Em 2012, como resultado do trabalho de dois anos da Comissão de Juristas de Atualização do Código de Defesa do Consumidor, surgiu o Projeto de Lei do Senado nº 283/2012, de autoria do então senador José Sarney. Depois de aprovado no Senado Federal, foi enviado à Câmara dos Deputados e está lá até hoje, renumerado para PL nº 3515/2015.
Essa proposta de alteração no Código de Defesa do Consumidor e no art. 96 do Estatuto do Idoso foi apelidada como o “PL do Superendividamento”. O projeto propõe, de acordo com sua ementa, “aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento”, voltado àquele consumidor pessoa física e de boa-fé que é totalmente impossibilitado de pagar suas dívidas atuais e futuras decorrentes do consumo.
Também prevê o PL 3515 a renegociação simultânea do devedor com vários credores, parecido com o que empresas fazem através da Recuperação Judicial. O tratamento de dívidas excessivas de pessoas físicas já existe em países como os Estados Unidos, Alemanha e França.
Outra ideia do projeto foi coibir o assédio ao consumidor, especialmente aos consumidores hipervulneráveis – idosos, crianças e analfabetos, por exemplo. Essa espécie de propaganda abusiva incentiva os consumidores a comprarem produtos ou serviços, na maioria das vezes por impulso, que, no final, não conseguirão pagar.
Em junho de 2021, o PL 3515/15 foi transformado na Lei 14.871/21, ou “Lei do Superendividamento”.
Navegue por este conteúdo:
O que é superendividamento
O superendividamento é a “impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial”. Assim, pelo menos, é o conceito trazido pelo PL 3515 no páragrafo 1º do artigo 54-A, a ser adicionado ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) se o projeto for aprovado.
E é o superendividamento que dá margem também à negativação de muitos consumidores, ainda que se saiba possível a possibilidade e negativação indevida dos nomes. Ou seja, é também a causa pela qual diversos consumidores veem seus nomes inscritos em sistemas como Serasa e SPC.
O novel artigo ainda prossegue e explica que as referentes dívidas “englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos, inclusive operações de créditos, compras a prazo e serviços de prestação continuada”.
Mas por que incluir, neste momento, o superendividamento na legislação?
Objetivos por trás do PL 3515 e inovações do PL do Endividamento
O que motiva o “PL do Superendividamento” é a má-administração da população brasileira com o próprio dinheiro, graças à péssima cultura financeira que tem. Fruto disso, o consumidor endivida-se e não consegue sair da enorme bola de neve que se forma. O PL quer criar regras para concessão de crédito ao consumidor, além de incentivar a educação financeira, o que significa até a inclusão do tema no currículo escolar e em campanhas publicitárias destinadas aos consumidores.
É o que se observa, assim, da inclusão de dois incisos ao art. 4º do CDC, acerca da Política Nacional das Relações de Consumo:
Art. 4º ……………………………………………………………………………………….
…………………………………………………………………………………………………..
IX – fomento de ações visando à educação financeira e ambiental dos
consumidores;
X – prevenção e tratamento do superendividamento como forma de
evitar a exclusão social do consumidor.
Além disso, muitas pessoas se tornam superendividadas por situações imprevisíveis, como acidentes, doenças, redução de renda, desemprego ou, porque não, uma pandemia. Na tentativa de sobreviver financeiramente, acabam contraindo mais dívidas. E esse ciclo sem fim acaba tirando do mercado de consumo esses consumidores que se tornaram endividados por “coisas da vida”. E a esses consumidores, principalmente, o PL 3515 quer auxiliar a recuperar o crédito no mercado.
Evitar o superendividamento, como é a proposta do PL 3515, é uma forma, inclusive, de auxiliar as empresas. Afinal, se o consumidor não paga, a empresa não pode arcar com compromissos com seus respectivos colaboradores e fornecedores. E, ainda, recolocar no mercado o consumidor endividado e garantir-lhe uma forma de honrar suas dívidas e ter novo acesso ao crédito, mas de forma sadia, é uma forma de aquecer o comércio.
Principais alterações no Código de Defesa do Consumidor
Além da inclusão dos dois inciso ao art 4º do CDC e a outros da legislação, o PL 3515 também acrescente um capítulo próprio para a tratativa legal do superendividamento. O capítulo VI-A, então, passa a ser chamado de “Da Prevenção e do Tratamento do Superendividamento”
Segundo o novel art. 54-A, já mencionado:
Art. 54-A. Este Capítulo tem a finalidade de prevenir o superendividamento da pessoa natural e de dispor sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
Ademais, preza pelo caráter conciliatório ao incluir forma de renegociação (repactuação) da dívida pelos consumidores, como se observa da redação da proposta do novo artigo 104-A:
Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa
natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas,
visando à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por
conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores,
em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com
prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos
termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento
originalmente pactuadas.
Segundo o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), em 2019, cerca de 30 milhões de brasileiros estavam superendividados, ou seja, sequer tinham condições de pagar as próprias dívidas. O número representava metade do total de devedores no país.
Se era assim ano passado, agora com a crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus, esse número certamente saltará. De acordo com o Instituto Locomotiva, no mês de abril desse ano 91 milhões de brasileiros deixaram de pagar pelo menos uma conta. Para momentos como esse é que o PL 3515 já deveria ter sido aprovado há muito tempo.
Vale ressaltar que a defesa do consumidor faz parte dos princípios da ordem econômica de nosso país, estabelecida no artigo 170 da Constituição Federal.
É, pois, de interesse de nosso legislativo que o projeto seja aprovado. No entanto, ao longo de quase cinco anos, o projeto de lei foi e voltou da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados 26 vezes, do Plenário 19 vezes e da Comissão de Direito do Consumidor 17 vezes. No fim de 2019 foi criada a “Comissão Especial destinada a apreciar o PL nº 3.515/2015”.
Atualmente, julho de 2020, o texto está no Plenário pela 20ª vez. O que aconteceu em todos esses anos para que esse projeto de lei jamais tenha sido aprovado?
Foi preciso uma pandemia, que avassala a saúde e a economia nacional, para que nossos representantes na Câmara dos Deputados pudessem finalmente aprovar o PL 3515? Aparentemente sim.
Quer saber tudo sobre Direito do Consumidor? Faça seu cadastro e receba as novidades em seu e-mail.