Estamos há mais de um ano convivendo com a pandemia decorrente do COVID-19. Atualmente, o Brasil acumula cerca de 389 mil mortes resultantes da doença. Já foi possível quantificar a incrível marca de mais de 4.000 mortes em um único dia no país. O caos cotidiano colocou em evidência um benefício previdenciário: a Pensão por Morte. Diante da quantidade de óbitos, milhares de famílias, ainda em momento de luto, indagam ter direito ao benefício–assunto que virou comum entre os brasileiros.
O presente artigo tem por objetivo apresentar relevante entendimento da Turma Nacional de Uniformização (TNU) sobre o requisito da dependência, que é condição para o acesso à Pensão por Morte. Busca-se, em breves linhas, demonstrar a implicação prática de recente decisão que tem abrangência em todo território nacional.
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Quem pode receber pensão por morte?
O Regime Geral de Previdência Social (RGPS), gerido pelo INSS, tem dois tipos de beneficiários: os segurados (art. 11 da Lei n. 8.213/91) e os dependentes (art. 16 da Lei n. 8.213/91). Os primeiros são aqueles que exercem algum tipo de atividade remunerada, por exemplo, um empregado que trabalha de carteira assinada. Os segundos, por sua vez, são aqueles que tem vínculos com os segurados por alguma relação de parentesco, por exemplo, um filho.
A Pensão por Morte é um benefício previsto no art. 74 da Lei n. 8.213/91 que é devido ao conjunto de dependentes do segurado que falecer, esteja ele aposentado ou não. Para compreender quem pode recebê-lo, precisamos descobrir, pois, quem são os dependentes. Essa informação é trazida art. 16 do mesmo diploma, que também estabelece importantes informações em seus§§1ºe 4º:
Art.16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I -o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
II -os pais;
III -o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
§ 1ºA existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
Qual os critérios do direito à pensão por morte?
Destaquemos, então, duas questões pertinentes do direito à pensão por morte:
A primeira é que a concessão obedece um critério de ordem no tocante aos dependentes: os da primeira classe(I) excluem os da segunda (II) e assim por diante. Os dependentes da mesma classe até concorrem entre si, mas não com os demais. No caso de existir, por exemplo, uma esposa, os pais do segurado não fazem jus ao benefício, nem concorrem de alguma forma.
A segunda diz respeito ao fato de que os dependentes de primeira classe têm sua dependência presumida, enquanto os demais devem comprovar esse requisito. Pela lei, se presume, portanto, que um filho menor de 21 anos (I) depende da mãe; contudo, não se extrai a mesma conclusão do pai (II) em relação ao filho.
É necessário provar o parentesco?
Essa presunção tem uma implicação importante no que tange ao ônus probatório de cada dependente. Aqueles elencados no inciso I não precisam fazer prova de sua dependência para possuir o direito à pensão por morte, pois há presunção legal a seu favor; os segundos, no entanto, deverão apresentar provas suficientes que se prestem a demonstrar que, na data do óbito, guardavam relação de dependência como segurado.
Veja-se que, para além da norma previdenciária, o art. 374 do Código de Processo Civil estabelece que não dependem de prova os fatos “em cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade”. Em outras palavras, em um processo judicial, alguém da primeira classe de dependentes (I) precisa comprovar apenas a natureza de seu vínculo com o segurado que veio a óbito, sendo desnecessária qualquer demonstração financeira ou material referente à dependência.
Levando em conta que toda prova se dirige a um fato, a esposa não precisa comprovar que dependia da renda do marido (ou vice-versa), bastando fazer prova do casamento, com a certidão respectiva. Do mesmo modo, o filho menor de 21 anos também não precisa comprovar que as finanças de seus genitores eram fundamentais para sua subsistência, bastando que comprove sua filiação, pela certidão de nascimento ou pelo RG.
A presunção é absoluta?
Aqui, o legislador imaginou o seguinte: é tão frequente que os dependentes de primeira precisam do instituidor, que é possível presumir que sempre que se constatar esse tipo específico de relação, não é necessário demonstrar qualquer dependência material. É um fato tão “forte” que a lei o insere abrindo mão da respectiva prova.
A título elucidativo, vale lembrar que antes do regime da Lei n. 8.213/91 o homem não tinha direito à pensão da mulher, salvo se na condição de inválido. Naquele tempo, aos olhos do legislador, era tão incomum pensar que um homem poderia depender da mulher que, para fins previdenciários, a única possibilidade de o inserir como dependente era se demonstrasse situação de invalidez – ou seja, deveria fazer prova.
Questão interessante diz respeito à natureza jurídica da presunção sob comento. Embora a lei dispense a prova quanto aos fatos presumidos, sabe-se que a presunção pode ser absoluta ou relativa. Esta admite prova em contrário; aquela, não.
É possível desconstituir a presunção da pensão por morte?
O art. 16, §1º, citado acima, diz apenas que a dependência das pessoas elencadas no inciso I é presumida, mas nada fala em relação à natureza dessa presunção, ou seja, se é possível desconstituí-la com provas que demonstrem o contrário. Veja-se que, em outros diplomas é comum que seja acompanhada a expressão “salvo prova em contrário”, o que não aconteceu no referido artigo.
Diante da legítima dúvida, a Turma Nacional de Uniformização (TNU) afetou, aos 18/09/2019,o PEDILEF 0030611-06.2012.4.03.6301/SP, sob o Tema 226, que se propôs a resolver a seguinte questão: A dependência econômica do cônjuge ou do companheiro relacionados no inciso I do art. 16 da Lei 8.213/91, em atenção à presunção disposta no §4º do mesmo dispositivo legal, é absoluta ou relativa?
O tema foi julgado recentemente, aos 26/03/2021 (data da publicação do acórdão, acesse o inteiro teor clicando aqui), com a conclusão de que a presunção é absoluta (jure et de jure). O Relator, Atair Nasser Ribeiro Lopes, destacou em seu voto que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já aponta nesse sentido, bem como a da própria Turma Nacional de Uniformização (TNU). Citou, em seguida, o Resp 203.722 e o PEDILEF2009.7158.0083593. No julgamento também foi ressaltado que o INSS costuma interpretar o artigo considerando a presunção como absoluta.
A tese firmada foi a seguinte: “A dependência econômica do cônjuge ou do companheiro relacionados no inciso I do art. 16 da Lei 8.213/91, em atenção à presunção disposta no §4º do mesmo dispositivo legal, é absoluta”. Em outras palavras, ainda que o INSS comprove que, por exemplo, o filho não dependia do pai por já ser financeiramente independente, a pensão deve ser paga, pelo simples fato de ele ser um dependente elencado no inciso I do art. 16 da Lei n. 8.213/91.
O que mudou com o julgamento do Tema 226?
A grande relevância, para os dependentes de primeira classe do falecido, é que a prova agora se direciona tão somente ao vínculo de parentesco. Por exemplo, no caso do cônjuge, a certidão de casamento que não conste averbação de divórcio ou separação judicial (art. 370, I da IN 77/2015). Não é necessário apresentar qualquer prova de que havia uma relação de necessidade material.
Em resumo, a Pensão por Morte é um benefício pago aos dependentes do segurado, que estão divididos segundo uma classe e uma ordem própria, inclusive de pagamento – os mais próximos excluem os mais remotos. Quando se tratar de cônjuge, companheira(o) e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, basta comprovar o parentesco, não sendo necessárias provas referentes à dependência material em si.