Art. 133 ao art. 137 do Novo CPC comentado artigo por artigo

Capítulo IV – Do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica

O Código Civil traz uma diferenciação entre a personalidade. Assim, há a personalidade da pessoa natural ou física (conforme o art. 2º, CC). Mas também há a personalidade jurídica, atribuída, então, às empresas ou sociedades. Enfim, às pessoas jurídicas. Ambas, todavia, possuem início e fim. Enquanto a personalidade da pessoa natural se inicial no nascimento com vida, resguardado os direitos do nascituro, e se encerra com a morte, a personalidade jurídica se inicia com a inscrição dos atos constitutivos da sociedade no registro próprio e na forma da lei. E encerra-se, desse modo, com esta. Contudo, a pessoa jurídica depende dos atos de pessoas naturais. Assim, visando garantir a responsabilização adequada por esses atos, o legislador introduziu-se no ordenamento jurídico o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica promove, dessa maneira, a supressão do benefício da limitação da responsabilidade. Contudo, foi incluso no Código de Processo Civil apenas com o CPC/2015. Embora já fosse aplicado pelos tribunais, o CPC/1973 não regulamentava de como o pedido poderia ser feito. O Novo CPC, então, trouxe o instrumento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em seus arts. 133 a 137.

Art. 133 do Novo CPC

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 133, caput, do Novo CPC

(1) O art. 133 do Novo CPC define, então, os sujeitos interessados e aptos ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Portanto, pode fazer o pedido de instauração do incidente a parte ou o Ministério Público, quando deva intervir no processo (art. 178, Novo CPC). Nesse sentido, também, dispõe o Enunciado 123 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC):

123. (art. 133) É desnecessária a intervenção do Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, salvo nos casos em que deva intervir obrigatoriamente, previstos no art. 178. (Grupo: Litisconsórcio e Intervenção de Terceiros)

(2) O instrumento, enfim, também pode ser requerido no processo falimentar, conforme o Enunciado 247 do FPPC, e no processo do trabalho, conforme o Enunciado 124 do FPPC. No último caso, poderá ser, assim, resolvido em decisão interlocutória ou na sentença.

(3) Ainda, pontua Didier [1]

O art. 790, VII, CPC, estabelece que, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, também se submetem à execução os bens do responsável (sócio ou, se desconsideração inversa, sociedade).
Não se deve falar em desconsideração da personalidade jurídica quando o sócio já for responsável pela dívida societária, de acordo com o regime de responsabilidade patrimonial do tipo de sociedade de que faz parte (limitada ou ilimitada, por exemplo) […].
Além disso, não cabe discutir benefício de ordem (art. 795, § 1.º, do CPC) na desconsideração da personalidade jurídica, como visto acima. Não importa se a pessoa jurídica tenha ou não bens passíveis de serem executados. O sócio responde sozinho.

Art. 133, parágrafo 1º, do Novo CPC

(4) O parágrafo 1º do art. 133, Novo CPC, fala, então, que o pedido deverá observar os pressupostos legais. Isto é, as previsões do CPC/2015, as previsões do Código Civil ou eventuais disposições na legislação extravagante.

(5) No que concerne às previsões do Código Civil, todavia, é interessante observar algumas modificações promovidas com a Medida Provisória 881 de 2019 (a MP da Liberdade Econômica). Assim, modificou-se o art. 50, CC, que antes dispunha que “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. O artigo, desde abril de 2019, passa a vigorar, então, com a seguinte redação, não obstante os parágrafos e incisos que lhe foram acrescidos:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 

Art. 133, parágrafo 2º, do Novo CPC

(6) O parágrafo 2º do art. 133, por fim, trata da hipótese da desconsideração inversa da personalidade jurídica, à qual se aplicam os mesmos pressupostos. A desconsideração inversa, desse modo, é a tentativa de benefício da pessoa natural em cima de bens próprios utilizando-se da pessoa jurídica. Se no caso da desconsideração da personalidade jurídica, tenta-se evitar que um sócio ou administrador se evada da sua responsabilidade pelos atos da pessoa jurídica por ele administrada (a qual poderia ser utilizada para fraudes, por exemplo, sem riscos no patrimônios do sócio ou administrador), na desconsideração inversa, pretende-se evitar que o sócio ou administrador utilize a pessoa jurídica para se esquivar de obrigações que seriam próprias da pessoa natural (como a partilha de bens, por exemplo).

(7) Nesse sentido, portanto, dispõem os Enunciados 283 e 285 da Jornada de Direito Civil:

Enunciado 283: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

Enunciado 285: A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor.

(8) O Superior Tribunal de Justiça também já tem jurisprudência sobre o tema, e dispôs, assim, em Recurso Especial:

[…]

4. A teoria da “disregard doctrine” surgiu como mecanismo para coibir o uso abusivo da autonomia da pessoa jurídica para a prática de atos ilícitos em detrimento dos direitos daqueles que com ela se relacionam.

5. A comprovação de que a personalidade jurídica da empresa está servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios, deve ser severamente reprimida.

[…]

(STJ, 3ª Turma, REsp 1721239/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/11/2018, publicado em 06/12/2018)


Art. 134 do Novo CPC

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.

§4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.


Art. 134, caput, do Novo CPC

(1) Conforme o art. 134 do Novo CPC, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerido a qualquer momento do processo de conhecimento, do cumprimento de sentença ou do processo de execução.

(2) Ainda, é importante pontuar a previsão do Enunciado 125 do FPPC, sobre litisconsórcio passivo:

125. (art. 134) Há litisconsórcio passivo facultativo quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica, juntamente com outro pedido formulado na petição inicial ou incidentemente no processo em curso. (Grupo: Litisconsórcio e Intervenção de Terceiros)

(3) E quando aplicada no processo do trabalho, enfim, segundo o Enunciado 126, FPPC, a “decisão que resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução cabe agravo de petição, dispensado o preparo”.

Art. 134, parágrafo 1º, do Novo CPC

(4) De acordo com o parágrafo 1º do art. 134 do Novo CPC, portanto, a instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para anotações devidas.

Art. 134, parágrafo 2º, do Novo CPC

(5) Conforme o parágrafo 2º do art. 134, Novo CPC, dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial. Nesse caso, então, será citado o sócio ou a pessoa jurídica. Contudo, como dispõe o Enunciado 248, FPPC, estes poderão – e caberá a eles, portanto – impugnar, na contestação, a desconsideração, além dos demais pontos da causa.

Art. 134, parágrafo 3º, do Novo CPC

(6) O incidente de desconsideração da personalidade jurídica dá causa à suspensão do processo, conforme o parágrafo 3º do art. 134, CPC/2015. No entanto, constitui exceção a hipótese de requerimento na inicial.

Art. 134, parágrafo 4º, do Novo CPC

(7) Por fim, o parágrafo 4º do art. 134, NCPC, dispõe que o requerimento do incidente deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais (já vislumbrados no art. 133, Novo CPC).

(8) Nesse sentido, portanto, veja-se ementa de acórdão do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ.

  1. A desconsideração da personalidade jurídica é medida de caráter excepcional que somente pode ser decretada após a análise, no caso concreto, da existência de vícios que configurem abuso de direito, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, requisitos que não se presumem em casos de dissolução irregular ou de insolvência. Precedentes.
  2. Rever os fundamentos do acórdão recorrido relativos à análise dos requisitos autorizadores importaria necessariamente no reexame de provas, o que é defeso nesta fase recursal ante o óbice da Súmula 7/STJ.
  3. Agravo interno não provido.

(STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 1275976/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/06/2018, publicado em 13/06/2018)


Art. 135 do Novo CPC

Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.


Art. 135, caput, do Novo CPC

(1) O art. 135, Novo CPC, então, prima pela citação da parte contrária. Estabelece-se, dessa maneira, prazo de 15 dias para que a parte passiva da desconsideração da personalidade jurídica possa se manifestar e requerer, assim, as provas cabíveis. É uma medida que visa, então, assegurar o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa.


Art. 136 do Novo CPC

Art. 136.  Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único.  Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.


Art. 136, caput, do Novo CPC

(1) Segundo o caput do art. 136, em geral, a desconsideração da personalidade jurídica será resolvida através de decisão interlocutória. Afinal, ela ocorre em qualquer momento do processo e pode ser essencial para a resolução dele, como no caso do processo de execução. E sendo resolvida via decisão interlocutória, portanto, dela caberá agravo de instrumento.

(2) Caso, contudo, a desconsideração seja resolvida em sentença, caberá apelação. É o que, assim, enfatiza o Enunciado 390 do FPPC.

Art. 136, parágrafo único, do Novo CPC

(3) O parágrafo único, por fim, ressalta que, quando a desconsideração da personalidade jurídica for decidida pela relator, caberá, consequentemente agravo interno.


Art. 137 do Novo CPC

Art. 137.  Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.


Art. 137, caput, do Novo CPC

(1) O art. 137 do Novo CPC, por fim, trata da fraude em execução. Nesse caso, portanto, desconsiderada a personalidade jurídica, a alienação ou oneração de bens do sócio ou administrador será ineficaz em relação àquele que requereu a desconsideração.

(2) Nas palavras de Neves [2]:

Como se pode notar do dispositivo legal, somente após o acolhimento do pedido de desconsideração haverá fraude à execução, em previsão que aparentemente contraria o disposto no art. 792, § 3.º, do Novo CPC, que estabelece haver fraude à execução nos casos de desconsideração da personalidade jurídica a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.

Essa contrariedade foi minha primeira impressão, mas numa análise mais cuidadosa entendo viável a convivência dos dois dispositivos legais. Para tanto deve se entender que o art. 137 do Novo CPC não prevê o termo inicial da fraude à execução, limitando-se a afirmar que somente haverá tal espécie de fraude se o pedido de desconsideração for acolhido. A questão do termo inicial de tal fraude, portanto, seria resolvida exclusivamente pelo § 3º do art. 792 do Novo CPC.

(3) Como o autor também pontua, contudo, gera-se um risco ao terceiro adquirente de boa-fé, nesses casos, não previsto pelo legislador no art. 137, CPC/2015.


Referências

  1. DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: execução. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. v. 5, p. 364
  2. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017, p. 1159.