Ao longo da última década, o termo judicialização ganhou destaque no cenário jurídico brasileiro. Isto porque importantes e polêmicas decisões foram proferidas. Mas, também em virtude do elevado número de questões e conflitos levados ao Poder Judiciário.
Ao final de 2021 (último dado disponível), segundo o Conselho Nacional da Justiça (CNJ), havia mais de 77 milhões de processos judiciais ativos no Brasil. Apenas nos Tribunais Superiores – instâncias máximas, onde apenas um número limitado de querelas deveria chegar – havia mais de 812 mil casos pendentes.
Neste artigo, discutiremos os impactos práticos da judicialização no Brasil. Veremos, outros pontos, quais áreas tem sido mais judicializadas. E, ao fim, para os advogados que atuam no meio corporativo, separamos algumas ações práticas para reduzir o número de litígios levados às vias judiciais. Vamos lá? Boa leitura!
Judicialização é a palavra utilizada para designar a condução de questões de grande repercussão ao julgamento do Poder Judiciário – especialmente às cortes superiores, como o Supremo Tribunal Federal – ao invés de discuti-las em instâncias políticas e legislativas, como o Congresso e o Poder Executivo.
Esse é um conceito clássico de judicialização, estabelecido no Direito Brasileiro por nomes da monta de Luís Roberto Barroso, ministro do STF, no clássico artigo “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática” (Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, 2009).
No ordenamento jurídico brasileiro, existem alguns casos emblemáticos de judicialização. Um deles é, por exemplo, o reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4227. Outro exemplo se refere ao poder de afastar congressistas eleitos de seus mandatos, como medida cautelar – jurisprudência firmada na ADI 5526
Nesse sentido, o processo de judicialização do Direito desponta como uma tendência que privilegia a interpretação judicial em face da legislação positivada. Concede, dessa forma, maior abertura à atuação dos juízes, enquanto aplicadores da lei.
Por outro lado, a colocação de holofotes sobre a atuação do Poder Judiciário neste tipo de questão levanta polêmicas. Os juízes, por esse olhar, seriam transformados em produtores de novas “normas”, nos casos de lacuna da lei por exemplo. Isto porque, eles teriam, então, o poder – ou a legitimidade – de, com uma decisão, estabelecer qual a regulação dada pelo Direito a casos não previstos pela lei.
Para além desse conceito clássico, os termos “judicialização” e “judicializar” passaram a ser usados em contextos mais amplos, sobretudo anos recentes. Nessa interpretação alternativa, a judicialização denomina o movimento crescente de resolver todo tipo de lítigio pelas vias judiciais, levando às questões ao julgamento do Poder Judiciário ainda nas primeiras instâncias.
Garantias de direitos sociais – como os direitos à saúde, educação, e direitos humanos em geral – tem sido alvo crescente de judicialização.
Outro exemplo que afeta diretamente o mundo corporativo – e, claro, os advogados que atuam em departamentos jurídicos – é a tendência de judicializar questões relacionados ao Direito do Consumidor e ao Direito Trabalhista. Tal situação compromete recursos financeiros e humanos de empresas, consumidores, ou colaboradores, em longas contendas judiciais.
Judicialização e ativismo judicial são termos frequentemente confundidos, e até mesmo usados como sinônimo. Na prática, no entanto, a maioria dos juristas concorda que há diferença entre eles.
Se a judicialização do Direito refere-se à abertura para a atividade do judiciário na interpretação das lacunas normativas, o ativismo judicial refere-se, mormente, a conduta ativa do judiciário em criar normas.
A principal diferença, portanto, consiste na atividade criativa dos tribunais. No processo de judicialização, o juiz atua além das atribuições de aplicação da lei. No entanto, fá-lo conforme princípios e regras anteriores. Enquanto isso, pelo ativismo judicial, o juiz cria novas entendimentos, ampliando as formas legais.
Para Luís Roberto Barroso, judicialização e ativismo judicial são “primos“. O magistrado defende a tese de que a judicialização é um fenômeno, até certa feita, inevitável, já que decorre “do modelo constitucional brasileiro”. Por outro lado, enxerga o ativismo judicial de forma distinta:
Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar
a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. Luís Roberto Barroso (2009)
Muitos temas tem sido levados ao Poder Judiciário, no Brasil. A seguir, veremos algumas das principais questões judicializadas no país. São exemplos práticos, para entender de uma vez por todas o que é a judicialização. Vamos lá?
Em 2019, o Conselho Nacional de Justiça lançou uma pesquisa que ajuda a entender como opera e quais os motivos da judicialização da saúde. Como a própria denominação já sugere, a “judicialização da saúde” é um fenômeno centrado na busca pela garantia do direito à saude, pela via judicial. Mas não apenas isso.
A referida pesquisa analisou quase 500 mil processos em primeira instância, e mais de 270 mil em segunda. A partir desses dados, concluiu que a judicialização abrange não apenas questões relacionadas ao sistema de saúde público, mas também à saúde suplementar e à assistência privada.
Os temas mais comuns na primeira instância tem relação com termos-chave como “Plano de Saúde”, “Seguro”e “Saúde”, seguidos de “Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos”. Na segunda instância, a análise de expressões regulares mostrou a repetição de pedidos relacionadas à órteses, próteses, medicamentos, leitos e internações.
Além disso, o mesmo estudou destaca que a judicialização da saúde não estpa regredindo. Pelo contrário, os números apontam para um crescimento no volume de processos judiciais relacionados:
O número de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017, enquanto o número total de processos judiciais cresceu 50%. Segundo o Ministério da Saúde, em sete anos houve um crescimento de aproximadamente 13 vezes nos seus gastos com demandas judiciais, atingindo R$ 1,6 bilhão em 2016. Pesquisa “Judicialização da Saúde no Brasil“, 2019.
Para além desses grandes volumes, é preciso lembrar que a judicialização da saúde também se manifesta em questões de grande repercussão. Nos anos recentes, foram levadas as cortes superiores muitas questões de saúde pública e sanitária, como aquelas relacionadas à pandemia da Covid-19.
A judicialização da política tem sido entendida por, muitos juristas, como o movimento de contestar e discutir, no âmbito do Poder Judiciário, atos e decisões tomadas pelos poderes Executivo e Legislativo.
Os principais atores, propulsores dessa judicialização, são as próprias figuras do universo da política, como os partidos políticos de oposição. Mas, evidentemente, não apenas eles. Organizações Não-Governamentais (ONGs), sindicatos, grupos da sociedade civil organizada e entidades de classes são alguns dos atores que mobilizam a atividade jurisdicional.
Entretanto, você pode estar se perguntando, quais os efeitos judicialização da política? O tema é controverso, mas os professores Leandro Molhano Ribeiro e Diego Werneck Arguelhes sugerem algumas respostas, em artigo sobre o tema. Para eles, judicializar pode servir para bloquear, criticar ou retardar o resultado final de uma ação dos outros poderes. Mas, durante a negociação e tramitação de novos atos, pode servir também para alterar as posições relativas dos atores políticos na negociação legislativa.
Nos anos mais recentes, crises como a provocada pela pandemia da Covid-19, acabaram por impactar também na judicialização da política. Trabalhos como o das pesquisadoras Vanessa Elias de Oliveira e Lígia Mori Madeira, mostram que esse cenário faz com que cortes superiores, como o STF, sejam cada vez mais acionadas.
A judiciação da educação, ou das relações escolares, é caracterizada pelo acionamento da Justiça com o intuito de garantir ou reivindicar algum direito iminentemente relacionado à educação. Pesquisadores do tema elencam como principais atoers da judicialização da educação, para além da escola em si:
Em estudo sobre o tema, especialistas apontam que as causas judicializadas, nesse âmbito, são as mais diversas e tem se alterado com a ampliação do acesso à educação, e com a consolidação de legislações sobre o tema:
“[…] a justiça passou a ser chamada amiúde a solucionar conflitos no âmbito escolar, que extrapolam a questão da responsabilidade civil, ou seja, se antes se contemplava na esfera do judiciário, ações de indenizações ou reparação de danos envolvendo o sistema educacional, ou mandados de segurança para garantia de atribuições de aulas a professores, hoje, a realidade é bem diversa, e várias são as situações em que se provoca o judiciário com questões educacionais. A efetividade do direito à educação prevista no Constituição Federal, a ocorrência de atos infracionais ocorridos no ambiente escolar e a garantia da educação de qualidade passaram a ser objeto de questionamento judicial.” Carlos Roberto Cury e Luiz Antonio Miguel Ferreira em “A judicialização da educação” (Revista CEJ, 2009)
Dentre os muitos exemplos possíveis de judicialização nos anos recentes, podemos citar as Ações Civis Públicas (ACP) movidas contra o município de São Paulo, por ONGs que pleiteavam o aumento do número de vagas para a educação infantil na rede municipal.
A judicialização trabalhista ocorre quando se leva à Justiça questões relacionadas a garantia de direitos trabalhistas. Conforme a legislação da área de Direito do Trabalho avançam, também se alteram as demandas judicializadas nesse espectro.
A Reforma Trabalhista, por exemplo, é uma alteração legislativa com grande impacto na judicializaçaõ do trabalho. Ao mesmo tempo que pontos específicos dessa lei foram levados à discussão no STF – por exemplo, na ADI 5766 – também os pedidos que chegam à primeira instância sofrem impacto.
Outro fator que influenciou na judicialização trabalhista foi a pandemia da Covid-19, com inicio em 2020, no Brasil. A pandemia levou à popularização de novos modelos de trabalho, como o teletrabalho ou home office. Num cenário ainda pouco regulado, dezenas de conflitos relacionadas à essas novas formas de trabalho foram levados à justiça.
A desjudicialização, como o próprio nome já sugere, refere-se a possibiidade de buscar a resolução de conflitos sem acionar a via judicial ou recorrer às atividades jurisdicionais do estado. Contudo, como operar a desjudicialização?
No contexto brasileiro, o professor e desembargador Diógenes V. Hassan Ribeiro faz algumas sugestões. Para ele, o exemplo mais óbvio de promoção da desjudicialização é pela edição de leis. Depois, tem-se os métodos alternativos de resolução de conflitos, dentre os quais a mediação, a conciliação e as técnicas de justiça restaurativa. Vejamos, em detalhes, cada uma dessas possibilidades.
A desjudicialização pela edição da legislação ocorre quando, os legisladores pátrios modificam o ordenamento jurídico, retirando a obrigação de que certas questões sejam conduzidas e solucionadas ao largo das vias judiciais.
O Dr. Hassam Ribeiro traz dois exemplos de edição de leis que caminham no sentido da desjudicialização:
Outro caso similar é, por exemplo, o da Lei 14.382/2022, que estabeleceu a possibilidade de adjudicação compulsória extrajudicial.
A mediação pode ocorrer em momento anterior a instituição de um processo judicial, ou durante seu curso – podendo, então, resultar na suspensão do andamento do processo. Trata-se, em suma, de um recurso de solução alternativa de conflitos que visa obter acordos benéficos para todas as partes envolvidas, sem a necessidade de encarar o desgaste e a morosidade do sobrecarregado sistema de justiça brasileiro.
Diógenes V. Hassan Ribeiro tratou de explicar, claramente, como a mediação tem sido aplicada na prática:
Surgiu para evitar a reiteração, a reincidência, do mesmo conflito no Judiciário e, especialmente, para
propiciar maior satisfação às partes envolvidas. Ora, no âmbito da família o valor afeto é o que deve ser priorizado. As soluções judiciais, na maior parte dos casos, que prestam uma resposta jurídica e distante, à lide posta, revelaram-se insatisfatórias, seja quando considerada a reincidência do conflito, seja quando considerada, em especial, a qualidade da solução que, evidentemente, não era abrangente. A mediação, promovendo encontros separados e conjuntos dos litigantes, dá a oportunidade de que eles mesmos construam a solução do seu conflito, de que eles mesmo construam o futuro das suas relações, cada um olhando para o outro e escutando os problemas e as dificuldades do outro.
Embora o Direito da Família seja um âmbito profícuo para a mediação, não é o único local em que ela tem sido aplicada. Questões de direito trabalhista, consumerista e outras, tem recorrido a esse caminho alternativo. Adentraremos nessas possibilidades, nas últimas seções deste artigo. Fique conosco!
A justiça restaurativa é um método ou conjunto de técnicas que coloca as partes envolvidas em um conflito no centro de sua resolução. Além das responsabilizações legais devidas, ela busca promover o entendimento das causas relacionais, sociais e institucionais que levaram ao conflito.
Outra distinção desse instituto de resolução de conflitos é a busca por uma reparação da dor que vá além das responsabilizações penais e administrativas. A vítima pode compreender de forma mais ampla as motivações e o contexto de vida do ofensor. E este, por sua vez, tem mais chances de obter sucesso na reintegração à sociedade.
A justiça restaurativa tem ganhado espaço nos tribunais brasileiros. Como lembra o Dr. V. Hassan Ribeiro, os círculos restaurativos tem sido especialmente eficientes na mediação de conflitos que envolvem crianças e adolescentes. Experiêncas positivas tamém são cada vez mais comuns em questões de família, conflitos entre vizinhos ou entre pessoas da mesma comunidade.
A judicialização de litígios no ambiente empresarial um fenômeno pode afetar todo tipo de organização, mas é uma preocupação especialmente presente em médias e grandes empresas. Nessas estruturas, costuma haver um grande número de clientes, fornecedores, parceiros, prestadores e colaboradores – o que aumenta o volume de potenciais conflitos.
Frente a esse cenário, evidentemente, as empresas buscam reduzir o volume de judicializações, evitando, com isso:
Contudo, o que fazer para reduzir o risco de judicializações no mundo corporativo? Algumas medidas podem ser decisivas. Vejamos.
Felizmente, no cenário atual, a mediação e a realização de acordos são alternativas cada vez mais céleres e baratas, em relação à judicialização. Com a ajuda da tecnologia, por exemplo, é possível automatizar vários procedimentos relacionados à proposição de um acordo – como o contato com as partes envolvidas, o cálculo dos valores, a troca de mensagens durante a negociação, e assim por diante.
Um exemplo de tecnologia capaz de promover essa automação é o Projuris Acordos, solução ideal para empresas ou escritórios de advocacia com um grande volume de demandas contenciosas. Descubra já como funciona essa plataforma de acordos.
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Judicialização significa “dar ou assumir caráter judicial”. Na prática, a judicialização ocorre quando conflitos ou questões de grande repercussão são levadas ao Poder Judiciário, em detrimento de priorizar soluções legislativas ou políticas.
Judicialização da política é a expressão utilizada para designar o movimento levar ao âmbito do Poder Judiciário atos e decisões que já foram tomadas, ou estão sendo discutidas, pelos poderes Executivo e Legislativo. Os atores que mais comumente levam esses atos à Justiça são partidos políticos de oposição, sindicados, organizações não-governamentais, entidades de representação de classe, entre outros.
Está claro, portanto, que a judicialização é um movimento bastante comum no sistema democrático e de justiça atual. A concepção mais clássica do termo pressupõe que a judicialização é levar à discussão do Poder Judiciário questões conflituosas, ao invés de buscar solucioná-las pela via legislativa, por exemplo.
Por outro lado, a judicialização também designa um fenômeno mais comum e recorrente: a resolução de conflitos de toda ordem pela via judicial. Como vimos, promover a desjudicialização, nestes casos, pode ser fundamental não apenas para desafogar o sistema judiciário, mas também para obter uma resolução de conflitos mais rápida e menos custosa para todas as partes.
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PESQUISA, Justiça. CNJ. Judicialização da Saúde no Brasil: perfil de demandas, causas e propostas de solução, 2019.
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Anuario iberoamericano de justicia constitucional, n. 13, p. 17-32, 2009.
RIBEIRO, Diógenes V. Hassan. Judicialização e Desjudicialização: entre a deficiência do legislativo e a insuficiência do judiciário. Revista de informação legislativa, v. 50, n. 199, p. 25-33, 2013.
OLIVEIRA, Vanessa Elias de; MADEIRA, Lígia Mori. Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19. Revista Brasileira de Ciência Política, 2021.
RIBEIRO, Leandro Molhano; ARGUELHES, Diego Werneck. Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico. Revista Direito GV, v. 15, 2019.