, de mérito e em prazo razoável, depende da cooperação de todos. Referido artigo dispõe que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

O princípio da cooperação nada mais é que uma sobrenorma que orienta a vontade das partes para atuar em conjunto com o juiz, no intuito de se alcançar uma decisão judicial justa (equânime, razoável e proporcional) e que garanta, principalmente, a satisfação do direito e o efetivo desempenho do Estado em sua função/dever/atribuição de prestar a jurisdição ao caso concreto.

O método inquisitivo e o método dispositivo são deixados, em parte, de lado para a entrada de um novo método de solução judicial, que é o método de cooperação, que prestigia o amplo diálogo processual entre as partes e o juiz para que se chegue ao melhor resultado na solução do litígio.

Registra-se que a cooperação em conjunto com o princípio da primazia no julgamento do mérito é amplamente observada em diversas situações do regramento processual, como, p. ex., 1) nos recursos (artigo 932, parágrafo único); no preparo do recurso (artigo 1.007, § 2 e 4º); no saneamento de vícios (artigo 139, inciso IX e artigo 317); dentre outros inúmeros casos.

Concluindo…

Dessa maneira, podemos observar notáveis diferenças com ao advento no Novo CPC, começando pela própria disposição topológica dos artigos referentes às normas processuais fundamentais. Ressalta-se, por fim, que ainda restam outros seis artigos de igual calibre, que transbordam os limites desta contribuição e que serão abordados em nova oportunidade.

Post produzido por Marcelo Pacheco de Brito Júnior. Advogado. Vice-presidente do Núcleo de Direito Processual Civil do IEAD. Pós-Graduado em Processual Civil pelo IDP. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Associado do escritório Hilário Vaz & Branquinho – Advogados Associados.

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